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Neste tópico, serão discutidas as pesquisas de Ribeiro (2011) e Santos (2015). Ambos os estudos se caracterizam por serem pesquisas com crianças, ainda que não privilegie apenas crianças em idade de educação infantil. Os mesmos têm em comum se guiarem pelos pressupostos da Teoria das Representações Sociais, e apresentarem contribuições valiosas para discutir questões teórico-metodológicas de pesquisa acerca da temática em questão.

A pesquisa de Ribeiro (2011), Família “tem que ter pai e mãe”: representações sociais de família por crianças na cidade de Recife, investigou as representações sociais de família em crianças de 9 e 10 anos, em duas instituições escolares na cidade do Recife, sendo 39 da escola particular e 30 da escola pública, totalizando 69 participantes.

A autora pesquisou a temática a partir do panorama atual de mudanças nas configurações e dinâmicas familiares, contextualizadas sociohistoricamente, e na influência que a família exerce na formação do sujeito e nos valores sociais. Articulou o tema família à memória coletiva e à Teoria das Representações Sociais, e buscou responder a alguns questionamentos, dentre os quais: quais as representações sociais de família construídas por crianças? Existem diferentes representações sociais de famílias pelas crianças a partir de diferentes contextos sociais? Quais os sentidos de família apresentadas por elas? Na transmissão geracional do modelo de família nessa nova geração, há caracteres de tradição ou idealização familiar, marcadas pela memória coletiva?

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com uma proposta plurimetodológica (CRUZ, 2008, apud RIBEIRO, 2011), em que diferentes instrumentos de coleta de dados foram utilizados. A mesma encontra-se organizada em três fases: aplicação de questionário socioeconômico e cultural com as 69 crianças e questionário de associação livre e hierarquização de palavras; na segunda fase, doze crianças, seis de cada instituição, foram convidadas, individualmente, a fazer dois desenhos: o primeiro sobre “família” e o segundo, realizado ou não a critério da escolha da criança, sobre a “sua família”; a terceira fase foi a realização de grupos focais, com as mesmas crianças que participaram dos desenhos. Para tais procedimentos, foram utilizados registros escritos, gravação de áudio e filmagem.

Conforme a pesquisadora, a investigação desvendou o quanto os temas da “família” e da “memória” socialmente compartilhados estão relacionados e envolvem aspectos cognitivos, afetivos e sociais, a fim de tornar familiar o que parecia ser estranho, através da ancoragem e da objetivação.

Conclui afirmando que, diante do que fora analisado, as crianças desse estudo construíram uma teoria do senso comum para dar sentido ao objeto social “família” que foi representada por palavras positivadas e idealizadas, ancoradas em um modelo nuclear tradicional, compartilhado pela memória coletiva, concebida em sentido mundial e natural. Para estas crianças, a RS de família significa ter pai, mãe e filhos, afetivamente envoltas por amor, carinho e união. Mesmo quando identificaram novos elementos que indicam as mudanças em sua configuração, ela (a família) foi considerada por todos como muito importante. Por fim, afirma que os dois grupos de crianças significaram a família de forma positiva, idealizada e afetiva: as crianças da escola privada referiram-se mais às palavras de sentidos afetivos genéricos para designar família, enquanto as crianças da escola pública evocaram as palavras que indicam afetividade concreta, expressa na relação de parentesco.

O segundo estudo dentro do tópico das Representações Sociais de Família por crianças é o de Santos (2015). O referido trabalho, também desenvolvido no Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco, intitulado Ontogênese das representações sociais de família em crianças de quatro a seis anos, teve como objetivo perscrutar a ontogênese das representações sociais de família em crianças de 4 a 6 anos. Fundamenta-se na Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 1976, 1990, 2007; JODELET, 2001; 2005; ABRIC, 1993; 1996; 1998; GARNIER, 1999, apud SANTOS, 2015) e recorre à psicologia sociointeracionista.

O estudo foi realizado em dois Centros Municipais de Educação Infantil de Recife. Participaram do mesmo 28 crianças, sendo 12 meninos e 16 meninas. As crianças foram

organizadas em sete grupos a partir da qualidade dos seus relacionamentos em suas brincadeiras, formando-se 3 grupos no CMEI 1 e 4 grupos no CEMEI 2, todos eles compostos por meninas e meninos.

A pesquisadora utilizou como procedimento metodológico as oficinas de teatro sobre família. Ao relatar seu percurso metodológico, a autora revela que seu estudo consiste em uma versão aprimorada do procedimento de investigação das oficinas de família, constituídas na brincadeira e conversa com crianças em pesquisas, que vêm sendo realizadas no Laboratório de Interação Social Humana – LabInt, da UFPE (cf. por exemplo, PEREIRA; LIRA; PEDROSA, et. al. 2011; LIRA, 2012; PEDROSA, 2012), especialmente no trabalho de Lira (2012), também discutido neste levantamento.

Nesse sentido, conjecturando maximizar maneiras de conhecer as concepções das crianças sobre família, reconheceu a necessidade de que elas, além de brincar de família, pudessem se enredar numa história em que planejassem assumir papéis sociais idealizados, sem necessariamente ter uma performance correspondente, o que configurou nas oficinas de teatro, em que foi pedido às crianças para planejarem um “teatro sobre família” e, em seguida, encená-lo.

As crianças foram orientadas, por grupos, a planejar e encenar um teatro sobre família. De início, grupos de crianças tiveram dificuldade de entender a proposta das oficinas de teatro de família, e a autora ressalta que foi necessário associar as oficinas de teatro a atividades que fossem do cotidiano destas. Desse modo, as crianças foram convidadas, por exemplo, a fazer uma apresentação/história sobre família. Tomando como base um projeto piloto, foram idealizados dois encontros com cada grupo, sendo um para planejar e selecionar o material necessário para fazer o teatro e o segundo momento para a encenação, no entanto, a proposta da autora foi flexível ao ritmo das crianças.

As oficinas totalizaram 4h56min28seg de videogravação, tendo sido recortados 42 episódios relacionados aos objetivos da pesquisa de sete oficinas realizadas. A autora observou que os conteúdos trazidos pelos participantes dentro da temática família foram diversos e marcados por tensões e estratégias para defender posicionamentos. Destaca os diferentes personagens de família que apareceram tanto no momento do planejamento quanto na encenação, a exemplo de família de amigos, transformers, bombeiros, dragão, pato, lagartixa, beija-flor, entretanto, os papéis e ações destes personagens estiveram relacionados a modelos de família que conhecemos: pai, mãe, filhos, irmãos, bebês, e também papéis como tios, avós e bisavós. Em relação aos temas representados, tanto os que foram planejados quanto os que foram encenados, família esteve associada a cuidar, dar comida, ir à escola,

levar ao médico, ou a temas como separação/divórcio, Natal, filhos de castigo, realização de afazeres domésticos, dentre outros.

Santos (2015) reflete sobre o método das oficinas de teatro sobre família, afirmando que o mesmo trouxe contribuições à pesquisa, possibilitando às crianças planejar, encenar o teatro, e realçou aspectos e características da imaginação infantil, permitindo à criança uma discussão acerca do que é família, quem faz parte dela e o que ela faz. Logo, afirma que as oficinas de teatro sobre família revelaram a imensa habilidade social das crianças participantes.