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AS OPERAÇÕES PLURILÍNGUES DE ARYON RODRIGUES PARA UM CONHECIMENTO

TUPINAMBÁ RESTAURADO

vocábulos desta língua que foram incorporados à língua portuguesa falada no Brasil, principalmente aos topônimos95. Esta escolha da grafia jesuítica também tem o objetivo de facilitar o cotejo com as fontes portuguesas de conhecimento do Tupinambá. A restauração da língua Tupinambá original é aplicada em todos os 212 diálogos do Colóquio, sem exceção. 96 Vejamos a seguir o diagrama que representa esta 1ª operação plurilíngue:

Figura 6 - Diagrama da 1ª operação plurilíngue realizada por Aryon Rodrigues Fonte: CESAR, Janaína T. G., 2016

95 Cf. NAVARRO, Eduardo de Almeida. Método Moderno de Tupi Antigo: A língua do Brasil dos primeiros

séculos. 3. ed. São Paulo: Editora Global, 2006.

96

Cf. 4ª operação plurilíngue neste mesmo capítulo.

TUPINAMBÁ ORIGINAL 1580

RESTAURAÇÃO

(grafia adotada pelos jesuítas no séc. XVII)

TUPINAMBÁ RESTAURADO

A língua Tupinambá original reproduzida no Colóquio foi restaurada por Aryon Rodrigues a partir do estudo de fontes documentais dos séculos XVI e XVII, por exemplo, as gramáticas de José Anchieta Arte de grammatica da língua mais usada na costa do Brasil (1595) e de Luis Figueira Arte de grammmatica da língua brasílica (1687), e o manuscrito Vocabulário da língua brasílica (1938) coordenado por Plínio Ayrosa. No prefácio que escreveu especialmente para o Colóquio, intitulado: A contribuição linguística de Jean de Léry, afirma que o texto em Tupinambá original "apresenta uma série de dificuldades, pois a escrita de Léry, embora em geral razoável, é bastante variada na representação de certos sons da língua indígena" (RODRIGUES, 2009:44). Estas representações variadas da língua Tupinambá no texto de Léry impuseram certa dificuldade no processo de restauração, pois Rodrigues trabalha com a restauração a partir das formas mínimas (morfemas) da língua e dependia da identificação destas formas para estabelecer um parâmetro comparativo com as formas da língua Tupinambá descritas nas fontes portuguesas citadas acima. Com respeito à restauração da língua, Rodrigues97 esclarece que introduziu algumas modificações:

a) O trema da grafia jesuítica que marca a ocorrência do som oclusivo glotal (hiato) entre duas vogais foi substituído por um apóstrofo entre essas vogais, por exemplo: [äé] por [a'é]; b) O acento agudo foi substituído pelo til [~] nas vogais tônicas que se situam no fim da palavra, quando precedidas por consoante nasal simples, por exemplo: [amó] por [amõ].

A língua Tupinambá original é identificada no Colóquio pela fonte em itálico e o Tupinambá restaurado é sempre identificado entre parênteses, por exemplo:

Diálogo 183

Emogip-caouin-amo [Faça um pouco de vinho] (eimojýb kauĩ amõ) [Cozinhe um pouco de cauin]

No Tupinambá identificado entre parênteses, podemos observar a mudança da acentuação na vogal tônica precedida pela consoante nasal simples, que foi anunciada no item b: amõ. Assim como neste exemplo, a reprodução do Tupinambá restaurado (entre parênteses) não é sempre uma fiel transposição do Tupinambá original para a grafia jesuítica, Rodrigues (2009:48) afirma que, nestes casos, trata-se de uma "tentativa de formar as frases do Tupinambá original de acordo com as regras da língua observadas nas fontes portuguesas.”.

97

Outro exemplo de restauração baseada nas regras da língua é o do diálogo 11: Erérou dé caramémo "Você trouxe suas malas?", na grafia jesuítica ela seria traduzida literalmente por:

ererúr ndé caramemuã. Porém, Rodrigues acrescentou a partícula interrogativa enclítica -pe98: ererúpe ndé caramemuã, porque ele acredita que ela tenha sido omitida por um

descuido na composição tipográfica do Colóquio, já que ela aparece em todos os outros diálogos.

A partir dos exemplos que apresentamos para a análise desta operação plurilíngue, podemos perceber que há nela um caráter maleável, porque Rodrigues, apesar de estabelecer uma tendência para o seu projeto de restauração, que é a grafia jesuítica, ele não se prende a uma única fonte documental para realizar este trabalho, recorrendo até mesmo a um manuscrito de autoria anônima que foi coordenado por Ayrosa, o que demonstra o caráter produtivo da crítica de Rodrigues aos trabalhos de outros linguistas; isto elimina a possibilidade de que as Críticas que ele tenha feito à Ayrosa, a respeito da restauração da língua Tupinambá e sua respectiva tradução, sejam influenciadas por um conflito de interesse, no caso, promover sua restauração e sua retradução do mesmo texto. Isto demonstra que Aryon Rodrigues não trabalha em seu próprio interesse, mas no interesse do desenvolvimento de um conhecimento linguístico.

A 2ª operação plurilíngue de Aryon Rodrigues consiste na tradução literal do texto de Léry em língua francesa do século XVI, para o português atual. Após analisar o conteúdo gramatical desta tradução literal operada por Rodrigues, compreendemos que ela se aproxima do conceito de Francis H. Aubert (1987:15), a que "mantém uma fidelidade semântica estrita, adequando, porém a morfossintaxe às normas gramaticais da língua de chegada", que seria o que John C. Catford define como uma tradução sintagmática (grupo a grupo). Esta operação tradutória é o método adequado para preservar a fala dialógica coloquial da tradução em francês reproduzida no Colóquio, pois é elaborada a partir do conteúdo contido na forma da língua, e que resulta em um plano semântico, portanto, não se excede na interpretação do original em prol de uma adaptação (CATFORD,1980:28), como também não se limita à ordem da palavra, haja vista que a literalidade sintática pode reverter inteiramente a restituição do sentido e conduzir a tradução diretamente ao nonsense (BENJAMIN, 2008:62). Esta tradução literal proposta por Rodrigues permite o contato do leitor brasileiro com a

interpretação dada em francês ao Tupinambá original (1580). Veja no diagrama a seguir, a ilustração da 2ª operação plurilíngue de Aryon Rodrigues:

Figura 7 - Diagrama da 2ª operação plurilíngue realizada por Aryon Rodrigues Fonte: CESAR, Janaína T. G., 2016

A operação ilustrada acima se configura também como a primeira retradução realizada por Rodrigues para o Colóquio. Porém, esta retradução possui um perfil diferenciado em relação ao conceito de retour [retorno] ao original discutido por Yves Gambier: a tradução