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2.3.1 - A NEGOCIAÇÃO

A idéia de um acordo multilateral de cooperação entre os países amazônicos surge, como proposta concreta, em 1976, no Itamaraty. No mesmo ano é apresentada ao presidente do Peru, Morales Bermudes48, pelo presidente Ernesto Geisel. O encontro presidencial resultou em diversos acordos bilaterais de cooperação, e envolveu o Peru nas negociações do futuro Pacto Amazônico

48 Ver, entre outros ROMÁN (1998:118), KUCINSKI (1979:15), CRUZ (1993:30,31),

(outro nome dado ao TCA). O Peru foi, ao lado da Venezuela, um dos grandes responsáveis pela resistência à aprovação do texto como houvera sido proposto pelo Brasil, e a conseqüente limitação do alcance do Tratado.

O anteprojeto formulado pelo Brasil, e apresentado em março de 1977 aos sete países convidados a integrarem o Pacto, fazia menção a integração física da região (que era uma das principais preocupações da diplomacia brasileira, como visto). Nessa época a Venezuela apresentava resistência em entrar em negociação sobre o acordo multilateral. Além de um histórico de relações pouco amistosas, em razão da já mencionada doutrina Beatencourt, a ascensão econômica da Venezuela propiciada pela elevação do preço do Petróleo fazia com que ela mantivesse cautela quanto à participação do Brasil no norte da América do Sul, região em que pretendia manter uma certa liderança.

Mas a principal preocupação venezuelana era com os efeitos que o novo projeto poderia gerar no Pacto Andino, em crise com a saída do Chile, em 1976:

“Ao mesmo tempo, o fato de que a idéia de criação do Pacto Amazônico tenha sido lançada oficialmente num momento de crise do Pacto Andino, fez com que Peru, Equador, Colômbia e Venezuela expressassem reservas sobre as formas como o novo pacto afetaria o Grupo Andino. Considerava-se que o Pacto Amazônico seria utilizado pelo Brasil como um apoio à sua oposição ao Grupo Andino, na disputa de influência que este tem na América Latina. Foi a Venezuela, sobretudo e, em menor escala o Peru, quem defendeu com mais empenho essa posição”. (CARRASCO, 1979:80).

A recusa da Venezuela em participar das negociações durou até a visita do presidente Carlos Andrés Perez ao Brasil, em novembro de 1977, quando ele elogiou a idéia de um acordo amazônico de cooperação multilateral49. Por isso a primeira rodada de negociações, com todos os futuros signatários, ocorreu em novembro do mesmo ano.

49 Ver PÉREZ (1977:19). Bernardo Kucinski (1979:15) diz que, em troca da apoio ao TCA, o Brasil

ofereceria seu apoio ao SELA, organismo proposto pela Venezuela, assinado em 1975 e com relação ao qual o Brasil mantinha, até então, uma certa reserva.

Com relação ao Pacto Andino, a diplomacia brasileira realizou grande esforço para deixar explícito que o TCA não representaria qualquer risco deste suplantar aquele, mas seria um acordo complementar, numa área em que não haveria ainda cooperação internacional. O discurso de Geisel (1978) na solenidade de assinatura do Tratado insiste nesse ponto, e a ressalva está expressa no texto do TCA:

Artigo XIX – Nem a celebração do presente Tratado, nem a sua execução terão algum efeito sobre quaisquer outros tratados ou atos internacionais vigentes entre as Partes, nem sobre qualquer divergência sobre limites ou direitos territoriais existentes entre as Partes, nem poderá interpretar-se ou invocar-se a celebração deste Tratado ou sua execução para alegar aceitação ou renúncia, afirmação ou modificação, direta ou indireta, expressa ou tácita, das posições e interpretações que sobre estes assuntos sustente cada parte Contratante50.

O principal negociador brasileiro do TCA, o embaixador Rubens Ricupero, assim se referiu ao Tratado em palestra dada à Câmara dos Deputados, em outubro de 1977:

“Enquanto o Pacto Andino é de caráter econômico e comercial, o amazônico tem natureza geográfica e jurídica. O primeiro visa integrar as cinco economias nacionais mediante a unificação tarifária e, sobretudo, a programação industrial e setorial, ao passo que o segundo, busca a

integração física dos sistemas de comunicação e transportes, sem

tocar nas barreiras econômicas”. (RICÚPERO, 1978:199, grifo meu)51.

