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o médico Eduardo Rabelo e as prescrições liberais no combate à lepra no Brasil

Dilma Cabral*

Introdução

Um dos mais importantes periódicos médicos do Rio de Janeiro – o Brasil-Médico – publicava,em editorial do dia 19 de junho de 1920, pesadas críticas ao novo regulamento sanitário brasileiro e à criação do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), órgão subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que vinha substituir a Diretoria Geral de Saúde Pública.1 A instituição do DNSP representava o êxito da campanha pelo

saneamento dos sertões, capitaneada pela Liga Pró-Saneamento e que tivera na figura de Belisário Penna seu representante mais emblemático. Ainda que a principal reivindicação tivesse sido a criação do Ministério da Saúde Publica, o estabelecimento de um órgão nos moldes do DNSP foi considerado o início da nacionalização das políticas de saúde e saneamento no Brasil.

O novo departamento apresentava uma estrutura administrativa bastante complexa e sob sua responsabilidade ficava uma ampla rede de serviços sanitários, o que ampliava o poder de atuação do governo federal no âmbito dos estados. As atividades do DNSP seriam distribuídas por três diretorias - a dos Serviços Sanitários Terrestres na Capital Federal, a de Defesa Sanitária Marítima e Fluvial e a do Saneamento e Profilaxia Rural. Na

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Dilma Cabral, Doutora, pesquisadora do Arquivo Nacional e supervisora do programa de pesquisa Memória da Adminsitração Pública Brasileira-Mapa.

1 O NOVO REGULAMENTO SANITÁRIO. Brasil-Médico, Rio de Janeiro, ano 34, n. 2, 19 de junho de 1920, p. 395. O regulamento sanitário foi aprovado pelo Decreto n. 14.189, de 26 de maio de 1920, substituído pelo Decreto nº 14.354, de 15 de setembro de 1920, modificado pelo Decreto nº 15.003, de 15 de setembro de 1921 e, finalmente, foi novamente alterado pelo Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923.

Secretaria-geral funcionariam os serviços diretamente subordinados ao diretor do novo Departamento: fiscalização do exercício da medicina, farmácia, arte dentária e obstetrícia; estatística demógrafo sanitária; engenharia sanitária; fiscalização dos esgotos e de novas redes; profilaxia contra a lepra e contra as doenças venéreas; hospitais de isolamento, higiene e assistência medica à infância. Assim, tornada a saúde um problema público e nacional, o governo federal trouxera para si, em parceria com os estados, o controle de doenças que até então não haviam sido objeto de sua ação como a lepra, as doenças venéreas e a tuberculose.

Elaborado pelo médico Carlos Chagas, nomeado também para dirigir o recém criado DNSP, a principal questão apontada pelo editorial do Brasil-Médico seria, justamente, o lugar que o saneamento rural ocupava neste novo regulamento sanitário. Foi a dimensão que esta questão alcançou no final da década de 1910, pela constatação da premência de ações que melhorassem a situação sanitária da população rural do país e da necessidade da ampliação da presença do Estado, que levou à apresentação de um projeto criando o Ministério da Saúde Pública.2

Segundo o periódico, a miséria e o abandono da população rural haviam evidenciado que o país carecia de uma reorganização dos serviços sanitários existentes, orientada para redução de sua burocracia e ampliação de seus quadros técnicos. Este rearranjo permitiria a aplicação do máximo de esforço no saneamento das áreas rurais, até então relegada pelo sorvedouro de verbas e pessoal em que se transformara o serviço de higiene da capital federal. No entanto, o que se havia verificado com a criação do DNSP foi o aumento da estrutura que atenderia a cidade Rio de Janeiro, como a criação de novos serviços como a profilaxia da lepra e doenças venéreas, a da tuberculose e a assistência à infância. Este primeiro editorial do Brasil-Médico seria seguido de outros em que o periódico servia de tribuna para aqueles que discordavam das orientações estabelecidas no novo código sanitário e o combate das doenças previstas na regulamentação do DNSP.

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O projeto foi apresentado pelo médico Azevedo Sodré, professor de patologia interna da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, da qual foi diretor em 1911-1912. Sodré foi diretor-fundador de O Brazil-Medico e um dos fundadores da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro e integrante da Liga Pró- Saneamento. Além de ter atuado nas principais questões que envolveram a classe médica de seu período, Azevedo Sodré teve atuação destacada na política, tendo sido prefeito do Distrito Federal (1916-1917) e deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro. Cf.<

Em torno do debate – sobre a reorganização dos serviços sanitários federais e a criação do DNSP – é que o estabelecimento da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas e as prescrições profiláticas para o controle da doença no Brasil sofreriam duras críticas. À frente da Inspetoria esteve o médico Eduardo Rabelo, que defenderia as determinações dispostas no regulamento sanitário e as medidas executadas pelo órgão ao longo da década de 1920, sendo constantemente censurado por aqueles que foram derrotados no embate que se tornara a questão do isolamento e o tratamento do leproso no período. Será a partir da trajetória profissional de Eduardo Rabelo que procuraremos discutir as bases em que se estruturou a política brasileira de combate à lepra a partir de 1920, quando a doença tornou-se um problema sanitário federal.

A partir das posições assumidas por Rabelo no cenário médico-científico, teremos chance de perceber a historicidade do conceito de lepra e do argumento que colocava o isolamento como a única alternativa profilática para o seu controle. Recompor os embates travados por Eduardo Rabello à frente da Inspetoria de Profilaxia da Lepra permite-nos analisar o modo como se desenvolviam as discussões médicas em torno da contagiosidade da doença, bem como problematizar o seu conteúdo, cuja consolidação ajustava-se à política pública que a década de 1930 acabaria por erigir.

História e narrativa biográfica: Eduardo Rabelo e o problema da lepra no