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Seleção de magistrados no direito pátrio e comparado

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

VICTOR CARACAS SALES

SELEÇÃO DE MAGISTRADOS NO DIREITO PÁTRIO E COMPARADO

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SELEÇÃO DE MAGISTRADOS NO DIREITO PÁTRIO E COMPARADO

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Constitucional. Direito Comparado.

Orientadora: Professora Janaína Soares Noleto Castelo Branco.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito

S163s Sales, Victor Caracas.

Seleção de magistrados no direito pátrio e comparado / Victor Caracas Sales. – 2014. 46 f. : enc. ; 30 cm.

Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.

Área de Concentração: Direito Constitucional.

Orientação: Prof. Me. Janaína Soares Noleto Castelo Branco.

1. Juízes – Seleção e admissão- Brasil. 2. Direito comparado. 3. Poder judiciário - Brasil. I. Castelo Branco, Janaína Soares Noleto (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.

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SELEÇÃO DE MAGISTRADOS NO DIREITO PÁTRIO E COMPARADO

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito Constitucional.

Aprovada em 20/05/2014

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________ Professora Msc. Janaína Soares Noleto Castelo Branco (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________ Professor Msc.William Paiva Marques Junior

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________________ Camilla Karla Barbosa Siqueira (Mestranda)

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À minha orientadora, professora Janaína Soares Noleto Castelo Branco, pelo auxílio no desenvolvimento de pesquisas desde a época do início do Grupo de Estudos em Direito Processual Civil. Além de ser reconhecida como um grande modelo de docência, ensinando e inspirando os alunos, tem uma excepcional vocação para introduzir aqueles que estão dando seus primeiros passos na seara jurídica ao mundo da pesquisa acadêmica.

À minha família: minha mãe por ser uma mulher íntegra e independente que nos ensinou, por exemplo, e não só por oratória, o que é equilibrar carreira e família, sem perder o foco das prioridades necessárias para viver uma vida plena e feliz. Sempre com muito carinho, sempre com muita leveza. Ao meu pai, por ser “o modelo” de retidão, nunca poupando esforços para nos dar a melhor formação possível, se envolvendo em nossas vidas, torcendo por nossas vitórias. Ao meu irmão Léo, por ser um grande amigo e por me ensinar coragem, mesmo sem chamar de coragem, mostrando o passaporte carimbado e a coleção de histórias ao redor do mundo. À minha madrinha, tios, tias, avós e avôs, por prestigiarem todas as nossas conquistas, por menores que fossem, e estarem sempre presentes em nossas vidas.

À Defensoria Pública do Estado do Ceará por ser minha casa por dois anos, por sua contribuição imensurável na minha formação. Aos defensores públicos Déborah Braga, Vágner de Farias, Francilene Gomes e Gélson de Azevedo pelo incentivo, paciência e disponibilidade de ensinar. À Danielle Costa pelas inúmeras lições de Direito e pelo comprometimento. A todos os colegas de estágio pelas tardes de descobertas e debates que passamos juntos, que terão um espaço muito querido em minha memória.

Ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará e ao Tribunal Regional do Trabalho de 7ª Região por contribuírem com a minha formação e me permitirem explorar interesses e curiosidades profissionais.

Aos projetos de extensão da Universidade Federal do Ceará, em especial SONU, Semana do Direito e Grupo de Estudos em Direito Processual Civil, por tornarem a Universidade um espaço estimulante e agregador.

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[...] É sobre o real valor de uma educação de verdade, que não tem nada a ver com notas ou diplomas e tudo a ver com a simples consciên-cia – consciência do que é real e essencial, tão escondido à nossa vista [...] o que significa que outro clichê também é verdade: sua edu-cação realmente é o trabalho de uma vida

in-teira e começa agora.”

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RESUMO

O presente estudo visa analisar os modelos de seleção e recrutamento de magistrados presentes no direito pátrio e estrangeiro. As reflexões apresentadas têm o intuito de explorar a influência da forma de escolha dos magistrados na construção do Judiciário e na harmonização das sociedades democráticas. Nesse sentido, inicialmente far-se-á um breve registro da importância das famílias common law e civil law no molde dos sistemas contemporâneos de seleção de juízes e, em seguida, uma apresentação dos modelos de magistratura e perfil de juízes presentes na literatura jurídica. Posteriormente, será feita uma análise histórica dos modelos adotados no Brasil, com ênfase na atual legislação. No presente trabalho também serão tecidos breves comentários a respeito da previsão da matéria em alguns ordenamentos de Estados democráticos e apresentadas ponderações acerca do contraste daqueles ante a realidade brasileira. O modelo de seleção brasileiro deve ser analisado a partir do perfil de juiz funcionário, adotado pelo poder constituinte resultante de nossa tradição jurídica. Feitas as devidas críticas, e reconhecido o progresso recente experimentado na legislação brasileira, o sistema atual de seleção de magistrados reflete nossa democracia: sofreu, ao longo dos anos, notáveis avanços, entretanto seu constante aprimoramento deve ser exigido para que possam ser atendidas as complexas demandas atuais.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Comparado. Common Law. Civil Law.

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ABSTRACT

The present study aspires to analyze the models of selecting and recruiting judges in Brazilian and foreign law. The reflections that are presented here have the intention to explore the influence that the method of choosing judges has on building a strong Judicial Power and on fostering harmony on democratic societies. In that sense, it will be initially presented a brief record on the importance of common law and civil law on molding the current systems of judge´s selection and a presentation on the models of magistracy and judge´s profiles that are known in the legal literature. Following that, a historical analysis of the Brazilian models will be presented with emphasis on the current legislation. After that, there will be made brief comments concerning the legislative efforts in a few democratic States and there will be presented reflections on the contrasts of Brazilian laws and the laws of those nations. The Brazilian selection model needs to be analyzed within the context of our constitutionally chosen judge´s profile: the bureaucratic judge, which is the result of our legal traditions. Once the pertinent critiques have been made and the recent progress on the Brazilian legislation has been acknowledged, it needs to be stated that the current Brazilian system reflects the State´s democracy: it has gone through notable advances, but constant improvement is expected in order to solve the complex contemporary demands.

Key-Words: Constitutional Law. Comparative Law. Common Law. Civil Law. Judge´s

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1 INTRODUÇÃO... 12

2 A INFLUÊNCIA DOS SISTEMAS COMMON LAW E CIVIL LAW NOS MODELOS PROFISSIONAIS... 14

2.1 O sistema common law... 14

2.2 O sistema civil law... 15

2.3 A complementaridade dos sistemas common law e civil law... 15

2.4 Classificação dos modelos contemporâneos... 17

2.5 Perfis de juiz: profissional e funcionário... 19

2.6 O perfil do juiz funcionário como consequência da reestruturação do Estado francês no período revolucionário e a incompatibilidade daquele com a teoria constitucional brasileira... 20

2.7 Formas de recrutamento... 21

2.8 Pontos positivos do sistema burocrático... 22

2.9 Modelos de organização do Poder Judiciário... 23

2.9.1 Função Judicial sem Poder Judiciário... 23

2.9.2 Poder Judiciário como poder “invisível e nulo”... 24

2.9.3 Judiciário com poder administrativo e apolítico... 24

2.9.4 Judiciário como um poder político-institucional... 25

2.10 A legitimidade do magistrado oriundo do modelo burocrático frente à ausência de voto popular para a investidura no cargo... 25

3 HISTÓRICO BRASILEIRO... 28

3.1 Breve análise histórica da seleção e recrutamento de magistrados no Brasil... 28

3.2 O sistema brasileiro atual... 30

3.3 O sistema do concurso público brasileiro... 31

4 DIREITO COMPARADO... 34

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4.2 Modelo francês... 35

4.3 Modelos italiano, alemão, holandês e suíço... 35

4.4 Modelo espanhol... 36

4.5 Modelo norte-americano... 37

4.6 As diferenças entre o modelo americano e o modelo suíço... 37

4.7 Considerações acerca do curso de formação no direito brasileiro e estrangeiro... 38

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 40

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1 INTRODUÇÃO

Pesquisar sobre o tema dos modelos de seleção de magistrados é um convite à reflexão sobre o processo de materialização da democracia. O que poderia ser tido como uma curiosidade acadêmica trivial se torna uma estimulante investigação histórica com reais impactos na realidade social. É exigido, entretanto, que seja adotado um olhar curioso sobre o direito estrangeiro e se esteja disposto a realizar uma análise crítica e não meramente factual da experiência jurídica pátria.

