O conjunto de pesquisas selecionadas neste levantamento revelam aspectos importantes sobre a investigação com crianças que envolva suas significações/sentidos/representações sobre família, a partir de diferentes procedimentos metodológicos. Ao analisá-las, destaca-se a atualidade dos estudos sobre o referido tema, ressaltando que, especialmente na última década, tem-se intensificado os estudos sobre tais
processos, do ponto de vista da própria criança, porém, ainda restrito à área da psicologia dentre outras, nas quais não aparece a educação.
Ao mesmo tempo em que tal levantamento aponta uma escassez de estudos que investiguem o objeto de interesse deste trabalho, especialmente no que diz respeito à área da educação, tornou público uma relação e continuidade entre os trabalhos discutidos, à medida que todos, com suas especificidades, foram desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Psicologia na UFPE, estando minimamente familiarizados uns com os outros, de modo que possibilitou reflexões acerca dos instrumentos metodológicos, seus limites e a necessidade de pensar novos caminhos que potencializem a investigação e que precisem cada vez mais aquilo que a criança pensa, reflete e constrói a partir do como ela pensa, reflete e constrói seus significados. Tal movimento é extremamente importante na pesquisa científica, pois permite o diálogo entre os estudos acerca de um mesmo tema ou de temas que estejam relacionados direta ou indiretamente.
Nesse sentido, o propósito de tal levantamento foi situar um campo em construção, efetivar sua importância, discutir procedimentos metodológicos a fim de refletir sobre o que de “novo”, em termos de procedimentos metodológicos e resultados, o estudo aqui empreendido pode apresentar e que colaboração traz às pesquisas já empreendidas.
No início do levantamento, realizado na base de dados da CAPES, percebeu-se que a grande maioria dos estudos era sobre crianças a partir da perspectiva dos adultos, especialmente os que estavam ligados à área jurídica ou à área da saúde, o que revela que foi reconhecida por determinados grupos de pesquisa a necessidade de investigar tais assuntos, as significações de família em crianças, na perspectiva de entender o processo de tais construções pelo que a própria criança, sujeito protagonista de seu desenvolvimento, traz, e reforça a importância de pesquisar sobre o referido tema em contexto de educação infantil, reconhecendo as contribuições que a pesquisa com crianças em seus contextos reais de convivência pode trazer a esta etapa da educação básica.
O levantamento situa o lugar que a temática que envolve os processos de significação de família em crianças e as culturas de pares que são criadas vem ocupando, enquanto um campo de pesquisa ainda tímido, porém emergente e, portanto, em expansão. Diante disso, algumas considerações podem ser tecidas acerca dos cinco estudos levantados. Primeiramente, ressalta-se que todos trouxeram a perspectiva da criança, respeitando sua
agência, bem como os aportes teóricos comungam com os que dão sustentação à presente pesquisa de doutorado. Embora a mesma não utilize da Teoria das Representações Sociais, reconhece-se a contribuição das duas pesquisas da área das Representações Sociais, especialmente no que se refere a estratégias metodológicas e resultados encontrados.
Ao analisar tais estudos foi possível verificar uma ampla variedade de instrumentos metodológicos, todos utilizados por pesquisadores que buscaram ouvir as crianças e investigar suas perspectivas. Destaca-se o fato de que todas elas utilizaram mais de um instrumento para geração de dados, a fim de chegar o mais próximo possível das crianças, quer tenha sido em momentos individuais ou em grupos, o que possibilitou um maior acesso às suas construções. Dentre estes instrumentos metodológicos, destacam-se: desenhos, entrevistas/conversas, produção de fotografia, oficinas de brincadeira de família, oficinas de teatro sobre família: planejamento e encenação, os quais estiveram relacionados à observação e ao olhar atento ao que as crianças fazem e como fazem quando estão juntas. Utilizou-se ainda a videogravação e o diálogo com as crianças de modo que se assegurasse um clima de confiança.
Nas pesquisas realizadas, constatou-se a influência social que a mídia, os desenhos animados, os filmes, e outros elementos culturais exercem sobre as crianças. Estes foram trazidos para as diferentes situações: brincadeiras, desenhos, conversas, planejamento e encenação de teatro de família, influenciando direta e indiretamente na construção de sentidos pelas crianças, especialmente os trabalhos de Lira (2012), Santos (2015) e Interaminense (2015), na criação de cultura de pares, embora não tenha sido foco dos trabalhos tal observação.
