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Com relação à região amazônica, o TCA é um instrumento com poucas metas específicas. Seus objetivos são basicamente colaborar com o desenvolvimento regional, atentando para a preservação ambiental. O tratado optou por uma fórmula vaga e genérica. Ele faz menção aos os problemas básicos relativos à Amazônia65:

- questões de saúde e saneamento básico (artigo VIII)

- infraestrutura, tanto dentro da região como de ligação com o resto do país (artigos III, V,VII, X)

- a questão indígena (menção específica no item III da Declaração de Belém)

- necessidade de desenvolvimento tecnológico específico e apropriado à região. (artigo IX)

- geração e distribuição de energia

- educação (durante a reunião de reitores das universidades amazônicas, na qual foi criada a Associação de Universidades Amazônicas. A reunião decorreu de um seminário organizado no âmbito do TCA, em 1987, na cidade de Belém)

64 Interessante mencionar que após a instalação da secretaria permanente mudou-se

completamente a percepção a respeito das Comissões Especiais. Tanto a atual secretária, Rosalia Arteaga, quando o diretor executivo, Francisco Ruiz, disseram, em entrevista, que o plano é acabar com as comissões, pelo fato de elas terem se autonomizado muito e dificultarem, assim, uma orientação geral e coordenada do TCA, ou seja, os temas de que tratam terem se especializado a ponto de não se articularem com os demais.

65 Alguns problemas não contidos no Tratado são mencionados nas declarações das Reuniões de

Ministros das Relações Exteriores, em que os objetivos do Tratado são reforçados ou melhor definidos. Na lista a seguir, cita-se apenas a primeira vez em que o problema é colocado no âmbito do Tratado)

- identificação, conservação e aproveitamento dos recursos naturais (artigo I, IV, VII)

- necessidade de otimização e melhoramento de atividades primárias típicas da região, como pecuária, extrativismo, agricultura familiar e piscicultura

- necessidade de investigação científica para inventariar do potencial da região, suas características ecológicas, sua biodiversidade (artigo VII, VIII)

- buscar formas de adaptar a vasta rede hidrográfica da região para geração de energia e sua utilização no transporte (artigos III, V, VI)

- buscar práticas de desenvolvimento econômico que não degradem o meio ambiente (Preâmbulo,artigo I, VII, XI)

- melhoramento do nível de vida da população da região (Preâmbulo do TCA)

- promover o turismo (artigo XIII)

- controle das atividades ilícitas e proteção das regiões de fronteira (menção ao tráfico de animais na I Reunião de Ministros das Relações Exteriores, e ao narcotráfico na III Reunião de Ministros das Relações Exteriores)

Mas esses problemas são mencionados sem que o Tratado crie metas concretas, nem mesmo formas de enfrentá-los. A caracterização do TCA como acordo-quadro levaria a imaginar que em seu âmbito deveriam ser feitos outros acordos que especificassem a forma de cooperação na solução dos problemas citados. Exemplos dessa concepção seriam o parágrafo único do artigo I e também o artigo XII:

“Parágrafo Único: Para tal fim, trocarão informações e concertarão

acordos e entendimentos operativos, assim como os instrumentos jurídicos pertinentes que permitam o cumprimento das finalidades do presente Tratado.

(...) Artigo XII

As Partes Contratantes reconhecem a utilidade de desenvolver, em condições equitativas e de mútuo proveito, o comércio a varejo de produtos de consumo local entre as suas respectivas populações amazônicas limítrofes, mediante acordos bilaterais ou multilaterais adequados” (TCA,1978-grifos meus).

Os demais artigos do TCA também não definem obrigações concretas: para melhorar as vias navegáveis, “... se estudarão as formas...”; sendo conveniente a criação de uma estrutura física “... as partes se comprometem a estudar...”; para incrementar o uso racional dos recursos humanos e naturais “...as partes contratantes concordam em estimular a realização de estudos...”. Além dos planos de estudos, o Tratado enfatiza a importância da cooperação e troca de informações em pesquisas científicas e tecnológicas, notadamente na letra b do artigo VII, que fala do estabelecimento de um sistema regular de troca de informações sobre as experiências nacionais em conservação; e no artigo IX, que prevê as formas de cooperação técnica e científica: por meio de programas conjuntos, criação de instituições de investigação e organização de seminários e conferências.

A ênfase na pesquisa e nos estudos reflete a importância de se aprofundar o conhecimento da região para que se possa promover seu desenvolvimento. Mas a postura reflete também a cautela do Tratado, que gera obrigações apenas na fase preliminar do planejamento do desenvolvimento regional, ou seja, o levantamento de informações e a confecção de projetos, sem referir-se à sua implementação, financiamento e execução.

No final do Tratado encontram-se as regras de procedimento. O processo decisório deverá respeitar a regra da unanimidade (artigo XXV). Se essa regra reforça a igualdade de importância entre os membros e o espírito de cooperação, pode também significar uma paralisia decisória, no caso de assuntos

controvertidos, como podem ser temas cruciais para o interesse de algum ou alguns países amazônicos. O artigo seguinte (XXVI) veda as reservas e as declarações interpretativas, que são formas de um país-membro não se submeter a alguma cláusula do tratado, seja por meio da não admissão de alguma regra (reserva), seja por meio da livre interpretação da norma contida no texto legal internacional (declaração interpretativa).

