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Considerações sobre o Estado, sua relação com o caráter político e técnico do planejamento urbano

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.3. Considerações sobre o Estado, sua relação com o caráter político e técnico do planejamento urbano

Para iniciar as temáticas política e técnica do planejamento urbano, são necessárias algumas considerações, sendo, primeiramente, a de que o Estado difere do Governo por não ser visto descolado da sociedade civil, sendo histórico e social.

Um segundo ponto importante para a discussão e para melhor entender o Estado é a compreensão de que a sociedade civil contemporânea é complexa. E, como tal, exige grandes argumentos e pactos sociais para seu desenvolvimento.

A relação entre o Estado e o ambiente urbano é verificada a partir da divisão do trabalho; as cidades são vistas como sedes do capital e sua relação do Estado dá-se, em muitos casos, a partir do direcionamento de seus gastos com a urbanização a apenas uma parte da sociedade, geralmente beneficiando a classe média e alta.

Sendo o Estado uma instituição politicamente organizada, liderada pelo

Governo que programa políticas de Estado – como, por exemplo, o SUS – Sistema

Único de Saúde ou de Governo, ou, ainda, políticas econômicas, sociais ou setoriais – como as de infraestrutura, cujo papel principal é o de velar pelos direitos individuais e coletivos.

O conceito clássico é de que o Estado é a organização política que controla um território e uma população, um povo sobre o qual exerce o poder político; pressupõe três elementos: o poder político, o povo e o território, formando uma nação.

Visões críticas mais recentes como a de Gramsci, Poulantzas, Althusser ou O’Connor em que o Estado é visto como uma arena cheia de fissuras que vivem em

transformação conforme se alterem as relações de forças em disputa – o que se

refere à lógica dos conflitos das classes, grupos e interesses de várias esferas públicas.

Nos anos 1990, ocorreram mudanças no papel do Estado por meio da descentralização e da participação da sociedade civil com princípios de competividade: com a abertura comercial do mercado interno; a privatização de vários órgãos federais para garantir cortes nos gastos públicos e investimento privado e a política de desburocratização cuja abertura da máquina do Estado, sobretudo ao

Mercado, foi realidade. Surgem as seguintes convenções: primeiramente, a de que o Estado, que era o provedor e prestador, se torna enfim um Estado regulador e o cidadão, cliente; os direitos são mercadorias e o direito público torna-se interesse privado, tornando, assim, tudo terceirizado.

Com a Constituição de 1988, surge o reforço a um municipalismo, com a autonomia do poder local construída pelo discurso constitucional, transferindo atribuições que, não necessariamente, significam avanços no processo de democratização e gestão, uma vez que se descentralizaram encargos, ônus e responsabilidades, e não recursos, inclusive humanos.

Já nos anos 2000, reaparecem os princípios do Estado desenvolvimentista como novos moldes de um Estado mais republicano e uma sociedade menos excludente. Existem dois recortes: um horizontal, com políticas públicas setoriais, e outro vertical territorial, com a tríade União, estados e municípios. A questão primordial é a reconstrução da noção de cidadania e capacidade de intervenção e participação qualificada na construção de direitos coletivos e difusos.

Atualmente, os modelos apresentados pelo Estado de políticas públicas estão presentes na inexistência da política urbana, apesar da existência de políticas setoriais, como a política habitacional com o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), que vêm transformando o urbano de todo o país, expandindo cidades e “não cidades”, núcleos urbanos afastados do centro da cidade, criando muitas vezes novos núcleos urbanos sem uma urbanidade necessária. O país vive um boom imobiliário. Porém, que urbano estamos gerando? Como o tecido urbano está se desenvolvendo?

Segundo Wilheim (2002, p. 474),

o governo federal pensa que possui uma política urbana; no entanto, não se pode pensar cidade apenas em termos de seus setores e infraestruturas; a cidade é palco atual em que se elaboram e representa a cultura, as decisões fundamentais para o desenvolvimento, a vida societária moderna, a formação da cidadania e a crucial conexão global.

Define que o “planejar implica, em primeiro lugar, lidar com o futuro” (WILHEIM, 2002, p. 477).

Hoje a rede urbana brasileira tem seu crescimento decorrente do aumento da população brasileira, mas, em especial, pela sua mobilidade; já as metrópoles diversificam suas atividades em novos campos industriais e de serviços; trata-se de

novos tempos em que a reindustrialização está presente, competitiva e limitada: característica de uma empregabilidade de elevado valor agregado e de forte vínculo com a pesquisa tecnológica, aumentando novamente a conectividade global e fornecendo novas oportunidades ao mercado nacional (WILHEIM, 2002, p. 483).

Grandes investimentos na área de transporte público de massa e saneamento das grandes cidades poderão trazer um cenário desenvolvimentista para o Estado.