50 Esse artigo faz também uma ressalva relativa a outra preocupação da Venezuela- a questão de

limites. Uma das razões da resistência do país em negociar o TCA foi a sua histórica disputa territorial com a Guiana. Também o Peru, com pendências antigas com o Equador,, mostrou certa apreensão. O artigo transcrito mostra que o Tratado optou por abster-se explicitamente dessas questões. Assim, as resistências de Peru e Venezuela relativas a esse assunto territorial puderam ser eliminadas.

51 Em um de seus livros, Ricúpero reproduz a palestra citada, de 1977 e também outra de 1979.

Nesta segunda, posterior à assinatura do TCA, pode-se notar a mudança com relação ao objetivo da integração física, pela simples comparação do parágrafo citado com o seguinte: “O Grupo Andino, de caráter econômico e comercial, procura a integração das economias e dos mercados, mediante a unificação tarifária e sobretudo a programação setorial do desenvolvimento. O Tratado Amazônico não tem competência nessas matérias e dirige a atenção a assuntos outros que a

Como se vê, a integração física da região era a essência da proposta original do Brasil. A idéia estava assim materializada na proposta original:

“As partes contratantes reconhecem que a integração física da região amazônica, mediante o estabelecimento de uma infraestrutura adequada de transportes e comunicações, constitui uma condição indispensável para o processo de desenvolvimento da região”. (Jornal do Brasil, 4/7/78- apud KUCINSKI, 1979: 16).

Em discurso na abertura da primeira reunião preparatória do Pacto Amazônico, Azeredo da Silveira afirma: “O que se deseja é preencher as lacunas e mobilizar a cooperação numa área até agora sem aproveitamento: a da

integração física” (SILVEIRA, 1977:54- grifo meu). Logo após a reunião, em

entrevista à Rede Globo, ele considera que ao “ ... se centrar na integração física, o Pacto Amazônico é base para criar infra-estrutura e, por isto terá importância econômica.” (SILVEIRA, 1977b:58).

Para o ministro, a região teria dificuldades de se desenvolver economicamente pela ausência de uma infra-estrutura adequada52. Contra essa dificuldade a proposta de cooperação multilateral. O Pacto não teria um perfil econômico/ comercial, pois não faria qualquer referência a diminuição de barreiras ou alteração das regras de comércio. Mas teria, indiretamente, uma função econômica, ao garantir as condições para a atividade econômica. No entanto, esse perfil poderia ser alterado posteriormente: “... a especialização do Pacto não implica uma limitação rígida, e seria válido admitir que a integração física prossiga até formas mais abrangentes de integração.” (op. cit.: 59)

Os principais opositores à expressão “integração física” foram o Peru e a Bolívia. Costa (1987:28) considera que ambos os países preferiam não assumir esse compromisso para terem tempo de fazer a integração física dos territórios

52 No mesmo sentido o “Programa de Emergência para 1954” da SPVEA: “Os transportes na

Amazônia são o ‘Calcanhar de Aquiles’ de toda a sua economia. Realizando uma produção de pequeno volume físico, em centros produtores localizados a milhares de milhas de seus portos de embarque, essa produção só pode ser transportada a fretes muito altos. Em conseqüência, somente podem ser produzidos gêneros de alto preço por unidade de preço” (Apud Meira Mattos, 1980:190) .

amazônicos às respectivas economias antes de integrá-los ao Brasil, desproporcionalmente mais desenvolvido. Segundo Kucinski (1979:16) também a Venezuela apresentou resistência à expressão.

Devido à resistência, na segunda rodada de negociações, já em 1978, o Brasil retirou a expressão integração física, substituindo-a “... pela formulação ‘desenvolvimento harmônico’ das partes como um dos objetivos do TCA” (CRUZ, 1993: 36). Outra referência da proposta original a ficar fora do texto final foi a menção a uma possível cooperação para defesa, que caiu já na primeira rodada de negociações (op. cit.:35). Segundo Adherbal Meira Mattos (1995:28), a proposta original ainda continha a idéia de “Merconorte”, que não teria sido aceita pelos outros países amazônicos.

É notável que o período de negociações (o documento foi assinado no dia 3/7/1978 e entrou em vigor em 1980, após o último país tê-lo ratificado, a Venezuela), surpreendentemente curto, resultou numa drástica redução do alcance do TCA, inclusive naquilo que talvez fosse a essência da idéia brasileira: a criação de infraestrutura na região. Assim, pode-se enxergar o sucesso diplomático da assinatura do Tratado em tão pouco tempo, bem como a relativa derrota em pontos cruciais do projeto. Dessa constatação é possível tirar já uma importante conclusão: o Brasil priorizou a adesão dos países amazônicos, em detrimento da defesa enfática (inclusive com uma possível utilização de recursos de poder) da sua proposta original.