• Nenhum resultado encontrado

O sistema do concurso público brasileiro

2 A INFLUÊNCIA DOS SISTEMAS COMMON LAW E CIVIL LAW NOS MODELOS

3.3 O sistema do concurso público brasileiro

O modelo de concurso público é, incontestavelmente, uma das características do sistema brasileiro que mais fortemente indica suas raízes do sistema civil law. Como ensina Guarnieri, citado por Roesler (2006, p. 5.632):

[...] e o do juiz “funcionário” que, mais característico dos países vinculados à tradição romano-germânica, trabalha com sistemas de recrutamento baseados em concursos públicos e aposta em um aprendizado da função no próprio exercício desta, dentro da organização judicial, pois o perfil geral do juiz recrutado é o de um jovem bacharel em Direito, cuja experiência profissional é pequena ou inexistente.

10

Constituição Federal, art. 94.

11

Muito já foi dito pelas vantagens e desvantagens do sistema de concurso público como forma de seleção de magistrados, e pode ser arguido que o debate acerca do “melhor sistema de recrutamento” está fadado à superação pela compreensão que cada sistema representa uma escolha política dos Estados influenciada pelo amadurecimento de suas experiências institucionais. Entretanto, existem algumas peculiaridades do sistema de concurso que merecem uma maior reflexão.

É de fácil reconhecimento que o sistema baseado no common law traz, via de regra, à função jurisdicional, profissionais mais experientes12, já que a própria premissa do modelo resta na escolha de profissionais de atuação reconhecida no meio jurídico para exercer tal função. Porém, dentre as vantagens do sistema do concurso público está o seu caráter não discriminatório, com a pretensão de oferecer igualdade de condições para o ingresso dos candidatos. Como afirma Roesler (2006, p. 5.634), a escolha de elite profissional de uma comunidade pode ser um freio à heterogeneidade da composição do Judiciário, já que “corre- se o risco, neste sentido, de contar com um corpo judicial cujo perfil esteja bastante distante do perfil médio da população do país e que possui pouca permeabilidade às minorias étnicas ou a grupos sociais menos favorecidos historicamente.”

Por motivos diferentes, o sistema de concurso público também pode desestimular a heterogeneidade da composição do corpo judicial. Inicialmente pelo caráter legalista13 da seleção (que embora venha lentamente mudando com a inclusão de disciplinas propedêuticas de formação humanística) e ainda eminentemente pautado na jurisprudência dos Tribunais Superiores e do próprio Tribunal, o que desencoraja o raciocínio jurídico original. No momento do certame, os candidatos tendem a apresentar posicionamentos que se coadunam com os do Tribunal ao qual almejam pertencer, já que os integrantes da corte fazem parte do corpo avaliador do concurso. Em contraponto a isto, nos EUA, alguns candidatos expõem seus posicionamentos sob diversos tópicos aos eleitores, como forma de pedir voto, aceitando ainda vultosas contribuições de campanha (RODRIGUES, F., 2009). Tal procedimento é alvo de diversas críticas, pautadas primordialmente na eticidade das citadas condutas. Contudo, o

12

“Para auxiliar a visualizar melhor as implicações do modelo, pode-se utilizar a idade média dos ingressantes na magistratura, a qual se encontra na Inglaterra entre os 50 e 60 anos e nos Estados Unidos, ao menos para a magistratura federal, mais prestigiada e importante do ponto de vista do sistema judicial, é menos que na Inglaterra, mas consideravelmente mais alta do que nos países da Europa continental.” (ROESLER, 2006, p. 5.632).

13

“[...] segundo porque realmente a magistratura precisa de juízes mais humanos, mais críticos, mais sensíveis à realidade social, mas tenho muito receio de que pessoas assim não consigam a aprovação justamente por

adotarem um estilo de estudo que difere em muito do que as bancas, infelizmente, têm exigido.” (ALVES, 2013, p. 22).

33

caráter legalista da formação dos magistrados, a começar pelo concurso público, também tem sua cota de reprovação da doutrina. Segundo Marona (2013, p.17):

A seleção baseada em provas, escritas ou orais, que avaliam conhecimentos técnicos, pode levar à escolha dos mais capacitados tecnicamente para a função e até reduzir indesejadas ingerências externas de caráter político ou abertamente clientelistas, no entanto, esse modelo de recrutamento diz muito pouco acerca da real capacidade do selecionado para o exercício da atividade judicial – a qual envolve alta responsabilidade política e social – pois privilegia um conhecimento superficial e generalista, altamente conceitual, especializado, técnico, dogmático.

Uma das críticas que podem ser tecidas ao sistema common law e com alguma frequência também são comentários no estudo do quinto constitucional brasileiro é a possibilidade de prévia vinculação dos magistrados às bancas de advogados, procedimento por óbvio reprovável e, por razões da já citada menor militância profissional na advocacia dos que ingressam a magistratura pelo concurso público, tal vinculação é menos provável. Deve ser exposto, porém, que o ordenamento brasileiro possui mecanismos para coibir tais associações nocivas, como o impedimento e suspeição14.

Ainda acerca do perfil do juiz funcionário “burocrático” há a crítica, em razão dos recém-ingressos na carreira serem jovens bacharéis15 que não desenvolveram uma longa carreira em outro segmento jurídico, que existe uma tendência à homogeneidade de pensamento e corporativismo, em comparação aos juízes profissionais,que possuem currículos mais distintos entre si.

Enfim, como vantagem do certame público, pode ser destacada a garantia do rigor técnico da seleção e, consequentemente, do candidato, pois não raro as vagas disponibilizadas no concurso não são preenchidas pela ausência de concorrentes com o nível mínimo exigido na prova. Em contraponto a isto, uma das críticas do modelo brasileiro é a carência de mecanismos compulsórios de aprimoramento dos magistrados já vitalícios, mesmo tendo em vista que a educação continuada é importante para a progressão na carreira dos juízes. É necessário afirmar que já houve progresso nesta seara com a criação do CNJ e de critérios efetivos de avaliação do Judiciário.

14

Código de Processo Civil, arts. 134-138.

15

“Inicialmente cabe destacar um dado interessante: a média de idade de quem é aprovado nos concursos para a magistratura federal. Na pesquisa sob análise, essa idade foi de 30,7 anos. Conforme se vê, especialmente diante do fato da maioria das pessoas terminar o curso de direito antes dos 25 anos de idade (no caso da pesquisa a idade média de término foi de 24,1 anos), o candidato costuma chegar ao cargo de juiz federal apenas após ter uma relativa experiência profissional.” (ALVES, 2013, p. 137)

4 DIREITO COMPARADO

Como já foi abordado no presente trabalho, podem ser traçadas diferenças relevantes no processo de seleção e recrutamento de magistrados pela análise das duas famílias de tradições jurídicas.

O perfil histórico do juiz da tradição civil law, modelo originalmente propagado na Europa continental, é o do juiz funcionário ou juiz burocrático ou funcionário, no qual a função judicial foi historicamente incorporada à estrutura estatal e tornou-se parte da administração pública.

A segunda tradição estudada foi a da família do common law, cujo maior expoente é a Inglaterra, também englobando os outros países que herdaram o legado do direito consuetudinário. Nestes casos os juízes não foram perfeitamente incorporados ao aparato estatal e o perfil delineado foi o do magistrado profissional, recrutado dentre os juristas de renome de cada sociedade.

O quadro acima representa um esboço do que foi adotado nos sistemas filiados às respectivas famílias. A presente seção do trabalho pretende analisar de forma pontual algumas peculiaridades de cada país almejando destacar diferenças mais sensíveis.

Documentos relacionados