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O Colóquio entre as gentes do país encontra sua importância nas diversas áreas do conhecimento, por exemplo, História, Antropologia, Literatura, Linguística e os Estudos da Tradução; mas para Aryon Rodrigues, enquanto linguista especialista nos estudos descritivos e histórico-comparativos das línguas indígenas, sua importância é medida por seu valor documental, no sentido de que o texto do Colóquio é o primeiro ensaio publicado sobre aspectos da gramática de uma língua indígena brasileira. Vimos ao longo deste trabalho, o desenvolvimento da pesquisa científica de Aryon Rodrigues por meio de sua proposta de restauração e de retradução da língua Tupinambá original de 1580. O objetivo principal deste estudo é contribuir para o acréscimo de um conhecimento linguístico e um conhecimento humano, no âmbito do estudo do estado da língua Tupinambá no período do Brasil Colônia. Este estudo é um desdobramento do interesse de Rodrigues em relação à preservação e elaboração de documentações sobre a língua e a história dos índios Tupinambá, porque elas são raras e algumas se perderam com o passar dos séculos. Embora a língua Tupinambá não possua mais falantes - considerada uma língua extinta, devido à sua dizimação durante o processo colonizador, Rodrigues reforça que todo conhecimento descoberto através das investigações das línguas indígenas contribui para a expansão da compreensão que se tem sobre as diversas manifestações da linguagem humana. É isto que representa a principal razão pela qual Aryon Rodrigues se envolveu na tarefa de restaurar e fornecer uma nova interpretação da fala do índio Tupinambá, após investigar a estrutura da língua a partir de uma análise sincrônica, complementada pelo método da tradução literal, para alcançar um conhecimento que não pode ser extraído de formas descaracterizadas por erros tipográficos e formas que não puderam ser interpretadas como pertencentes às da língua, devido às diversas variações de escrita usadas para transcrever o Tupinambá.

O missionário calvinista Jean de Léry também possui grande mérito no que diz respeito à expansão do conhecimento sobre a Realia dos índios Tupinambá no século XVI, porque foi graças ao seu empenho em realizar anotações sobre a língua e a cultura dos índios Tupinambá na sua obra História de uma viagem feita à terra do Brasil, é que hoje temos acesso a uma documentação de grande valia, precursora da etnografia nos idos da colonização do Brasil, antes mesmo desta ciência existir. Desenvolvemos nesta pesquisa, a hipótese da autoria compartilhada do Colóquio entre as gentes do país, no qual os truchements assumem a importante função de compilar um guia de conversação franco-tupi, a partir das transcrições, anotações e descrições das palavras da língua Tupinambá, e de divulgá-lo para outros viajantes e missionários. A investigação da história do relacionamento destes truchements

com os índios Tupinambá, também nos revelou o endotismo destes jovens franceses, abandonados em um Novo Mundo, que se aliam aos índios e renegam sua própria cultura nativa, chegando a sabotar internamente as operações colonizadoras francesas.

A investigação da intencionalidade da escrita da língua dos índios Tupinambá pelos missionários revelou o desejo de produzir e estruturar a consciência do índio, tornar inteligível a sua oralidade, torná-la mais civilizada, o que foi denominado de conversão linguística. Esta conversão é orientada em detrimento da visão de mundo o homem europeu do século XVI e da recepção da obra por seu público leitor. Na visão eurocêntrica, compartilhada no século XVI notoriamente pelos europeus colonizadores, o relato de viagem de Jean de Léry alcançou grande destaque e passou a ser visto como um referencial do que era a realidade no Novo Mundo.

A metodologia das operações plurilíngues realizada por Aryon Rodrigues permitiu que construíssemos uma nova visão sobre a Realia dos índios Tupinambá que habitavam a costa brasileira no século XVI. O tratamento que Aryon Rodrigues propôs ao texto do Colóquio publicado por Jean de Léry, foi objetivo desde o princípio, porque ele estabeleceu uma Crítica produtiva em relação aos trabalhos de tradução e restauração anteriores ao dele. Certamente, isto foi em grande parte possível porque seu projeto de restauração e retradução se encontravam, na época de sua feitura, em uma posição mais privilegiada em relação aos trabalhos publicados por Batista Caetano e Plínio Ayrosa, já que Rodrigues teve acesso a diversos recursos de pesquisa, por exemplo, os dicionários jesuítas publicados sobre a língua Tupinambá. A formação na Linguística e os marcos teóricos de Aryon Rodrigues também são cruciais para a realização deste trabalho.

O projeto etnolinguístico de Aryon Rodrigues, operado através da retradução para o português da língua francesa - que há muito tempo não era retraduzida -, e da língua Tupinambá restaurada contribuiu para que o próprio leitor desta edição brasileira pudesse desenvolver um senso crítico e, ao mesmo tempo, um olhar compassivo sobre o texto do Colóquio, porque a partir do confronto da leitura de ambas retraduções, pudemos identificar as operações de tradução descritiva e tradução etnocêntrica de Jean de Léry, além de estabelecer que eles foram necessários para lidar com o estranhamento dos elementos extralinguísticos presentes na estrutura textual do Colóquio entre as gentes do país. A partir da análise destas retraduções de Aryon Rodrigues, inseridas nas operações plurilíngues, podemos concluir que "retraduzir não é substituir nem tampouco suceder, mas acrescentar, pluralizar. Entendemos que o espaço da retradução é um espaço de coexistência, e não de

substituições" (MATTOS, 2014:52). Neste sentido, podemos concluir que o estudo do projeto etnolinguístico de Aryon Rodrigues contribuiu significativamente para uma mudança de olhar sobre o missionário europeu e a sobre o índio Tupinambá do século XVI, tendo em vista que suas retraduções nos remeteram aos primórdios da colonização europeia da nação brasileira, nos proporcionando uma visão dos aspectos sociais e culturais presentes na época, através de uma ressignificação do discurso do índio Tupinambá do século XVI.