• Nenhum resultado encontrado

Entre 1927 e 1929, as conferências e os livros de Deodato de Moraes e de Porto- Carrero passariam a ser referências para aqueles que procuravam se apropriar da teoria psicanalítica. Relacionando psicanálise e educação, os autores observavam que os desafios encontrados pela pedagogia poderiam ser solucionados pela via psicanalítica. Porto- Carrero, apresentando o livro de Deodato de Moraes, afirmou:

A psicanálise vem resolver os fundamentos da pedagogia; alguma pedra há de ficar de pé (...). Freud vem mostrar que o psiquismo merece ser estudado, antes de educado, e que não é possível submeter a todos à mesma craveira, ou construir homens em serie, como faz Henry Ford aos seus automóveis (...). Os professores que amam a infância, os educadores que amam a sua pátria muito terão lucrado se lerem e meditarem as páginas que seguem (PORTO-CARRERO, 1927, p. 7).

Para Deodato de Moraes (1927), a sociedade seria a maior interessada em controlar o desenvolvimento completo da necessidade sexual da criança para que essa atingisse certo grau de maturidade social, pois atingido esse ponto a tarefa educacional se tornaria mais simples:

A missão, pois, de refrear essa avalanche de impulsões e de desejos não é coisa fácil: ela exige um conhecimento bem profundo da natureza infantil e só a psicanálise pode dar a descoberto as suas tendências ocultas, decifrar o simbolismo com que vêm aureoladas, traçar com firmeza a estrada a percorrer (MORAES, 1927, p. 19).

Obviamente, nem todos concordavam com as opiniões expressas por tais autores. O educador paulista Renato Jardim era um dos que criticavam alguns pontos sobre a aplicabilidade da psicanálise à educação. Para ele, o problema estava em que a psicanálise não colocava em questão nenhum dos problemas principais da educação: os fins (a educação como eminentemente social) e os meios (processo de ensino):

A Psicanálise, com o apriorístico das suas interpretações, com as arrojadas hipóteses não verificadas em que se ergue, com o espírito místico em que imerge e de que se nutre, não será jamais a orientadora da educação. Não há no momento e não se prenuncia uma “pedagogia psicanalista”(JARDIM, 1931, p. 6).

Durante toda sua argumentação, Renato Jardim (1931) afirmou que seria uma incoerência aplicar a psicanálise à educação:

Mais vale para o êxito na obra educacional que ao educador assista acabada crença na perfectibilidade humana, que não conceba ele à humanidade, irremediavelmente, infecto lodo. Antes sonhe o educador com as azas de Ícaro, que o levem a pararmos azuis e iluminados, que encarcere ele o pensamento em sombrias cavernas, onde tudo são duendes, onde tudo invocação do espírito das trevas. Antes o idealismo sonhador! Antes ao educador inspire a visão alentadora da estatura de Ariel, que para a sua obra tenha ele os olhos postos na imagem de Astartéa! Tenhamos a coragem de dizer: não se elabora

uma pedagogia psicanalítica. A educação nada tem a esperar da Psicanálise... (JARDIM, 1931, p. 185).

Existiu, como se vê, um debate sobre os aspectos positivos e negativos da aplicação da psicanálise à educação, ainda nas primeiras décadas do século XX no Brasil. Entretanto, não nos aprofundaremos aqui em tal questão, merecedora de um novo esforço analítico em outro espaço de discussão.

Referências bibliográficas

ABRÃO, Jorge Luís Ferreira. As contribuições de Julio Pires Porto-Carrero à difusão da psicanálise de crianças no Brasil nas décadas de 1920 e 1930. In: Memorandum, nº 20, 2011.

___________. As Influências da Psicanálise na Educação Brasileira no Início do Século XX. In: Psicologia: Teoria e Pesquisa, volume 22, número 2, pp. 233-240, 2006.

AYROSA, Carneiro. O alcoolismo – suas raízes psicológicas segundo a psicanálise. In: Arquivos Brasileiros de Higiene Mental, ano VII, nº 1, janeiro-março de 1934, p. 17-26.