A importância da reflexão acerca dos modelos de seleção juízes é justificada pela constatação de que estes exercem uma influência direta na independência e imparcialidade do Judiciário. Essas são, inegavelmente, condições sine qua non para o desempenho de uma magistratura isenta. A relevância da isenção na magistratura se torna evidente em uma sociedade na qual a atividade judicial tem, dentre suas funções, o controle da atividade legislativa, da legalidade dos atos da administração pública e da constitucionalidade de atos e leis.

Feitas tais considerações, o presente estudo foi organizado na forma de capítulos, e a temática foi desenvolvida com base em pesquisa eminentemente bibliográfica e legislativa-documental.

No primeiro capítulo foi traçado um breve relato que pretendeu dispor sobre as similitudes e principais diferenças entre os sistemas common law e civil law, com especial atenção dispensada ao processo de formação de juízes, de forma a traçar os eixos dos quais derivam os modelos atuais de seleção de magistrados.

A experiência brasileira foi estudada em maiores detalhes no segundo capítulo. A escolha da ampliação do estudo do direito brasileiro é em razão deste constituir o parâmetro adotado no cotejo com o modelo comparado e por ter sofrido, ao longo de séculos, graduais transformações que tornaram as primeiras tentativas brasileiras de estruturação da magistratura praticamente irrastreáveis ao modelo atual.

No terceiro capítulo foram brevemente estudados outros ordenamentos estrangeiros no que tange à seleção de juízes, com o objetivo de compará-los à realidade brasileira e estabelecer as mutações sofridas no “modelo original” do common law e civil law

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As demandas contemporâneas exigem dos profissionais do Direito conhecimentos extrajurídicos que privilegiem a compreensão dos fenômenos culturais, econômicos e sociológicos que afetam diretamente os processos de elaboração, debate e aplicação das leis. É fundamental saber se os profissionais que são responsáveis pela preservação da paz no mundo moderno estão sendo selecionados e preparados para desenvolver as competências necessárias ao desempenho de tal ofício. Também é necessário que seja combinada à boa técnica jurídica a função social e humana do magistrado.

Portanto, uma das aspirações do presente trabalho monográfico foi tentar traçar, sob a ótica das formas de seleção da magistratura, o perfil de magistrado previsto na legislação brasileira, averiguar se tal delineamento é alcançado na realidade fática e se este é a representação necessária à sociedade atual.

São objetos do presente estudo as formas de ingresso à magistratura de uma forma ampla, com a área de concentração a seleção da primeira instância, por compor a maior parte do corpo judiciário e pela maior parte dos sistemas jurídicos contemporâneos não adotarem um modelo de ingresso nas instâncias recursais que reflitam necessariamente a escolha feita na seleção do magistrado da instância inicial. Entretanto, foi relevante para a pesquisa o estudo e a reflexão sobre a composição dos tribunais, em especial no que tange ao quinto constitucional brasileiro. Não é objeto do estudo as minúcias da chamada Justiça Especializada; a escolha explícita foi analisar a Justiça Comum.

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2 A INFLUÊNCIA DOS SISTEMAS COMMON LAW E CIVIL LAW NOS MODELOS PROFISSIONAIS

É pretendido, no presente trabalho acadêmico, investigar as relações entre a origem da tradição jurídica de cada país, advinda do civil law ou do common law, na influência da escolha dos modelos profissionais de magistrados.

As considerações iniciais do projeto visam estabelecer as diferenças e similaridades entre os dois sistemas legais, traçando um rápido panorama de suas evoluções históricas para, enfim, abordar a moderna doutrina que explica a relação atual das duas tradições jurídicas como de influência recíproca (REALE, 2009) e complementaridade

(SÉROUSSI, 2006).

2.1 O sistema common law

O sistema common law, como definido por Séroussi (2006), “é o produto natural de regras não escritas no decorrer dos séculos”. A essência dessa tradição é eminentemente Jurisprudencial apesar da existência de parlamento e da elaboração de leis. Deve ser observado que a presença de algum grau de atividade legislativa não desconfiguraria a essência do comumente denominado direito anglo-saxão, assim como a previsão dos usos e costumes no direito brasileiro não o descaracteriza como advindo do civil law.

Segundo Reale (2009, p. 42)

[...] a tradição dos povos anglo-saxões, nos quais o Direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pela jurisdição do que pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentares. Trata-se, mais propriamente, de um Direito misto, costumeiro e jurisprudencial. Se, na Inglaterra, há necessidade de saber-se o que é lícito em matéria civil ou comercial, não há um código de Comércio ou Civil que o diga, através de um ato de manifestação legislativa. O direito é, ao contrário, coordenado e consolidado em precedentes judiciais, isto é, segundo uma série de decisões baseadas em usos e costumes prévios.

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15

Em suma, apesar de existir produção legislativa no sistema common law, a lei não é uma fonte que goza de tanto prestígio como no civil law. Na família de origem anglo-saxã existem poucas noções de Direito abstratas e a formulação de regras jurídicas gerais também é escassa.

2.2 O sistema civil law

O sistema civil law é tido como a matriz do ordenamento jurídico brasileiro. A tradição romanística é típica das nações latinas e da Europa continental.

A tradição do civil law, em seu modelo ao qual podem ser traçadas a maior parte das referências genéricas atuais, experimentou um desenvolvimento significativo em decorrência da Revolução Francesa, com a desconfiança em relação às Instituições do Antigo Regime e a supervalorização da lei, fortalecendo a corrente do fetichismo legal.

Reale (2009, p. 152) afirma que foi na época da Revolução Francesa que se defendeu a necessidade de um direito único para a totalidade da Nação, pois “anteriormente havia um Direito que resolvia os problemas locais, assim como havia um Direito de classes, um para a plebe e outro para a nobreza e o clero, com revoltantes desigualdades”.

A valorização da lei neste contexto histórico teria sido derivada do anseio da racionalidade na busca pela sistematização das relações sociais por meio de regras abstratas. É compreensível, portanto, que esta corrente de pensamento tenha relegado aos usos e costumes jurídicos um papel de fonte meramente secundária, já que a lei seria a “expressão real da vontade coletiva” (REALE, 2009, p. 152).

No sistema civil law pode ser observado, portanto, uma ampla produção legislativa, dispondo-se de muitos conceitos abstratos, de forma que é frequente a formulação de regras jurídicas gerais.

2.3 A complementaridade dos sistemas common law e civil law

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contrário da doutrina clássica romano-germânica 1 . Outra distinção importante, e surpreendentemente pouco abordada na doutrina jurídica, é a inexistência de uma ordem administrativa autônoma da ordem judiciária no common law, dispondo esta tradição jurídica de um contencioso quase judiciário (SÉROUSSI, 2006, p. 14).Por fim, existe um esforço nos ordenamentos jurídicos da família de origem do civil law em separar as chamadas regras de fundamento (direito material) das regras de processo (direito processual), distinção, esta, pouco acentuada no sistema common law.

