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Diferente da maior parte da bibliografia existente sobre o TCA, que enfatiza os aspectos internos do mecanismo, em geral adotando as perspectivas das teorias dos regimes internacionais, este trabalho pretendeu enfatizar a correlação existente entre as transformações do mesmo e as diferentes fases da política externa brasileira.

Com essa perspectiva, ao analisar o surgimento e o desenvolvimento do TCA, pode-se perceber, em primeiro lugar, que suas mudanças não representam apenas um adensamento e um fortalecimento dos objetivos iniciais, consagrados no documento de 1978. Não se trata simplesmente de um processo cooperativo numa área específica que ao longo tempo se aperfeiçoa, superando entraves e multiplicando sua efetividade. O posicionamento brasileiro é fundamental para a compreensão das transformações sofridas pelo Tratado.

Ao retomar a perspectiva histórica da política externa brasileira para a Amazônia, verifica-se que o TCA materializa algumas concepções já antigas, que atravessam a história do Brasil, como a idéia de afastar interesses externos da região, garantir a presença do país no subsistema do norte da América do Sul e buscar dividir o custo de promover o desenvolvimento da Amazônia. Apesar disso, até os anos 1970 a disparidade entre a atenção reservada ao lado platino e o lado amazônico é notável.

Os objetivos históricos se conjugam, na década de 1970, com metas mais pontuais- como o problema do abastecimento de recursos energéticos (devido à crise do petróleo de 1973), a preocupação de um possível isolamento do Brasil devido ao surgimento (em 1969) do Pacto Andino, a valorização do tema ambiental a partir da Conferência de Estocolmo (1972) e a correlata ameaça de interferência dos países desenvolvidos em assuntos internos dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, o desenvolvimento econômico e a melhoria da infraestrutura física por que o Brasil passa desde a década de 1950, além do fator principal: as diretrizes do pragmatismo responsável de Geisel e Azeredo da Silveira, que consolidam e potencializam um paradigma de atuação

exterior iniciado na década de 1960- o universalismo e a busca por autonomia e afirmação no plano internacional.

Com o surgimento do TCA, o Itamaraty consolida uma divisão na política regional para a América do Sul. Ele será o instrumento de contato com os países do norte da América Meridional. Essa divisão permanecerá vigente até meados da década de 1990, quando a regionalização da política externa brasileira tenderá a tratar a América do Sul como uma unidade. Além disso, institui-se uma estrutura permanente de contato com os países amazônicos.

Esquematicamente, pode-se pensar em três níveis de objetivos aos quais o Acordo se refere: o mundial (como instrumento de posicionamento perante os países de fora da região), o regional (como mecanismo de aproximação dos países do norte da América do Sul) e o local (no sentido dos objetivos especificamente amazônicos). Ao longo dos anos vai variar a priorização de cada um desses níveis. Quando o TCA foi proposto, a prioridade para o Brasil, do ponto de vista “amazônico”, era incentivar a integração física entre os membros, objetivo descartado pela resistência dos demais signatários. No nível regional a intenção, bem sucedida, diga-se de passagem, foi diminuir os receios relativos ao Brasil e no plano mundial visou-se responder às críticas ambientais bem como rechaçar a interferência em assuntos internos, especialmente no caso da Amazônia.

Na década de 1980 o Brasil passa por problemas internos e externos que, somados aos esforços de entendimento com a Argentina, vão relegar o TCA a segundo plano. A partir do fim da década, no entanto, as pressões internacionais referentes ao meio ambiente, a mudança brusca no cenário internacional (com o fim da URSS) e as transformações políticas internas no Brasil, com a eleição do governo Collor, vão levar a uma revalorização do TCA, como meio de se ganhar credibilidade no cenário internacional, responder às críticas de caráter ambiental, e aproveitar o debate ecológico para captar recursos internacionais- por meio da utilização do conceito do desenvolvimento sustentável. Ao mesmo tempo, no início da década de 1990, como fruto do aprofundamento da aproximação com a