Assume-se aqui uma maior orientação aos trabalhos de Lira (2012) e Santos (2015). O trabalho do referido autor, inicialmente, foi a principal fonte de inspiração da pesquisa em andamento, especialmente por ter sido a única encontrada sobre processos de significação de família em crianças a partir da observação de situações de brincadeira, assim como por ter sido a primeira que a pesquisadora teve conhecimento. Já o trabalho de Santos (2015) inspira pela metodologia das oficinas de teatro, que traz em sua proposta a oportunidade de planejamento antecedendo a encenação do teatro de família
O olhar para os trabalhos esclareceu como e quais instrumentos poderiam ser utilizados na referida pesquisa de doutorado a fim de atingir os objetivos propostos, por exemplo, o questionário utilizado por Ribeiro (2011). Nesta pesquisa, foi aplicado questionário com os responsáveis pelas crianças sujeitos do estudo, com o intuito de conhecer
obter informações do contexto familiar da criança, e, quando necessário, auxiliar na interpretação de elementos culturais que as crianças possam trazer.
A respeito dos desenhos de família e da sua família empreendidos nos estudos de Ribeiro (2011) e Interaminense (2015) foi possível acessar informações que nas situações de faz-de- conta não foram reveladas, o que desponta a importância de recorrer a mais de um instrumento metodológico e que estes possibilitem momentos individuais e em grupos. Nesse sentido, o papel do desenho enquanto recurso/instrumento metodológico para capturar as significações infantis.
Nas pesquisas apresentadas, algumas semelhanças e congruências merecem ser ressaltadas a fim de refletir sobre o que já existe de resultados na pesquisa com criança com sobre temática que se afina à presente pesquisa e que caminhos é possível trilhar para chegar a outras evidências. Ao concluírem seus estudos, os autores trazem as concepções/representações/significações de família apresentadas pelos sujeitos de suas pesquisas, e, nestas considerações, nota-se semelhanças, independente do contexto em que foi realizada e da situação de vida em que cada criança se encontrava. Por exemplo, na pesquisa de Ribeiro (2011), a palavra família foi representada por palavras positivadas e idealizadas, ancoradas em um modelo nuclear tradicional, compartilhado pela memória coletiva, em que significou ter pai, mãe e filhos, afetivamente envoltos por amor, carinho e união. No trabalho de Santos (2015), família também foi representada por palavras que trazem perspectivas positivas, relacionadas à afetividade; ou ainda da família como responsável pela educação dos filhos e pela subsistência de seus membros.
Como exemplo, também o trabalho de Lira (2012) trouxe o modelo de família nuclear na composição, mas não necessariamente as famílias brincadas se prenderam a este modelo, surgindo famílias compostas por mãe e filho; pai e dois filhos. Outro dado importante é que os „personagens‟ terem sido mencionados nas oficinas não significou que estes foram vivenciados nas brincadeiras. Independente do fato de as crianças estarem em situação de acolhimento, as brincadeiras de família tiveram como componentes personagens como pai, mãe, filhos, etc., dado semelhante em brincadeiras de família de crianças que vivem fora de instituições de acolhimento.
Interaminense (2015) cita os ganhos significativos que a pesquisa de Ribeiro (2011) obteve ao solicitar um desenho de “família” e de “sua família”. Por esta razão, a pesquisadora
incluiu o desenho em sua pesquisa com a suposição de que com este procedimento haveria mais chance de acesso aos conflitos familiares. Assim como Lira (2012), Interaminense (2015) cria um setting lúdico para o desenvolvimento das oficinas de teatro. Tratando-se das pesquisas de Santos (2015) e Interaminense (2015) destaca-se que ambas realizaram suas coletas de dados com mais de um grupo de crianças, totalizando um número considerado pequeno de sessão com cada grupo, o que possibilitou a reflexão enquanto pesquisadora, e definiu para o estudo aqui apresentado a opção por selecionar um único grupo, com o objetivo de acompanhar o processo de desenvolvimento das oficinas de teatro sobre família em um maior número de sessões, de modo que possam ser percebidas rotinas instauradas e seus componentes, as significações e as culturas infantis.
Embora Santos (2015) e Interaminense (2015) utilizem oficinas de teatro, vale ressaltar algumas diferenças em suas opções e definições metodológicas. Interaminense (2015) propõe uma oficina de brincadeira de encenação de teatro de família, já Santos (2015) propõe oficina de teatro de família, que compõe momento de planejamento e encenação do teatro de família. Nesse sentido, considera-se que o momento de planejamento proposto por Santos (2015) dá maior possibilidade de investigar as significações de família das crianças e perceber se as famílias significadas no momento do planejamento foram as mesmas brincadas na encenação. Faz-se relevante ressaltar que em ambas as pesquisas citadas os arranjos familiares, por vezes, estiveram limitados à quantidade de crianças na oficina, o que é reforçado pelo fato de estarem criando uma apresentação de teatro que, possivelmente, poderia ter encenação (no caso de Santos), e os “personagens” precisariam ser vividos pelas crianças presentes.
Em presença desse conjunto de reflexões e contribuições de ordem teórico- metodológica, de conhecimento de um campo de pesquisa em construção, espera-se que a presente pesquisa venha a integrar esse bloco de estudos com dados inéditos e que dialoguem com os estudos já existentes, ampliando as considerações a que já se chegou com os mesmos.