Portanto, como pôde ser observado nas versões clássicas dos sistemas que foram expostos, existem claras distinções entre as correntes jurídicas. Entretanto, a experiência atual indica que as definições puristas de cada sistema não mais se sustentam, já que a dualidade clássica foi superada por uma cultura jurídica atual que promove a influência recíproca dos sistemas.

Como exemplo da influência da tradição anglo-saxã no direito latino, em especial o brasileiro, pode ser destacado a importância marcante dos precedentes judiciais nas fundamentações decisórias de todas as instâncias, além da relevância das súmulas dos tribunais. Deve ser destacada, ainda, a importância dos costumes na tradição brasileira, tendo sido incluídos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)2 .

A experiência atual do common law também sofre influências do direito romano-germânico, vide a crescente importância da lei, e não somente dos precedentes judiciais, na aplicação do Direito. Tem-se como exemplo o direito norte-americano que, apesar de pertencer à tradição jurídica do direito anglo-saxão, possui uma ampla produção legislativa3

Não persiste, portanto, o debate sobre qual o mais adequado dos sistemas jurídicos4, uma vez que o consenso é que cada um reflete um processo de amadurecimento

1

Cuja inegável influência é de fácil observação na vertente tradicional do ensino jurídico brasileiro, no qual Universidades ainda agrupam disciplinas em ramos Público, Privado, Processual.

2

LEI DE INTRODUÇÃO às Normas do Direito Brasileiro: “Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o

caso de acordo com a analogia, os costumes [grifo nosso] e os princípios gerais de direito”.

3

“Semelhante ao que ocorre no Brasil, o parlamento americano apresenta um elevado volume de atividade, com

índices anuais de apresentação de projetos equivalentes aos índices produzidos pelo Bundestag alemão em mais

de quarenta anos. […] O resultado é uma verdadeira inflação de projetos de lei, muitos redundantes que são incorporados a outros ou nunca chegam a ser apreciados em comissão” (RODRIGUES, R., 2000, p. 6).

4

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histórico. A atual configuração do ordenamento de cada Estado é uma adaptação do modelo advindo de cada família jurídica às suas respectivas realidades sociais.

2.4 Classificação dos modelos contemporâneos

Uma vez feita a caracterização dos sistemas common law e civil law, pode ser estabelecida uma classificação dos modelos contemporâneos de seleção e recrutamento dos magistrados.

Na classificação de Guarnieri, compilada por Roesler(2006,p. 5.631) existem três tipos básicos: a) a designação por parte do Legislativo, do Executivo ou de ambos; b) a eleição direta pelos cidadãos; c) o concurso público, seguido ou não de um período de experiência prática inicial. Roesler (2006, p. 5.631), ao comentar a citada classificação, acrescenta que “a prevalência de um ou outro sistema depende em larga medida da tradição jurídica de cada país e de seu processo de formação dos órgãos estatais”.

A falha do sistema proposto por Guarnieri foi a ausência da previsão da

cooptação, quando o próprio Judiciário escolhe seus membros, possibilidade elencada por Zaffaroni (FREITAS, 2008, p. 98). O autor previu duas espécies de cooptação: quando os magistrados são escolhidos pelo órgão supremo do Poder Judiciário e quando os juízes das jurisdições inferiores são escolhidos pelos tribunais superiores

Ainda sobre o ingresso no Judiciário, uma classificação diferente dos modelos foi proposta pelo já citado jurista argentino Eugênio Zaffaroni, que sugeriu classificação das estruturas judiciárias em magistraturas empírico-primitiva, tecnoburocrática e democrática contemporânea. Nas palavras de Bandeira (2002, p. 3):

Aquelas nas quais o ingresso e demissão dos juízes ocorre por juízo político seguiriam o modelo empírico-primitivo. Nos casos em que há a exigência de seleção técnica, carreira estruturada e concentração do poder interno da cúpula, o modelo seguido é o tecnoburocrático. Já quando há um governo do Poder entregue a órgão pluralístico, separado das últimas instâncias e formado majoritariamente por juízes eleitos horizontalmente, por outros magistrados, a estrutura judiciária seria do tipo democrático contemporâneo. Segundo essa classificação, os países latino-americanos adotam o modelo empírico-primitivo, com exceção do Brasil, cuja Justiça segue o modelo tecnoburocrático.

As magistraturas empírico-primitivas promoveriam a arbitrariedade na escolha de seus membros e não haveria um controle do nível técnico dos que ingressam na carreira. Pode sua vez, os precedentesjudiciais desempenham papel sempre mais relevante no Direito de tradição romanística.”

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ser feito um paralelo com a primeira classificação de Guarnieri (designação por parte do Legislativo, do Executivo ou de ambos) já que a forma de seleção englobaria o juízo político, entretanto as magistraturas empírico-primitivas também alcançariam participação dos indicados pelo Judiciário5.

As críticas dirigidas a esse primeiro modelo de Zaffaroni se concentram no risco à imparcialidade e independência dos juízes, além de constituir uma referência pouco democrática à magistratura, por não garantir o controle público. Prejudicados estariam, ainda, a igualdade de oportunidades no ingresso à carreira e o nível mínimo de qualidade técnica dos selecionados. Zaffaroni, citado por Freitas (2008, p. 198), aponta como consequências desse modelo: insegurança jurídica, desestímulo ao progresso jurídico e empobrecimento da cultura jurídica geral, além da suscetibilidade da deterioração da imagem pública (do Judiciário) via partidarismo. É apontado também, como efeito do enfraquecimento da imparcialidade e independência, o maior grau de vulnerabilidade às pressões externas ao qual os magistrados estariam sujeitos.

Acerca das magistraturas tecnoburocráticas, modelo ao qual, para parte da doutrina, o Brasil estaria vinculado antes da EC 45/2004, disserta Freitas (2008, p. 198):

As magistraturas tecno-burocráticas seriam aquelas em que os processos seletivos possuem certos procedimentos que garantem um nível técnico mínimo dos selecionados. Tal garantia pode ser: forte, quando a lei impõe a seleção por meio de concurso público ou a nomeação de egressos de uma Escola Judicial; ou fraca, quando a lei ou a tradição impõem treinamentos predominantemente burocráticos.

Deve ser observado que Zaffaroni, citado por Freitas (2008, p. 199), aponta como inconvenientes desse modelo uma organização da magistratura de forma muito hierarquizada e burocrática, o que poderia comprometer a independência interna do país. Ainda é defendido que os critérios do concurso público devem ser estabelecidos pela via constitucional, sob o risco de ser comprometida a lisura do processo seletivo.

Uma crítica bem fundamentada a esse modelo (MARONA, 2013, p. 17) expõe que uma seleção baseada em provas que avaliam os conhecimentos técnicos dos candidatos pode levar à escolha dos que são tecnicamente mais aptos à função, entretanto, essa competência não deveria ser a única levada em consideração para a seleção de tais

5

“Tais formas de seleção seriam: nomeação política pura pelo executivo, legislativo ou ambos; cooptação ou

nomeação pelo órgão supremo do Poder Judiciário; e nomeação mista, em que há nomeação política do órgão

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19

profissionais já que a atividade judicial envolve alta responsabilidade política e social dos que a exercem.