O TCA, segundo o artigo XXVII, tem duração ilimitada e não é aberto a adesões de novos membros, o que se justifica pelo critério geográfico do tratado, ou seja, o país pertencer à Bacia Amazônica, e também por um de seus objetivos, que é garantir a exclusiva responsabilidade de seus membros sobre a Amazônia dos respectivos territórios. A preocupação em evitar a ingerência internacional na região é uma das principais motivações deste artigo, principalmente quando se considera a exclusão da França, que pretendeu participar por conta de seu território americano, a Guiana Francesa. Quanto à jurisdição do Tratado, interessante notar que ele só se aplica nos territórios amazônicos das partes contratantes (artigo II), embora estenda o alcance das normas, de forma imprecisa, aos territórios das partes que “... pelas suas características geográficas, ecológicas ou econômicas, se considere estreitamente vinculado...” à Bacia Amazônica.

O último artigo do Pacto trata da denúncia (parágrafo segundo), que é a possibilidade de um país se desobrigar, cessando os efeitos do tratado para o mesmo, desde que respeitadas as formalidades estabelecidas para esse ato unilateral. Vale notar, por fim, que o último artigo determina que o depósito das ratificações seja feito no Brasil.

A estrutura do texto deixa bem evidente a natureza do TCA como acordo- quadro, do ponto de vista jurídico66. Paul Reuter (1999:49) argumenta que o fato de um acordo não gerar obrigações jurídicas específicas não impede a sua caracterização como um tratado, desde que abarque a intenção de produzir efeitos jurídicos, como acontece com o caso em questão.

Para Simoni Privato Goidanich, o TCA não se restringe a um programa de cooperação, como se fosse uma carta de intenções.

“Do ponto de vista jurídico, caracteriza-se como tratado e não gentlemen`s agreement, ou seja, cria vínculo jurídico para os estados signatários, não se resumindo a simples compromisso moral ou carta de intenções, muito embora seu contexto seja genérico” (GOIDANICH, 1994: 174).

Ela concorda com Rubens Ricupero (1984:185), que caracteriza o TCA um acordo- quadro, com coordenadas de cooperação mas grande flexibilidade para adaptar-se às situações específicas. Manuel Montenegro Cruz (1993: 15, 19-23) é contrário à qualificação do TCA como um acordo-quadro. Para ele, o TCA constitui um caso de regime internacional.

A idéia de Montenegro é que olhar o TCA como regime internacional permite entender melhor seus objetivos. Para ele, a idéia de acordo-quadro, mais ligada às teorias da integração, leva à noção de incompletude do TCA, enquanto olhá-lo como regime internacional justificaria sua estrutura pouco concreta em termos de projetos, obrigações e resultados. O regime serviria apenas para regular a partilha do uso de recursos de interesse comum, como é o caso, por exemplo, da rede hidrográfica da Bacia Amazônica.

Considerando o Tratado como um regime internacional, a literatura predominante67 costuma centrar-se no seu aspecto institucional, no sentido específico de que o olha como um mecanismo de cooperação internacional, inclusive com uma certa autonomia, uma lógica de funcionamento própria, fundamentada nas estruturas institucionais e nos procedimentos tornados relativamente regulares (como por exemplo as reuniões de diferentes instâncias).

67 Em texto de apresentação do Tratado, ainda em 1977 (antes de ser assinado, portanto) o negociador do

projeto, Rubens Ricupero (1977) compara o Acordo a outros regimes internacionais, embora sem utilizar o termo. Academicamente o primeiro estudo a tratar o TCA como regime foi o de Cruz (1993). Outro trabalho importantíssimo nesse sentido é a tese de doutorado de um sueco, Mikael Román, publicada em 1998. Em 2005 foi defendida uma dissertação no IRI (Brasília) sobre o TCA como caso de regime internacional (TORRECUSO, 2005). Na mesma linha artigo de pesquisador do próprio San Tiago Dantas (SP), Armando Gallo Yahn Fillho, publicado em 2005 na Revista Ambiente e Sociedade, afirmando que o TCA deve ser tratado como regime internacional (YAHN FILHO:2005). Por fim, em entrevista pessoal, o ex chanceler Celso Lafer afirmou que a melhor maneira de estudar o tema seria como Regime Internacional.

Tal abordagem enfoca as possibilidades e dificuldades de uma cooperação de fato, e de possíveis benefícios nesse processo.

A bibliografia que trata o TCA como regime internacional tende a apontar a política externa brasileira como sendo determinante no momento da negociação e assinatura do Acordo, em 1977 e 1978. A partir daí, no entanto, ao enfatizar seus aspectos institucionais e a possibilidade de cooperação, tende a apontar interesses comuns e compartilhados, que se manifestariam na evolução do Tratado. Assim, a impressão é que os interesses do país proponente (o Brasil) passam a se identificar e confundir com os dos demais signatários, ou seja, sendo aqueles declarados e institucionalizados nas instâncias do mecanismo. Sem negar a idéia da possibilidade de que o TCA possa consubstanciar interesses comuns, e inclusive motivá-los, este trabalho pretende seguir um enfoque um pouco diferente, mostrando quais os interesses específicos do Brasil e como eles podem ser instrumentalizados por meio do TCA.