Um cenário otimista será definido não apenas pela competividade entre as cidades, mas também pela reconquista da solidariedade, decorrente de maior grau de consciência e civilidade, menor tensão, maior segurança e esperança no futuro, melhores condições de trabalho e de lazer, maior justiça social, maior equidade e pela organização da sociedade. (WILHEIM, 2002, p. 486).

O estudo da cidade com a urbanização acelerada, relacionando os problemas inseridos ao urbano, fez com que estudiosos apresentassem soluções e propostas em última análise de elaboração de planos.

O planejamento urbano compreendido como uma herança do pensamento moderno apresenta no Brasil, primeiramente associado às questões de ordem,

racionalidade e eficiência – nesta época, entre as décadas de 1920 e 1940, têm-se

dois exemplos de planos: o Plano Agache, entre 1925 e 1935 para a cidade do Rio de Janeiro, e o Plano Prestes para a cidade de São Paulo, na década de 1930, que se limitavam a remodelagem urbana.

O planejamento integrado e os “superplanos” têm seus exemplos, a partir da década de 1960, interdisciplinar e espacial, objetivando a integração da cidade à sua região no seu nível global, dificultando a sua execução no foco.

Os planos diretores de desenvolvimento integrado vêm nesta mesma linha; referem-se a grandes propostas, expressas por meio de planos de metas, reafirmando propostas das classes dominantes. Geralmente, são apresentados no formato de lei, sem detalhamentos, mapas e um diagnóstico da realidade da cidade.

Com o fortalecimento dos movimentos populares urbanos a partir da década de 1960, e mais expressivamente na década de 1980; com a retomada do processo democrático, somada às mudanças no papel dos municípios que passaram a ter uma maior importância na condução de políticas sociais, em especial a de habitação, surge uma nova frente de luta a favor da reforma urbana, culminando na elaboração,

mobilização, durante 13 anos, e promulgação da Emenda Popular à Constituição – o

A obrigatoriedade legal dos planos diretores para as cidades com mais de 20 mil habitantes fez com que os municípios elaborassem planos locais, muitas vezes frágeis e sem um diálogo com a cidade real, definindo o destino das cidades e apresentando a relação de forças políticas existentes no território.

A implementação do Estatuto da Cidade, em particular o Plano Diretor Local, é reivindicação dos movimentos populares urbanos em vários municípios brasileiros, com a participação ampla da sociedade.

Em 2004, destaca-se a criação de uma Campanha Nacional de Sensibilização e Mobilização para elaboração e implementação dos planos diretores participativos cujos eixos principais são a inclusão territorial, a gestão democrática e a justiça social. O Conselho Nacional das Cidades (ConCidades) é um órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura do Ministério das Cidades, e tem por finalidade estudar e propor diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), bem como acompanhar a sua execução. Representa a materialização de um importante instrumento de gestão democrática da PNDU.

Conforme definição da Resolução nº 34, do ConCidades,

o objetivo fundamental do Plano Diretor é definir o conteúdo da função social da cidade e da propriedade urbana, de forma a garantir o acesso a terra urbanizada e regularizada, o direito à moradia, ao saneamento básico, aos serviços urbanos a todos os cidadãos, e implementar uma gestão democrática e participativa.

Prevê em seus artigos 1º, 3º e 5º orientações e recomendações quanto ao conteúdo mínimo dos Planos Diretores, garantindo seu objetivo principal.

As funções da cidade e da propriedade deverão estar definidas quando forem destinadas porções do território no município, garantindo espaços coletivos, acessibilidade e mobilidades, universalização do acesso aos serviços de infraestrutura, terra urbanizada e áreas para geração de renda a todas e todos os cidadãos.

Questões também importantes colocadas na Resolução n° 34 são os

instrumentos do Estatuto da Cidade – direito de preempção, outorga onerosa do

direito de construir e de alteração de uso, operações urbanas e a transferência do

aplicação delimitada no Plano Diretor, ou seja, mapeadas e indicadas detalhadamente, garantindo a verificação futura.

Por fim, define ainda os instrumentos de gestão democrática do Sistema de acompanhamento e controle social, previstos no artigo 34 do Estatuto da Cidade, utilizando-se de órgãos colegiados de política urbana, debates, audiências, consultas públicas, conferências, além de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano de iniciativa popular.

Segundo o artigo 41 do Estatuto da Cidade, o plano diretor é obrigatório para

cidades com mais de vinte mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da Constituição Federal, integrantes de áreas de especial interesse turístico e cidades inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

Ainda observa que, no caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.

A concepção do plano diretor deve, além de influenciar os orçamentos municipais e os investimentos públicos, pressupor o enfrentamento dos problemas urbanos, em especial o enorme passivo de desigualdade social das cidades brasileiras, além de requerer um processo dinâmico e permanente de planejamento no município. Trata-se de um pacto social, econômico e territorial, garantido pelo Poder Público municipal mediante a constituição de conselhos dos diversos segmentos da sociedade, além de grupos de acompanhamento, controle e deliberação, conferindo a transparência necessária a todo o processo.