O terceiro modelo proposto por Zaffaroni é o das magistraturas democráticas de direito (FREITAS, 2008, p. 199). Nesse arquétipo, além da garantia da seleção por critério técnico-jurídico mediante concurso público, haveria a transferência do governo do Judiciário a um órgão distinto do Executivo e do Supremo Tribunal, que seria integrado por uma maioria de juízes e uma minoria de juristas independentes, designados por representação popular. Alguns exemplos seriam os Conselhos da Magistratura da Espanha e Itália.

Segundo Marona (2013, p. 19), com a criação do CNJ, o Brasil teria avançado para a terceira classificação. Apesar de a previsão constitucional brasileira garantir o critério técnico-jurídico da seleção e a descrição do Conselho da Magistratura trazida por Zaffaroni ser muito próxima à definição do CNJ, os membros do Conselho brasileiro não são eleitos por representação popular. A presidência do CNJ é ocupada pelo ministro presidente do Supremo Tribunal Federal e os demais membros são nomeados pelo Presidente da República, depois da indicação ser aprovada no Senado Federal6. Por essa razão discordamos do enquadramento do modelo brasileiro como democrático de direito de Zaffaroni, apesar dos avanços conquistados pós-EC nº 45/2004.

2.5 Perfis de juiz: profissional e funcionário

O desdobramento das classificações propostas por Guarnieri e Zaffaroni é a delimitação, trazida por Marona (2013, p. 6), de dois perfis distintos de magistrados (ROESLER, 2006, p. 5.631): o juiz profissional e o juiz funcionário. Segundo tal classificação, o perfil do juiz profissional seria o indivíduo que goza de prestígio no âmbito jurídico, com uma “experiência profissional que abaliza sua nomeação ao cargo e legitima o exercício da função jurisdicional” (ROESLER, 2006, p. 5.632). Este é, em traços gerais, o perfil dos magistrados que é previsto na tradição da common law.

De acordo com Marona (2013, p. 6):

[Ao comentar sobre o modelo profissional] desemboca, desde logo, na criação de uma identidade alargada às várias profissões jurídicas, isto é, juízes e advogados partilham o mesmo processo de socialização profissional, os mesmos valores éticos e culturais. Em regra, neste modelo, os juízes são recrutados para o exercício de funções em determinado tribunal, dentre advogados com larga experiência

6

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profissional, de modo que não existe uma carreira própria da magistratura. A avaliação competitiva do desempenho funcional ou da antiguidade não tem relevância para fins de progressão, nesse modelo.

O juiz funcionário é o perfil daqueles que ingressam na primeira instância do Judiciário brasileiro. Seriam jovens bacharéis, com pouca ou nenhuma experiência profissional, que exercem o cargo em razão de aprovação em seleção de concurso público. O perfil do juiz funcionário é o característico em países vinculados à tradição romano-germânica.

A caracterização do modelo do juiz funcionário, ora, burocrático, é que os juízes possuem uma formação generalista, ingressam na carreira, via de regra, jovens, e exercem o ofício por muitos anos.

Como destaca Marona (2013, p. 3):

O modelo burocrático, por outro lado, é aquele em que os magistrados são selecionados através do concurso público, baseado em exames escritos e orais, para avaliação de suas competências técnico-jurídicas. Nesse modelo, a escolha com base no mérito é considerada como a melhor forma de assegurar uma seleção de qualidade e garantir independência do poder judiciário. Esse modelo, preponderante na Europa continental e também na América Latina, comporta múltiplas combinações, mas, de regra, assenta na concepção clássica do juiz enquanto técnico do direito, cuja legitimação advém de seu conhecimento técnico-dogmático [grifo nosso].

É dito que as vantagens do sistema estão em eliminar a influência política das nomeações que, não raro, desconsidera os critérios da capacidade técnica dos candidatos e em suprir possíveis déficits na formação dos juízes, pois o efetivo exercício da função jurisdicional é precedido por um período de formação em escolas judiciais.

Pela análise de Freitas (2008, p. 193), o modelo alemão não se enquadraria nos previamente mencionados. O magistrado alemão seria submetido a um período experimental

de três anos de exercício da função antes da confirmação no cargo. “Não há concurso para

ingresso na carreira, mas, sim, a realização de um período de formação e exames estatais que qualificam os aprovados a serem nomeados juízes” (FREITAS, 2008, p.195).

2.6 O perfil do juiz funcionário como consequência da reestruturação do Estado francês no período revolucionário e a incompatibilidade daquele com a teoria constitucional brasileira

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Francesa. No Antigo Regime, os magistrados eram vistos como aliados da nobreza e do clero7. Com o novo período histórico, a sociedade francesa demandava magistrados imparciais. Acerca de tal tópico, esclarecedores são os posicionamentos de Roesler (2006, p. 5.632):

O juiz era entendido (e recrutado) para ser um funcionário do Estado encarregado da aplicação da legislação posta pelo Poder Legislativo. O controle de seu recrutamento e a administração da sua carreira vinha atribuído ao Poder Executivo, mostrando assim que, apesar da teoria de separação de poderes ser utilizada como lugar comum a designar a natureza e os vínculos entre os poderes do Estado, de fato o Poder Judiciário tinha pouco mais que o nome como poder efetivamente independente. O quadro acima esboçado fica mais claro se observarmos que a experiência revolucionária francesa estava baseada em uma profunda desconfiança na atividade judicial, cuja arbitrariedade e venalidade procurará controlar de todos os modos, produzindo, quase paradoxalmente, uma dominação e um enfraquecimento do Poder Judicial em vão tentada pela monarquia absolutista.

Tal explanação justifica historicamente o surgimento do perfil do juiz funcionário, entretanto deve ser defendido que não há espaço na teoria constitucional brasileira contemporânea para este perfil em sua versão clássica: o magistrado boca-da-lei. Em um contexto em que a aplicação do Direito é alicerçada por um rico arcabouço principiológico e que a condição sine qua non para o exercício da magistratura é a disposição para bem realizar o sopesamento de normas, é inimaginável um Judiciário servo do Legislativo, como nos sugere a organização judiciária francesa no período pós-revolucionário.

2.7 Formas de recrutamento

Como já foi exposto, as formas de recrutamento conhecidas no cenário jurídico mundial, na classificação trazida por Guarnieri, são: a) designação por parte do Executivo, Legislativo ou ambos; b) eleição direta pelos cidadãos e c) Concurso Público. Roesler (2006, p. 5.631), ao comentar a classificação de Guarnieri, afirma:

É possível verificar que nos países da Europa continental a função judicial incorporou-se historicamente ao aparato estatal e acabou tornando-se parte da administração pública. Na Inglaterra e em alguns países da common law, herdeiros da experiência inglesa, ao contrário, os juízes nunca foram perfeitamente incorporados ao corpo administrativo do Estado. Nos Estados Unidos da América,

7

“Uma das atuais questões sobre o Judiciário é a de sua legitimidade democrática. Pode-se supor, a partir de Cappelletti, que este debate surge com o Estado de Direito, em que as revoluções liberais questionam o poder dos juízes de controlar os outros poderes estatais legitimados. É o caso da Revolução Francesa, em que os revolucionários burgueses viam com desconfiança os magistrados, tidos como remanescentes do Ancien

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por conta da precoce democratização do sistema político, produzida antes da profissionalização dos aparatos públicos, há uma maior difusão do sistema de eleição direta e um maior papel das instituições políticas na escolha dos membros do Poder Judicial.

Dentre as críticas já apresentadas à classificação trazida por Guarnieri, há a falha de não prever a participação do Judiciário na escolha de seus membros, como pode ser observado nos sistemas jurídicos nos quais é estabelecida a cooptação, ou sistema de nomeação interno, e por não prever de forma mais densa a participação do Judiciário nas designações políticas.