Argentina, e como resposta à pretensão norte americana enfeixar o continente com acordos de liberalização comercial, o Brasil começa a desenhar sua estratégia de regionalização, que terá como marco a substituição da América Latina pela América do Sul como área prioritária de atuação. Nessa perspectiva de regionalização o TCA ganhará destaque como meio de articular os países do norte da América do Sul, visão que se concretiza na proposta da Iniciativa Amazônica, em dezembro de 2002, substituída no ano seguinte pelo projeto da Área de Livre Comércio Sul Americana (ALCSA).

A partir do processo de valorização do TCA, que marca os anos de 1989- 1994, aparecem alguns elementos importantes. O primeiro é que o Itamaraty vai identificar a necessidade de tornar o TCA mais eficiente para captar recursos internacionais e para dinamizar o contato entre os signatários, como passo fundamental para a integração da América do Sul. Daí a proposta, feita em 1993, de transformação da Secretaria Pro Tempore em Secretaria Permanente. Ao mesmo tempo em que visa um fortalecimento do Tratado, o Brasil não se empenha em aprofundar a institucionalização no sentido de diminuição do poder dos Estados em favor do Tratado. Pelo contrário, a falta de compromisso com a constituição da sua Comissão Nacional Permanente, bem como a persistência na subordinação das decisões técnicas (no âmbito do Tratado) às decisões diplomáticas, indicam que o fortalecimento do Tratado e seu aperfeiçoamento como mecanismo supranacional são conceitos bastantes distintos na perspectiva do Itamaraty. Outro elemento importante deste período é o gradual abandono do tratamento em separado do sul e o norte da América do Sul.

A partir de 1995 é decidida a transformação em organização internacional, para dar maior operacionalidade à secretaria, que passará a ser permanente. Desde então, e até 2002, as reuniões do TCA serão concentradas na definição dos moldes da nova organização internacional. Em 1998 é assinado o protocolo de emenda ao Tratado, e em 2002 é instalada a secretaria permanente em Brasília. Neste período, o TCA servirá para que se tente preservar a importância do tema ecológico, no sentido de continuar havendo a destinação de recursos, e de aumentar a credibilidade do país num momento em que se busca a autonomia

pela participação, além do principal que é o apoio à estratégia brasileira de regionalização. Entre 1998 e 2002 tanto a América do Sul como o mundo passam por um período de maior instabilidade, então o projeto de integração sul americana restringe-se a algo mais palpável- a integração física, mudança que se reflete diretamente nas declarações e objetivos do TCA.

Finalmente, em 2002 é instalada a secretaria permanente. Esta, com personalidade jurídica própria, terá maior autonomia para divulgar a marca “Amazônia” pelo mundo (como de fato ocorre nos anos seguintes) e para mobilizar os signatários em torno do tema da integração sul americana. Por outro lado, aparentemente o Brasil mantém uma posição de preponderância, na medida em que a secretaria permanente está situada em seu território, o país é o principal responsável pela sustentação financeira e ainda há a regra da unanimidade para garantir que a OTCA não tome decisões contrárias aos interesses do país. Com relação aos âmbitos de atuação, o “especificamente amazônico” fica relegado à OTCA, o que permite ao MRE dedicar-se a temas que considera prioritários, como as negociações comerciais, já com relação ao nível regional, a OTCA servirá de ponte para o projeto de regionalização do país. Indício bastante forte disso é que a OTCA incorporou o projeto da Comunidade Sul Americana de Nações, lançado pelo presidente Lula em 2003.

Desde a sua criação até sua transformação em organização internacional, o TCA passou por mudanças significativas, principalmente deixando de ser um mecanismo fechado e passando a uma postura aberta e até convidativa com relação ao resto do mundo. Não por acaso tal mudança se verifica também na política externa brasileira de 1978 a 2002.