• Nenhum resultado encontrado

Ao finalizar este trabalho, cabe reafirmar que o brincar se apresenta como uma atividade inovadora para o desenvolvimento da criança, pois possibilita um jogo duplo que acontece entre exercitar no plano imaginativo capacidades de planejar, imaginar, representar papéis e situações cotidianas; e o caráter social das situações lúdicas, os seus conteúdos, bem como as regras que são inerentes a essas situações.

O brincar cria um espaço de representação simbólica que, segundo Vygotsky, surge no gesto que adquire significados, comunicando suas vontades, necessidades e interesses e que, pelas interações, transforma-se num signo independente, ou seja, a criança passa a se apropriar da linguagem como um instrumento simbólico.

A escola, ao incentivar e possibilitar espaços e condições para que o brincar aconteça e proporcionar uma intervenção pedagógica intencional, desencadeia e promove o processo de aprendizagem e desenvolvimento psíquico. Neste caso o professor tem o papel explícito de interferir neste processo, diferente das situações espontâneas nas quais a criança aprende por imersão em um ambiente cultural.

Infelizmente as possibilidades de brincar que hoje são oferecidas às crianças de zero a dez anos, especialmente nas escolas em geral, têm se extinguido, seja em relação à oferta do tempo, à qualidade e à quantidade dos materiais – como brinquedos e objetos – seja, sobretudo em relação à qualidade da mediação pela qual esta atividade é realizada, deixando de auxiliar no alargamento da sua dimensão humana.

A questão a ser pensada é “que efeitos poderão ser observados na humanização das crianças caso não sejam possibilitados a elas espaços e tempos para que possam, por meio do brincar genuíno alçar níveis mais elevados de desenvolvimento humano”?

Sem a pretensão de oferecer uma resposta, me aventuro a expor algumas reflexões sobre esta questão, tendo como base a investigação realizada. Se pensarmos que as crianças passam a maior parte da sua infância na escola, é possível considerar

este espaço como um reduto possível para as manifestações do brincar. Por conseguinte, pensar a infância de zero a dez anos é pensar na “escola como um lugar privilegiado da infância”. A infância não termina quando a criança completa 6 anos de idade. Esta confirmação foi dada pelas próprias crianças da escola, de 6 a 14 anos, que declararam que brincam e que não poderiam parar de brincar, mesmo na escola.

Pode-se dizer que as crianças possuem uma forma bem particular de significar os seus brincares, e, apesar de definirem a possibilidade concreta de brincar como uma forma de diversão, alegria, festa; elas também afirmaram que “brincar é um modo de dizer que não é uma brincadeira”. Quando a menina Adriana de 12 anos fez esta afirmação, ela estava definindo o conceito de brincar como algo que não se pode traduzir em palavras, e de certo modo transmitia o seu recado de que ”brincar é coisa séria”.

Segundo os estudos que fundamentaram este trabalho, a criança tenta compreender, interpretar e até mesmo modificar a realidade que a circunda por meio do brincar, mesmo que esta atividade aconteça num nível imaginário. Então o brincar é traduzido nas mais diferentes linguagens, das quais fazem parte o corpo, o gesto, as falas, as ações, os desenhos, a escrita, o comportamento, as emoções, as confissões, os conceitos, o raciocínio, entre outras tantas manifestações infantis. Muitas vezes, nem mesmo a criança entende o que está sentindo, mas expressa as impressões envolvidas neste sentimento, pelo brincar. E foi por meio da observação desta atividade que se desenvolvia na escola, que pude perceber outras questões emergindo, tais como: a relação de poder entre os grupos, a questão de gênero, a sexualidade, o preconceito. Todas estas questões permearam as relações entre as crianças e entre estas e os adultos, sendo que estes aspectos merecem ser investigados em outros trabalhos. Mesmo sendo estas questões relevantes, neste momento, o foco de interesse da pesquisa era outro, deste modo não foi possível aprofundar tais estudos.

Pelas observações realizadas no cotidiano escolar e pelos depoimentos das próprias crianças, foi possível compreender que o “brincar” é um jeito de ser criança, é uma das muitas especificidades da infância. As crianças traduzem o brincar como uma forma de expressar-se, que nem sempre é consentida, ouvida ou mesmo valorizada.

Portanto, pode-se dizer que a criança brinca, muitas vezes apesar da escola, e encontra modos de manifestar-se, de aprender e se desenvolver.

É possível afirmar que a atividade do brincar está presente na Escola Amarela, não só porque as crianças brincam, mas porque alguns professores e a direção da escola desenvolveram discussões sobre esta temática desde a sua implementação e defenderam esta prática na formulação do projeto político pedagógico. Deste modo tornaram o brincar presente na cultura desta escola, o que se manifesta na construção diferenciada do prédio, no tempo do recreio e no uso do parque por todas as crianças.

No entanto, para que este conjunto de condições exerça sua força motivadora sobre a aprendizagem e desenvolvimento das crianças, é preciso compreender quais mediações estão ocorrendo. Constata-se, dessa forma, que tais condições não são suficientes para garantir que o brincar aconteça na escola de modo integrado às propostas pedagógicas, cumprindo efetivamente sua função no desenvolvimento do psiquismo. A manifestação de resquícios de uma cultura escolar tradicional, aliada às dificuldades operacionais da escola e também a uma formação incipiente dos professores quanto a esta temática são algumas das dificuldades constatadas. Em outras palavras, não basta a escola, de certo modo ter a intenção de promover o brincar, é preciso promover um conjunto de ações que favoreçam as condições para que esta atividade aconteça. É importante que haja uma inter-relação entre as políticas de formação proporcionadas pelos órgãos oficiais com garantias de continuidade e manutenção do grupo que desenvolverá o projeto. A gestão do Projeto Político- Pedagógico da escola é feito com pactos e acordos de diversos níveis e não se sustenta com um grupo formado, em sua maioria, por professores substitutos.

Certamente já não é mais possível propor projetos chamados inovadores sem levar em conta os sujeitos que efetivamente vão conduzí-los na prática. Numa formação docente continuada coerente com os propósitos da Escola Sem Fronteiras exige que as reflexões e os estudos sejam constantemente reavivados pelas discussões das práticas cotidianas dos professores. E esta formação também passa pela sensibilização do professor para com a necessidade de aprender a prestar atenção e ouvir o que tem a dizer as crianças.

Assim foi possível verificar que este foi o grande desafio com o qual a escola se deparou e para o final nem sempre dar respostas efetivas, em função da falta de condições para conseguir levar adiante e com êxito o seu projeto inicial.

As crianças dependem muito da ação dos adultos de cederem seu poder, o seu saber para que o outro se emancipe. Os desafios daqueles que defendem a criança na sociedade, ou mesmo na escola são o convencimento de que ela tem direito ao respeito, e, segundo, a tradução na prática de como incorporar este conceito de criança como um sujeito de direitos.

Sabe-se que a escola pode tornar-se um espaço de inesgotáveis possibilidades para a criança. Mas, para que isto se torne realidade, faz-se necessário pensar nas escolas como instituições de meninos e meninas, como um espaço de direitos que deve permitir a vivência da cidadania e da infância.

Tendo por base tais princípios que orientem sua ação, é que o professor passará a desenvolver projetos que também considerem a “voz” da criança, preocupando-se em favorecer aspectos como a participação da criança, seja nas discussões e reflexões que dizem respeito aos seus direitos, seja sobre as decisões da escola de modo geral.