Uma classificação trazida por Bandeira (2002, p. 3) parece sistematizar de forma mais minuciosa esses modelos de ingresso à magistratura, prevendo a participação do Judiciário. Segundo a autora, os modelos seriam basicamente: a) a eleição Popular; b) a livre nomeação do executivo; c) a nomeação pelo Executivo condicionada à proposta dos tribunais; d) a nomeação pelo Executivo após a aprovação por corpos políticos e e) o concurso público. Entretanto, novamente está ausente a hipótese em que membros do Judiciário são

integralmente escolhidos por seus próprios membros.

2.8 Pontos positivos do sistema burocrático

Em contraponto à alegativa que o sistema brasileiro, do juiz do perfil burocrático, teria a desvantagem de trazer ao exercício da função judicante profissionais com pouca experiência, tendo em vista que os recém-ingressos na carreira seriam, em sua maioria, jovens bacharéis, deve ser observado que a escolha do sistema burocrático e sua forma de ingresso para a primeira instância, o concurso público, oferece a vantagem de afastar a influência política da nomeação, como já foi discorrido.

É bem verdade que o sistema brasileiro prevê o controle político na escolha dos membros dos tribunais, mas com exceção do STF, existem prévios mecanismos de consulta à comunidade jurídica8 que balizam essa decisão e historicamente, a escolha dos membros mais votados, embora não vincule o chefe do Executivo, é geralmente respeitada, como forma de preservação do equilíbrio entre os poderes e afirmação, pelo chefe do Executivo, de uma gestão de transparência.

8

(23)

23

Outra diferença é o processo inicial de formação, que é consequência do ingresso à carreira no sistema burocrático e tipicamente não é previsto no modelo profissional. Novamente, tal previsão seria justificada pela maior inexperiência dos magistrados do sistema

civil law, em início de carreira.

Acerca das diferenças dos modelos burocrático e profissional, ensina Freitas (2008, p.194):

Tal sistema tem a vantagem de eliminar a influência política das nomeações e criar mecanismos para suprir eventuais déficits na formação e experiência dos jovens bacharéis, sendo também vantajoso no que concerne ao oferecimento de formação específica para o desempenho da função jurisdicional.

Nas Magistraturas ditas “profissionais”, por sua vez, os Magistrados, em geral, são

indicados para assumir um posto específico da carreira, por eleição ou designação política do Poder Executivo, do Legislativo ou de ambos.

...

Nesse caso, por se tratar de pessoas supostamente já preparadas para o exercício do cargo, não se realiza a formação inicial em Escolas Judiciais, embora possa haver sistemas de formação permanente, como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.

Uma distinção relevante ressaltada pela autora é a previsão mais frequente das Escolas Judiciais nos modelos burocráticos em razão da menor experiência profissional dos novos magistrados.

2.9 Modelos de organização do Poder Judiciário

O jurista argentino Nestor Sagués, citado por Freitas (2008, p. 196), sistematizou quatro modelos de organização do Poder Judiciário tendo em vista suas raízes históricas e concepções políticas. Tais modelos seriam: a) Função Judicial sem Poder Judiciário; b) Poder

Judiciário com um poder “invisível e nulo”; c) Poder Judiciário como um poder

administrativo e apolítico; d) Poder Judiciário com um poder político-institucional.

Cada modelo merece uma breve explanação, ressaltando-se em cada um destes, a prevalência do sistema de seleção de seus magistrados.

2.9.1 Função Judicial sem Poder Judiciário

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autor, a função judicial deveria dispensar a Justiça e decidir sobre os direitos dos governados e ser exercida por juízes conhecidos e autorizados.

A previsão de Locke é que tal função judicial estaria vinculada ao poder detentor da soberania do Estado. Segundo Freitas (2008, p. 196), “nas organizações estatais fundadas em tal modelo, a nomeação dos juízes é feita pelo mais alto poder do Estado, seja o parlamento ou o Executivo, o que ocorre, por exemplo, na Inglaterra, ainda nos dias de hoje”.

2.9.2 Poder Judiciário como um poder “invisível e nulo”

O segundo modelo é, de acordo com Freitas (2008, p. 196), o traçado por Montesquieu, em sua obra Del espiritu de las leyes, que preconizava a necessidade de um Judiciário transitório, ínfimo e desempenhado por “quase leigos” em Direito, sendo exercido por populares designados periodicamente.

A crítica tecida a este modelo é que a eleição de magistrados com mandatos temporários vincularia de forma nociva a atividade jurisdicional à opinião pública. Um debate atual do modelo norte-americano, que adotou em alguns estados da Federação a eleição popular, é a problemática dos candidatos à magistratura declararem publicamente como votarão determinadas causas. Tal modelo, além de ter sido adotado em algumas unidades federativas dos Estados Unidos, também foi utilizado na China e União Soviética objetivando estabelecer controle social sobre a administração da Justiça.

2.9.3 Judiciário como poder administrativo e apolítico

Sagués ainda apresenta o modelo do Judiciário proposto como “Administração da Justiça”. Neste arquétipo, o Judiciário não seria um poder em si, mas um ramo da função executiva (os dois possuindo distinções meramente formais), e quando figurassem na lide entes públicos, o Judiciário teria poderes limitados.

Segundo Freitas, tal modelo teria exercido forte influência na organização dos Judiciários da Europa continental, em especial na França, onde ainda é aplicada, embora com modificações que visam promover a independência judicial. Comentários acerca de tal modelo (FREITAS, 2008) afirmam que este induziu a organização judiciária à forma hierarquizada e ao caráter burocrático.

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preparação para o desempenho da função dos magistrados. O valor de tais escolas está na introdução da meritocracia no acesso à carreira, consequentemente combatendo “as interferências políticas ou favoritismos pessoais na nomeação dos candidatos” (FREITAS, 2008, p.197).

2.9.4 Judiciário como um poder político-institucional

O último modelo apresentado por Freitas (2008, p.197), ao comentar a obra de Sagués, concebe o Judiciário como um poder político-institucional, prevendo a possibilidade de este declarar a inconstitucionalidade das leis e efetivar as garantias dos cidadãos em face dos abusos dos poderes do Estado, semelhante ao reconhecimento dos direitos fundamentais de primeira geração no constitucionalismo brasileiro.

Como comenta Bulos (2010, p.515):

A primeira geração, surgida no final do século XVII, inaugura-se com o florescimento dos direitos e garantias individuais clássicos, os quais encontravam na limitação do poder estatal seu embasamento.

Nessa fase, prestigiavam-se as cognominas prestações negativas, as quais geravam um dever de não fazer por parte do Estado, com vistas à preservação do direito à vida, à liberdade de locomoção, à expressão, à religião, à associação etc.

O modelo do Judiciário como poder político-institucional é derivado do constitucionalismo americano, em especial do precedente Marbury versus Madison, que iniciou o controle difuso de constitucionalidade.

2.10 A legitimidade do magistrado oriundo do modelo burocrático frente à ausência de voto popular para a investidura no cargo

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common law; entretanto, haveriam argumentos para afastar por completo a influência do balizamento da sociedade na escolha dos membros da magistratura?

Nas palavras de Marona (2013, p. 5):

[...] o constitucionalismo liberal oitocentista constitui-se e tornou-se hegemônico sob o argumento de que as eleições eram condição sine qua non da legiferação imparcial e competente, porque protegia o arranjo deliberativo tanto das paixões tirânicas quanto dos interesses particulares das facções. No entanto, uma vez que os líderes e as instituições são vulneráveis às influências sociais – do que nos dá testemunho a realidade – o espaço dual dos cidadãos e instituições representativas produzidas pelas eleições não funciona como pretendido.

