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Considerações e conclusões acerca das depressões pós-parto

No documento Feminilidade e depressão pós-parto (páginas 61-65)

CAPÍTULO 1 AS DEPRESSÕES PÓS-PARTO

1.6 Considerações e conclusões acerca das depressões pós-parto

Podemos destacar e afirmar alguns aspectos das depressões pós-parto na perspectiva da feminilidade e do narcisismo. As depressões estão diretamente relacionadas à história pré-edipiana, de vida e de construção de identidades, e falha na transmissão da maternidade. Embora as identidades sejam distintas, de mãe e de mulher, deveriam proporcionar um equilíbrio narcísico da mulher-mãe. Na depressão, a subjetividade do sujeito está em jogo. O sintoma tem sua implicação intersubjetiva: a dialética do sujeito em relação ao Outro, da puérpera em relação a sua mãe e em relação ao seu bebê.

As dificuldades da puérpera deprimida são em decorrência de uma identificação precária ou inexistente, ou, ainda, recusada, em relação à mãe. Por conta disso, a puérpera não consegue fazer uma identificação inconsciente com o seu bebê em gestação. Não consegue investir no bebê imaginário e quando o bebê real nasce ela não consegue ser libidinalmente fálica com ele. Ela não o coloca numa posição de ideal. O desamparo no momento do parto se exacerba agravando o seu estado. A mãe não consegue se identificar com o bebê e seu desamparo inicial.

Não há narcisismo que sustente a mãe nesse momento. Ao contrário, suas limitações a levam à depressão e a sentimentos hostis. Contrariamente a uma mãe que acolheria o seu bebê disposta a fazer tudo por ele, uma mãe deprimida se vê mais que limitada, mas tomada de impotência e inércia, além dos sentimentos de ódio, destruição e morte. Numa maternidade normal, a ambivalência e esses conflitos são sublimados. Para uma puérpera com um narcisismo frágil, os conflitos do passado com a mãe vêm à tona, seu Édipo é revivido diante dessa nova condição, que lhe impõe e exige os resultados da castração e do gozo fálico, bem como das renúncias narcísicas para acolhimento do bebê e do exercício dos cuidados maternos.

O desejo de ter um filho deve estar alinhado a sua existência e não ofertado a outros objetivos, pois isso pode ser extremamente frustrante e angustiante, além de provocar depressão, pois não tem sustentação narcísica, desejo e gozo próprios. A puérpera acaba sendo reenviada a um vazio e, sem sustentação, ela cai em depressão. A história do nascimento da própria puérpera e de seu lugar na fantasia de sua mãe, se ela foi acolhida verdadeiramente, nos diz o que se repete também com ela no nascimento de seu filho. Ela foi desejada? Como sustentar o desejo de ter filho e as necessidades do bebê real que acaba de nascer? Ela se encontra ainda presa à relação de ligação mãe-filha com o seu desejo suspenso?

A falha na transmissão da identidade materna resulta da dificuldade na relação mãe-filha proporcionar essas identificações. Se a mãe lhe dá somente o lugar de filha, não abre espaço para a identificação da filha com a mãe propriamente dita, mesmo copiando a mãe em suas brincadeiras infantis com bonecas. Para isso, são necessárias a presença e a marca do terceiro. Se não foi proporcionado o espaço para entrada do pai, não haverá espaço para ancoragem fálica e espaço no desejo do Outro materno para esse recém-nascido.

A considerar a relação mãe-filha, um bebê, ao nascer, torna-se um terceiro entre elas. A mãe deprimida se demite do efeito que a função paterna impõe. O sujeito não se responsabiliza pelo seu desejo. O bebê não encontra acolhimento enquanto objeto do e no desejo da mãe, mas torna-se um terceiro que lhe impõe um corte e exigiria renúncias intrínsecas à dedicação materna. Ademais, quebra a montagem fantasmática da relação de ligação mãe-filha. A puérpera cai desse lugar. A depressão materna é o não ao “ser mãe”.

Para a mãe deprimida, a criança enquanto objeto de gozo não se sustenta na fantasia materna, ao parir e se sentir esvaziada de sua plenitude, perde o gozo. A sensação é de perda. Ao parir, não é somente o bebê que cai de seu corpo, mas a puérpera que cai de sua posição desse lugar de gozo, de sua fantasia de se fazer objeto de gozo do Outro. Ao nascer o bebê, a mulher não é mais uma filha, mas torna-se mãe como a própria mãe, que por sua vez tornou-se avó. Entretanto, não sustenta essa nova posição. Nesse deslocamento, ela cai da sua posição que se imaginava objeto amado e se deprime.

A depressão pós-parto tem sua perspectiva transgeracional justamente pela falha na transmissão da maternidade. Se a puérpera conseguir se referenciar na própria mãe conseguirá cuidar de seu filho. Caso contrário, se ela se encontra entravada na relação

mãe-filha, a depressão vai denunciar por um lado a dominação e onipotência maternas, ou, por outro, a carência da presença da mãe. Mas tanto uma como outra condição manifestam seus estragos: a falha na transmissão da maternidade e da abertura para entrada do pai, proporcionados por uma mulher, que por sua vez é mãe, facilitando o processo de feminilidade para a filha.

Quanto à renúncia exigida a uma mulher com um narcisismo frágil, isso nos remete também à castração – a de deixar de ser o objeto da mãe, à sua imagem narcísica –, e as exigências reais impostas com o nascimento do bebê. As castrações que lhe são impostas geram quebras narcísicas, necessárias que a limitam na dedicação e realização dos cuidados maternos com o bebê.

Com o narcisismo abalado por algum sofrimento físico durante e por conta da gravidez, ou ainda, por abandono pelo parceiro, que seria o não de amor, a mãe deprime, ou, ainda, rejeita o bebê. O parto enquanto separação mãe-bebê é vivenciado por algumas como uma perda. Uma parte de si é perdida naquele momento. Esse objeto que lhe dava a sensação de plenitude a esvazia e torna-se outro.

A castração e a dificuldade com a falta e o desejo são fundamentais para percebermos a dificuldade de uma puérpera, que ao dar a luz a um bebê cai em depressão.

No documento Feminilidade e depressão pós-parto (páginas 61-65)