CAMPOS, Murillo. Febrônio à luz da psicanálise. In: RIBEIRO, Leonídio. Homossexualismo e endocrinologia. Rio de Janeiro: Livraria Francisco de Assis, 1938, p. 128-132.

FACCHINETTI, Cristiana. Deglutindo Freud: história da digestão do discurso psicanalítico no Brasil 1920-1940. Tese de doutorado apresentada ao curso de Pós Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2001.

FRY, Peter. Direito Positivo versus Direito Clássico: psicologização do crime no Brasil no pensamento de Heitor Carrilho. In: FIGUEIRA, Sérvulo Augusto. Cultura da Psicanálise. São Paulo: Brasiliense, 1985.

JARDIM, Renato. Psychanalyse e educação. Resumo comentado da doutrina de Freud e critica de sua aplicabilidade à educação. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1931.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. Vocabulário da psicanálise. São Paulo, Martins Fontes, 10ª ed., 1988.

MAGALDI, Ana Maria Bandeira de Mello. Combatendo a “arte de perverter” e ensinando a de “modelar espíritos”: lições de psicanálise para educadores (anos 1920/30). In: TEIAS: Rio de Janeiro, ano 2, nº 4, jul/dez 2001.

___________. Lições de casa: discursos pedagógicos destinados à família no Brasil. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2007.

MOKREJS, Elisabete. A psicanálise no Brasil: as origens do Pensamento Psicanalítico. Petrópolis-RJ: Vozes, 1993.

___________. Psicanálise e educação – Julio Pires Porto-Carrero e a pedagogia eugênica na década de trinta no Brasil. In: Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, nº 15, v. 1, 5-15, 1989.

MORAES, Deodato de. Psicanálise e Educação. Rio de Janeiro: Mendonça, Machado e Cia, 1927. 144 p.

OLIVEIRA, Carmen Lucia Montechi Valladares de. Os primeiros tempos da psicanálise no Brasil e as teses pansexualistas na educação. In: Ágora – Estudos em Teoria Psicanalítica, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, jan-jun. 2002.

PERESTRELLO, Marialzira. Primeiros encontros com a psicanálise no Brasil (1899- 1937) – Os precursores do Movimento psicanalítico. In: Encontros: psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1992.

PONTE, Carlos Fidelis da. Médicos, psicanalistas e loucos: uma contribuição à história da psicanálise no Brasil. Dissertação de Mestrado. Escola Nacional de Saúde Pública / Fundação Oswaldo Cruz. Outubro de 1999.

PORTO-CARRERO, Júlio Pires. Aspectos clínicos da psicanálise. In: Arquivos Brasileiros de Neuriatria e Psiquiatria, III e IV trimestres, 1926.

___________. Bases da educação moral do brasileiro [1928a]. In: Grandeza e Misérias do Sexo. Rio de Janeiro: Pongetti, 1934. 190 p.

___________. Educação e psicanálise [1926]. In: Ensaios de Psicanálise. 2ª ed. Rio de Janeiro: Flores & Mano, 1933a.

___________. Educação sexual. In: Arquivos Brasileiros de Higiene Mental, ano II, nº 3, Dezembro de 1929, p. 120-133.

___________. Introdução. In: MORAES, Deodato de. Psicanálise e Educação. Rio de Janeiro: Mendonça, Machado e Cia, 1927. 144 p.

___________. O abortamento legal. In: Grandeza e Misérias do Sexo. Rio de Janeiro: Pongetti, 1934.

___________. Profilaxia dos males da emoção [1928b]. In: Grandeza e Misérias do Sexo. Rio de Janeiro: Pongetti, 1934.

___________. Psicanálise de uma Civilização. Rio de Janeiro: Guanabara, 1933b. 241 p.

RAMOS, Arthur. A educação física elementar. In: Arquivos Brasileiros de Higiene Mental, ano VII, nº 1-2-3, janeiro-setembro, 1935, p. 3-12.

REIS, José Roberto Franco. Higiene mental e eugenia: o projeto de "regeneração nacional" da Liga Brasileira de Higiene Mental (1920-30). Dissertação de Mestrado.