E é nesse contexto que se inaugura uma nova era da legitimação democrática, uma mudança de foco da democracia, na atualidade, expressa pela emergência de diversas formas de encarar a realização da generalidade social, o que sugere que há várias maneiras de agir ou falar em nome da sociedade e de ser politicamente representativo. A atividade dos juízes e tribunais estaria associada, no âmbito desse quadro interpretativo, a uma legitimidade de reflexividade, cujo trabalho

consistiria em corrigir a incompletude democrática (eleitoral-parlamentar),

desenhando os contornos de uma generalidade de freio, que se realiza pelo viés

de um trabalho de pluralização das expressões da soberania social [grifo nosso].

Conforme a pesquisa de Freitas (2008, p. 198), o modelo eleitoral de seleção de juízes foi concebido na Constituição Americana de 1787, sofrendo ao longo dos séculos diversas transformações. No entanto, o modelo do sufrágio ainda persiste em países como Estados Unidos e Suíça. No Brasil colônia, houve a previsão da eleição dos chamados juízes ordinários e no Período Regencial os juízes de paz eram eleitos; entretanto, o voto popular para magistrados não encontra previsão em nosso ordenamento atual. Como comentou Martins Filho (1998, p. 19): “Estando o direito brasileiro ligado à tradição romano-germânica de direito codificado, fruto da elaboração parlamentar, não se justifica a busca da legitimação direta do magistrado pelo voto popular, própria da tradição anglo-americana de direito costumeiro, onde é o juiz que explica o ordenamento jurídico”.

Acerca da escolha estadunidense (em alguns estados da federação) pela eleição popular, declarou Guarnieri, citado por Roesler (2006, p. 5.631):

Nos Estados Unidos da América, por conta da precoce democratização do sistema político, produzida antes da profissionalização dos aparatos públicos, há uma maior difusão do sistema de eleição direta e um maior papel das instituições políticas na escolha dos membros do Poder Judicial.

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27

O Judiciário é o único ramo do poder estatal cujos membros não são eleitos pelo povo; essa opção institucional tem íntima relação com o nosso projeto de democracia. Democracia não se resume à obediência à vontade da maioria, é também o respeito à opinião das minorias, com a consequente consolidação de espaços comunicativos e deliberativos que permitam a todos os grupos terem vez e terem voz. Nesse sentido, em sua função contra-majoritária, em diversas ocasiões o juiz age regularmente contra a vontade da maioria e da opinião pública para não sufocar as vozes e os direitos fundamentais dos grupos minoritários; do contrário, não há processo inclusivo, mas processo totalitário, muito menos se construirá a democracia, mas sim a demagogia (SANTOS, 2012).

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3 HISTÓRICO BRASILEIRO

A presente seção aborda de forma mais profunda a evolução do modelo brasileiro de seleção de magistrados. Como será observado, este sofreu diversas mudanças ao longo dos séculos e é uma boa representação de um modelo derivado da tradição jurídica do civil law.

3.1 Breve análise histórica da seleção e recrutamento de magistrados no Brasil

Antes do estudo do modelo pátrio atual, é fundamental a análise histórica do processo de seleção e recrutamento de magistrados brasileiros. As transformações do Judiciário brasileiro foram estudadas por Martins Filho (1998), na obra Evolução histórica da estrutura judiciária brasileira.

A primeira expedição colonizadora ao Brasil é datada em 1530, liderada por Martim Afonso de Sousa, que veio com amplos poderes policiais e judiciais. Posteriormente, no regime das capitanias hereditárias, aos donatários também foram conferidos tais poderes, “o que logo demonstrou ser desaconselhável, em face do arbítrio com que a função judicial era exercida por alguns” (MARTINS FILHO, 1998, p. 21).

Ainda de acordo com a pesquisa de Martins Filho, em 1549 foi iniciada a fase do Governo-Geral no Brasil e é também deste período os primórdios da estruturação do Judiciário brasileiro com a criação da função de Ouvidor-Geral, que se encarregava da administração da Justiça. A ouvidoria geral desempenhava o papel de instância recursal às decisões proferidas nas ouvidorias das comarcas (presentes em cada capitania).

O citado doutrinador afirma que inicialmente, a função jurisdicional confundia-se com as funções administrativas e policiais, com algumas autoridades exercendo-as e sem uma estruturação efetiva da administração judicial. Aos poucos as estruturas advindas da Justiça portuguesa, que previa juízes, corregedores e provedores, foram implantadas na colônia. Na Bahia, nos séculos XVII e XVIII, existiu a figura dos juízes do povo, que eram eleitos pela população local.

Na primeira instância da Justiça brasileira no Período Colonial havia os juízes de vintena, que exerciam a função de juízes de paz, os juízes ordinários, que eram eleitos na localidade que desempenhavam suas funções julgando causas comuns e o juiz de fora, nomeado pelo rei, para garantir a aplicação das “leis gerais”.

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exercida por um brasileiro eleito pelos ingleses residentes no Brasil, consistindo em uma garantia de foro para os cidadãos britânicos.

Com a Constituição do Império de 1824, a Justiça brasileira passou a integrar o Poder Judiciário. Com inspiração na divisão de poderes de Montesquieu, a primeira instância passou a ser integrada por juízes de paz, eleitos em cada distrito, e os juízes de direito, nomeados pelo Imperador. Durante o Período Regencial, no Império surgiu a figura do juiz municipal, em substituição aos juízes ordinários, escolhido pelo Presidente da Província, dentro dos nomes de uma lista tríplice eleita pela câmara municipal.

Com o início da república, em 1889, e sua consequente Constituição de 1891, a Justiça comum foi divida em Estadual e Federal, que apreciava as causas em que a União fosse parte e realizava o controle difuso de constitucionalidade. Com a nova ordem constitucional, foram mantidos os juízes de direito, os juízes municipais, os juízes de paz e o Tribunal do Júri.

Como destaca Marona (2013, p.10):

Ao longo da Velha República consolidou-se, no Brasil, um modelo de selecção (sic) e formação que, embora tendesse muito lentamente para profissionalização da magistratura, tratou, antes, de acomodar as elites sócio-políticas do país. A carta de 1891 sinalizava a independência do judiciário, designadamente pela instituição de um conjunto de garantias aos magistrados (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos), as quais viriam a ser mantidas mesmo nos períodos não democráticos na nossa história política, e pela previsão de alguma autonomia administrativa aos Tribunais (nomeação e demissão de seus funcionários), que seria gradativamente ampliada.

Na década de 1940 foi criada a Justiça do Trabalho, porém as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos não foram estendidas aos seus membros, pois a justiça laboral, que ainda não integrava o Poder Judiciário, contava com a representação temporária classista.

A Constituição brasileira de 1934 foi a primeira a prever o concurso público como exigência para o ingresso na magistratura estadual, permanecendo o critério de indicação política para os juízes federais (FEITOSA; PASSOS, 2012) cujo modelo de concurso só foi instituído em 1966.

Como foi comentado por Feitosa e Passos (2012, p. 21):

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Dentre os méritos do nosso sistema de seleção atual podemos destacar o distanciamento do controle político sobre a atividade jurisdicional, apesar da saudável e democrática previsão dos checks and balances na divisão dos poderes.

3.2 O sistema brasileiro atual

Atualmente o ingresso na magistratura é constitucionalmente previsto, apesar de haver particularidades permitidas e adotadas por cada ramo da Justiça, seja comum, federal ou estadual, ou especializada. São previstas ainda as formas de ingresso nas instâncias superiores, que apesar de não constituírem o foco do presente estudo, serão brevemente abordadas.

