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Índios umutinas quase foram extintos após primeiro contato com não índios No país, segundo a Funai,

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Povo Umutína: a busca da identidade linguística e cultural” teve como objetivo principal contribuir para os estudos linguísticos na área das línguas indígenas e também complementar alguns estudos já existentes sobre a língua Umutína.

Desenvolver pesquisas na área de línguas indígenas tem sido um grande desafio para muitos pesquisadores, principalmente, para aqueles que trabalham com línguas que não possuem mais falantes, como é o caso da língua Umutína, objeto deste estudo.

Preocupei-me em organizar este trabalho de uma forma mais didática pensando, não somente nos pesquisadores da área, mas , também, em nossos maiores interessados, ou seja, os próprios índios que merecem ter conhecimento de nossas pesquisas de uma maneira mais prática e acessível.

Pensando nisso e em busca de atender aos objetivos propostos, inicialmente, apresentei para os leitores, uma trajetória histórica do povo Umutína, desde o primeiro contato com a homem ocidental , o processo de “pacificação” até a rendição dos últimos Umutina que resistiram ao contato com o não índio por quase 30 anos. Nessa trajetória, descrevi os aspectos etnográficos, a língua, os costumes, enfim, aspectos sociais e culturais, finalizando com a situação atual do povo, que desde então, convive com índios de diversas etnias, um dos fatores que contribuiu, sobremaneira, para o desaparecimento de sua língua e de sua cultura e que no contexto atual, lutam pelo fortalecimento e valorização da identidate étnica por meio da revitalização da língua e das práticas tradicionais dos antepassados. Comprendo essas questões como gestos políticos que se configuram na busca de um registro escrito da língua materna, no papel da escola que funciona como espaço de ressignificação da cultura e da “revitalização” da língua materna silenciadas de forma violenta pelo Estado e em pequenos outros gestos que direta ou indiretamente contribuem para que o índio se constitua como sujeito Umutína.

Em seguida abordei sobre o parentesco genético da língua Umutína e Boróro, a partir dos estudos de Aryon Rodrigues, confirmando mais uma vez a proximidade linguística entre os dois grupos. As constatações fizeram-me levantar a seguinte hipótese: é realmente caso de parentesco ou a língua Umutína é uma variação da língua Boróro?

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Muitas evidências apresentadas nesta tese apontam para a hipótese de que os Umutína são na verdade um outro ramo Boróro que se dividiu e que compartilha da mesma língua, apenas com diferenças dialetais.

Para complementar e reforçar alguns estudos já existentes sobre a língua, fiz uma releitura dos aspectos fonéticos e fonológicos da língua. Optei por uma classificação mais fonética, devido ao corpus ser composto somente por palavras isoladas, tendo em vista o estágio atual da língua. Da descrição fonética passei à análise fonológica, baseando-me nos critérios de contraste e /ou distribuição complementar e variação livre. Tais procedimentos me permitiram distinguir 15 fonemas consonantais e 8 fonemas vocálicos orais, ressaltando que, na língua Umutína não existem vogais nasais. Ainda neste capítulo tratei sobre os ditongos, classificados em crescentes e decrescentes,

Outra contribuição para os estudos da área, foi o levantamento bibliográfico dos trabalhos prévios sobre a língua e uma descrição das listas de palavras já publicadas. Nessa descrição fiz uma comparação entre os trabalhos de Schmidt (1941), Schultz (1952), Lima (1995) e Maia (2003) cujo objetivo foi o de apresentar um quadro comparativo, ressaltando as semelhanças e diferenças entre os registros feitos por esses autores. Além disso, esta análise serviu para sanar algumas dúvidas em relação à existência ou não de determinados fonemas, principalmente, para confirmar a ideia que /b/e /h/ são fonemas distintos na língua Umutína, além de outras questões relativas à forma e significação de determinadas palavras.

Outro objetivo proposto foi a sugestão de uma ortografia para a língua que resultou em 15 consoantes: b, h, j, k, l, m, n, p, r, s, t, x, y, w e z e 7 vogais: a, e, é, i, o, ó, u, totalizando 22 letras.

Não posso deixar de ressaltar que a elaboração prévia desta ortografia foi em comum acordo com os professores que ministram a disciplina de língua materna na escola indígena da aldeia. Uma das finalidades dessa ortografia, além de servir como instrumento didático e pedagógico, e, também, político, foi o de contribuir para a valorização linguística, social e cultural do povo Umutína.

Em relação aos aspectos da morfologia, tratei da composição, processo de formação de palavras bastante produtivo na língua. Essa análise permitiu-me identificar

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possíveis casos do processo de composição por justaposição e aglutinação com a seguinte estrutura: substantivo + substantivo, substantivo + advébio, substantivo + adjetivo, entre outros. Também encontrei, no corpus, outro suposto processo de composição denominado Incorporação Nominal.

Por fim, considerando o estágio atual da língua, fiz uma análise das narrativas orais, enunciados produzidos por adultos e crianças em conversas cotidianas, em algumas narrativas orais, em atividades didáticas de alunos e professores da escola e em pequenos recortes retirados do Facebook, espaço virtual bastante utilizado atualmente pelos índios da aldeia. Nessas práticas de linguagem observei traços da memória da língua materna Umutína de ordem lexical, fonética, morfológica e sintática presentes na modalidade oral e escrita da língua portuguesa.

Com o mesmo objetivo, analisei enunciados de uma estrevista concedida por um jovem Umutína à revista Veja, deste ano, em que estão presentes, também, traços da língua materna como os expostos acima. Percebi que, embora, a língua Umutína já não seja utilizada de forma efetiva na aldeia, pois existem apenas dois anciãos “lembrantes” do léxico e o jovem Luciano Ariabô, um grande conhecedor da língua, ela ainda resiste como “lugar de memória” nas práticais atuais de linguagem do povo Umutína.

Apesar de a língua materna ter sido “apagada” na história, ela ainda funciona discursivamente na atualidade, guarda um lugar significativo na constituição do sujeito de linguagem, mesmo como língua “apagada”. E é a partir deste lugar, do esquecimento, que ela vai significando, produzindo efeitos de sentido. (PAYER, 2006 ) É a identificação do sujeito Umutína com a língua materna, mesmo que essa língua não compareça por inteiro nas práticas de linguagem do sujeito Umutína. É a língua adormecida que aos poucos vai acordando ...

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