Segundo a nossa Carta Política (art. 93, I), o atual ingresso no cargo inicial da magistratura (juiz substituto) será feito mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da OAB. O Conselho Nacional de Justiça também editou resolução9, visando à uniformização do processo seletivo, dispondo que o concurso contará com cinco etapas, das quais quatro terão caráter eliminatório. A primeira etapa consiste em uma prova objetiva, na qual serão exigidos conhecimentos de legislação e jurisprudência dos tribunais e, historicamente, esta é a fase em que o maior número de candidatos é eliminado.

A segunda fase do certame prevê a realização de duas provas dissertativas e a terceira se divide nas seguintes etapas: sindicância da vida pregressa e investigação social, exame de sanidade física e mental e exame psicotécnico. A quarta fase determina a realização de uma prova oral e a quinta fase, de caráter meramente classificatório, consiste na avaliação de títulos do candidato.

Uma modificação importante advinda da Emenda Constitucional n° 45/2004, tida como a EC da “Reforma do Judiciário”, foi a exigência, do candidato bacharel, de pelo menos três anos de comprovada atividade jurídica. Tal dispositivo demonstra a preocupação em estabelecer que o aspirante hábil ao ingresso na carreira não deve possuir exclusivamente o conhecimento teórico das questões jurídicas, mas também um arcabouço de vivência prática que o permita desempenhar de forma plena a prestação jurisdicional.

Os critérios de nomeação para a segunda instância e instâncias superiores não seguem o modelo do concurso público, inclusive para aqueles que não compunham o quadro da magistratura no 1º grau. Ainda no artigo 93 da CF, são previstos como critérios para o acesso aos tribunais a antiguidade e o merecimento, apurados na última ou única entrância.

9

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31

Nos Tribunais Regionais Federais, Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, ainda é prevista a regra do quinto constitucional10, estabelecendo que um quinto dos lugares deva ser preenchido por membros do Ministério Público e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, ambos com mais de dez anos de carreira, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos representativos de cada classe. A nomeação será feita pelo chefe do Poder Executivo.

O ingresso ao STJ é dado por indicação do plenário deste Tribunal, em lista tríplice, ao Presidente da República que deverá nomear o ministro após aprovação do Senado Federal. Segundo a previsão constitucional11, um terço dos ministros deve ser escolhido entre os juízes dos tribunais regionais federais, um terço entre os desembargadores dos tribunais de justiça dos estados e um terço entre advogados e representantes do ministério público. Em qualquer escolha, o representante deve ter mais de dez anos de atividade profissional.

O Supremo Tribunal Federal é composto por onze ministros, brasileiros natos, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada e nomeados pelo Presidente da República após aprovação por maioria absoluta do Senado federal.

Como pode ser observado, o modelo brasileiro de ingresso à magistratura não pode ser considerado como puramente burocrático, do juiz funcionário, pois embora esta represente a totalidade da primeira instância, este dogma, do juiz de carreira, aprovado em concurso público é diluído na segunda instância, mitigado no Superior Tribunal de Justiça e completamente ignorado na nomeação dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

3.3 O sistema do concurso público brasileiro

O modelo de concurso público é, incontestavelmente, uma das características do sistema brasileiro que mais fortemente indica suas raízes do sistema civil law. Como ensina Guarnieri, citado por Roesler (2006, p. 5.632):

[...] e o do juiz “funcionário” que, mais característico dos países vinculados à tradição romano-germânica, trabalha com sistemas de recrutamento baseados em concursos públicos e aposta em um aprendizado da função no próprio exercício desta, dentro da organização judicial, pois o perfil geral do juiz recrutado é o de um jovem bacharel em Direito, cuja experiência profissional é pequena ou inexistente.

10

Constituição Federal, art. 94. 11

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Muito já foi dito pelas vantagens e desvantagens do sistema de concurso público como forma de seleção de magistrados, e pode ser arguido que o debate acerca do “melhor sistema de recrutamento” está fadado à superação pela compreensão que cada sistema representa uma escolha política dos Estados influenciada pelo amadurecimento de suas experiências institucionais. Entretanto, existem algumas peculiaridades do sistema de concurso que merecem uma maior reflexão.

É de fácil reconhecimento que o sistema baseado no common law traz, via de regra, à função jurisdicional, profissionais mais experientes12, já que a própria premissa do modelo resta na escolha de profissionais de atuação reconhecida no meio jurídico para exercer tal função. Porém, dentre as vantagens do sistema do concurso público está o seu caráter não discriminatório, com a pretensão de oferecer igualdade de condições para o ingresso dos candidatos. Como afirma Roesler (2006, p. 5.634), a escolha de elite profissional de uma comunidade pode ser um freio à heterogeneidade da composição do Judiciário, já que “corre -se o risco, neste -sentido, de contar com um corpo judicial cujo perfil esteja bastante distante do perfil médio da população do país e que possui pouca permeabilidade às minorias étnicas ou a grupos sociais menos favorecidos historicamente.”

Por motivos diferentes, o sistema de concurso público também pode desestimular a heterogeneidade da composição do corpo judicial. Inicialmente pelo caráter legalista13 da seleção (que embora venha lentamente mudando com a inclusão de disciplinas propedêuticas de formação humanística) e ainda eminentemente pautado na jurisprudência dos Tribunais Superiores e do próprio Tribunal, o que desencoraja o raciocínio jurídico original. No momento do certame, os candidatos tendem a apresentar posicionamentos que se coadunam com os do Tribunal ao qual almejam pertencer, já que os integrantes da corte fazem parte do corpo avaliador do concurso. Em contraponto a isto, nos EUA, alguns candidatos expõem seus posicionamentos sob diversos tópicos aos eleitores, como forma de pedir voto, aceitando ainda vultosas contribuições de campanha (RODRIGUES, F., 2009). Tal procedimento é alvo de diversas críticas, pautadas primordialmente na eticidade das citadas condutas. Contudo, o

12

“Para auxiliar a visualizar melhor as implicações do modelo, pode-se utilizar a idade média dos ingressantes na magistratura, a qual se encontra na Inglaterra entre os 50 e 60 anos e nos Estados Unidos, ao menos para a magistratura federal, mais prestigiada e importante do ponto de vista do sistema judicial, é menos que na

Inglaterra, mas consideravelmente mais alta do que nos países da Europa continental.” (ROESLER, 2006, p. 5.632).

13

“[...] segundo porque realmente a magistratura precisa de juízes mais humanos, mais críticos, mais sensíveis à

realidade social, mas tenho muito receio de que pessoas assim não consigam a aprovação justamente por

adotarem um estilo de estudo que difere em muito do que as bancas, infelizmente, têm exigido.” (ALVES, 2013,

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33

caráter legalista da formação dos magistrados, a começar pelo concurso público, também tem sua cota de reprovação da doutrina. Segundo Marona (2013, p.17):

A seleção baseada em provas, escritas ou orais, que avaliam conhecimentos técnicos, pode levar à escolha dos mais capacitados tecnicamente para a função e até reduzir indesejadas ingerências externas de caráter político ou abertamente clientelistas, no entanto, esse modelo de recrutamento diz muito pouco acerca da real capacidade do selecionado para o exercício da atividade judicial – a qual envolve alta responsabilidade política e social – pois privilegia um conhecimento superficial e generalista, altamente conceitual, especializado, técnico, dogmático.

Uma das críticas que podem ser tecidas ao sistema common law e com alguma frequência também são comentários no estudo do quinto constitucional brasileiro é a possibilidade de prévia vinculação dos magistrados às bancas de advogados, procedimento por óbvio reprovável e, por razões da já citada menor militância profissional na advocacia dos que ingressam a magistratura pelo concurso público, tal vinculação é menos provável. Deve ser exposto, porém, que o ordenamento brasileiro possui mecanismos para coibir tais associações nocivas, como o impedimento e suspeição14.

Ainda acerca do perfil do juiz funcionário“burocrático” há a crítica, em razão dos recém-ingressos na carreira serem jovens bacharéis15 que não desenvolveram uma longa carreira em outro segmento jurídico, que existe uma tendência à homogeneidade de pensamento e corporativismo, em comparação aos juízesprofissionais,que possuem currículos mais distintos entre si.

Enfim, como vantagem do certame público, pode ser destacada a garantia do rigor técnico da seleção e, consequentemente, do candidato, pois não raro as vagas disponibilizadas no concurso não são preenchidas pela ausência de concorrentes com o nível mínimo exigido na prova. Em contraponto a isto, uma das críticas do modelo brasileiro é a carência de mecanismos compulsórios de aprimoramento dos magistrados já vitalícios, mesmo tendo em vista que a educação continuada é importante para a progressão na carreira dos juízes. É necessário afirmar que já houve progresso nesta seara com a criação do CNJ e de critérios efetivos de avaliação do Judiciário.

14

Código de Processo Civil, arts. 134-138. 15

“Inicialmente cabe destacar um dado interessante: a média de idade de quem é aprovado nos concursos para a magistratura federal. Na pesquisa sob análise, essa idade foi de 30,7 anos. Conforme se vê, especialmente diante do fato da maioria das pessoas terminar o curso de direito antes dos 25 anos de idade (no caso da pesquisa a idade média de término foi de 24,1 anos), o candidato costuma chegar ao cargo de juiz federal apenas após ter

(34)

4 DIREITO COMPARADO

Como já foi abordado no presente trabalho, podem ser traçadas diferenças relevantes no processo de seleção e recrutamento de magistrados pela análise das duas famílias de tradições jurídicas.

O perfil histórico do juiz da tradição civil law, modelo originalmente propagado na Europa continental, é o do juiz funcionário ou juiz burocrático ou funcionário, no qual a função judicial foi historicamente incorporada à estrutura estatal e tornou-se parte da administração pública.

A segunda tradição estudada foi a da família do common law, cujo maior expoente é a Inglaterra, também englobando os outros países que herdaram o legado do direito consuetudinário. Nestes casos os juízes não foram perfeitamente incorporados ao aparato estatal e o perfil delineado foi o do magistrado profissional, recrutado dentre os juristas de renome de cada sociedade.

O quadro acima representa um esboço do que foi adotado nos sistemas filiados às respectivas famílias. A presente seção do trabalho pretende analisar de forma pontual algumas peculiaridades de cada país almejando destacar diferenças mais sensíveis.

4.1 Modelo Português

Os magistrados portugueses são selecionados, por meio de concurso público, pelo Centro de Estudos Judiciários, vinculado ao Ministério da Justiça, que também é responsável pela seleção dos membros do Ministério Público. Após a aprovação, é exigida a participação dos juízes em curso de formação de vinte e três meses antes de assumir a função (BANDEIRA, 2010, p. 10). Com o ingresso no curso de formação inicial, os candidatos habilitados ainda não são considerados juízes, mas sim auditores da justiça.

Uma particularidade importante do modelo português que o aproxima do processo de seleção brasileiro, é o requisito da comprovação dos candidatos de experiência profissional forense ou em outras áreas conexas de duração não inferior a cinco anos. Tal comprovação pode ser substituída pela apresentação de título acadêmico de mestre ou doutor (FEITOSA; PASSOS, 2012, p. 9).

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35

O concurso público é realizado pelo Centro de Estudos Jurídicos (CEJ), sendo o recrutamento comum para os cargos de juiz e do Ministério Público. O concurso compõe-se de três fases: provas de conhecimento, subdivididas em fase escrita e oral, avaliação curricular e exame psicológico de seleção. No caso dos candidatos que comprovem a experiência profissional, a fase oral é substituída pela avaliação curricular.

Como pode ser observado, é possível traçar algumas similaridades entre o modelo português e o brasileiro. Dentre elas, a fase do exame psicológico português se aproxima da terceira fase dos concursos para a magistratura no Brasil, que dispõe de exames de sanidade física e mental e psicotécnico.

4.2 Modelo Francês

Como foi exposto, a história francesa é fortemente responsável pelo delineamento do perfil do juiz funcionário como hoje o compreendemos. Segundo Zaffaroni (1995, p. 148), no início do século XX, foi estabelecido o sistema de concursos públicos para a magistratura e, a partir desse momento, a estrutura judicial francesa adentra no modelo tecnoburocrático.

O atual modelo francês de seleção de magistrados prevê a participação dos candidatos em concurso público organizado pela École National de La Magistrature Française, vinculada ao Ministério da Justiça, sucedido de um curso de formação de dois anos e sete meses (BANDEIRA, 2002, p. 7).

Existem duas vias de acesso no modelo francês: o concurso geral e o acesso direto (FEITOSA; PASSOS, 2012, p. 13). O acesso direto à magistratura não exige a realização de provas, mas requer que os candidatos já tenham exercido uma atividade administrativa, jurídica ou universitária nos tribunais nos quais pretendem ser integrados. Em uma das formas do acesso direto, o recrutamento para auditor de justiça sur trites, os requisitos aferidos pela comissão são a titulação e a idade entre 31 e 40 anos.

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4.3 Modelos italiano, alemão, holandês e suíço

Os magistrados italianos também são selecionados pelo concurso público. A exemplo dos modelos português e francês, também é previsto um período de formação de, no mínimo, seis meses.

Na Alemanha o critério de seleção dos magistrados é o resultado dos candidatos nos exames finais da faculdade de Direito. Como expõe Zaffaroni (1995, p. 117):

Os cursos universitários de direito têm uma duração de aproximadamente três anos e meio, depois dos quais pode ser realizado o primeiro exame de estado, que habilita para um período de prática ou estágio que varia segundo o Land, mas que em geral se fixa em torno de dois anos. Após esse estágio, apresenta-se o segundo exame de estado, que habilita o candidato como ‘assessor’. Quem na posição de assessor

desejar seguir a carreira judiciária, deverá prestar um exame perante o Ministério da Justiça do respectivo Land, que lhe permite um novo estágio como ‘assessor judiciário’, em cujo término será nomeado juiz. Existem algumas vias de acesso lateral, como a dos professores universitários, funcionários administrativos e do

ministério público, que atenuam um pouco o sistema exclusivamente ‘carreirista’ do

recrutamento e da formação. A formação, em geral, é desenvolvida no interior do próprio judiciário, o que indica filiação ainda bonapartista do sistema.

Na Holanda, os candidatos participam de concurso público organizado por comissão extrajudicial. O período de formação básica é de seis anos, no qual os juízes são analisados pelo Instituto Nacional Holandês para o Ensino Jurídico. É cabível expulsão do programa na hipótese de reincidência de comportamento reprovável.

Segundo Bandeira (2002, p. 10), na Suíça, os juízes são eleitos para mandatos de quatro a seis anos. No nível federal e em vários Tribunais cantonais são eleitos pelo parlamento. Os órgãos de cúpula são o Tribunal Federal e os Tribunais cantonais.

4.4 Modelo espanhol

Os candidatos à magistratura na Espanha são submetidos a concurso público organizado pela Escuela Judicial, com posterior curso de formação de dois anos em Barcelona (BANDEIRA, 2002, p. 7). Ao contrário do que ocorre em Portugal e na França, não há participação do Ministério da Justiça na administração do Poder Judiciário (FEITOSA; PASSOS, 2012, p. 11).

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