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O PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

1.2 INSTRUMENTOS DA PESQUISA

Com a intenção de conhecer a infância, especialmente o brincar, no cotidiano de uma escola pública, assumi os preceitos defendidos por KUHLMANN de que o que está em pauta não é a inexistência da infância e o direito à mesma, mas sim:

[...] uma perspectiva pedagógica que considera as condições vividas pelas crianças

no interior das instituições educacionais. Qualifica-se o direito: direito a uma infância que não seja explorada, que não seja segmentada” (KUHLMANN apud FARIA;

DEMARTINI; PRADO, 2002:13) (grifo meu).

Esta busca se tornou mais do que uma possibilidade de estudo, se tornou uma inspiração cunhada no movimento da pesquisa, cujo tempo não foi vivido de forma

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Termo cunhado por Ana Lúcia Goulart de Faria, ao prefaciar o livro Por uma cultura da infância:

metodologia de pesquisa com crianças, ao se referir à necessidade de um redimensionamento e uma

construção de outra metodologia para a pesquisa com as crianças, assim tanto a pesquisadora da infância – a criançóloga, – como criancista – a criança que ainda existe dentro dela – transgridem a ordem inventando moda (FARIA; DEMARTINI e PRADO, 2002: ix).

linear numa atividade de causa e efeito, mas numa sofrida e prazerosa catarse que foi expressa pelas crianças, na forma mais original de manifestações do brincar na escola, de maneira que a própria atividade ora coletiva, ora solitária, impulsionava o alargamento da dimensão humana naquelas crianças.

Assim, descreverei os primeiros passos, aqueles que deram o ritmo desta caminhada e foram significando seu contorno.

Os ritos de passagem – estabelecendo os vínculos

Meu trabalho de pesquisa de campo ocorreu durante o período de 25 de novembro de 2002 a 18 de novembro de 2003.

No início, os primeiros contatos foram com a direção para conhecer a escola e realizar o levantamento de dados sobre ela, sendo usada a entrevista com a diretora como instrumento privilegiado, bem como a análise do Projeto Político-Pedagógico elaborado pela escola.

Quando, em 11 de março de 2003, me inseri definitivamente dentro da Escola Amarela, tinha muitas expectativas em relação a este campo da pesquisa, que considerei tão particular.

A curiosidade acompanhou-me nesse momento inicial, quando me sentia ainda uma “Desconhecida16

”. O processo de (re) conhecimento é lento, os dois lados ficam um tanto quanto reservados, se conhecendo por meio de outras linguagens, menos faladas e mais evidenciadas pela postura, pelos olhares, e sinais.

Aos poucos, convivendo com as crianças em todos os tempos e espaços, fui me tornando mais próxima e também uma referência para quando precisavam de alguma

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Esse termo foi usado para identificar a personagem no livro produzido em conjunto com as crianças durante as entrevistas.

ajuda ou mesmo companhia, principalmente no horário do recreio17, até porque este é o momento de maior descontração na escola.

Quanto à aceitação da minha presença na escola por parte dos adultos, creio que a relação ocorreu dentro do esperado, tendo ciência de que sempre a presença de um observador é um elemento inoportuno por definição18

(RABITTI, 1999:48).

Muito antes de chegar ao campo de pesquisa a minha preocupação era de não interferir no cotidiano da escola, mas este cotidiano é feito de pessoas, de histórias, de experiências, e cada um carrega suas bagagens cheias de marcas da vida. Dentro do que a própria pesquisa permitia, mantive a maior transparência de dados e acessibilidade possível, além da discrição.

O mapa e um jeito de caminhar

Pelo fato de investigar a infância numa instituição de ensino que atende crianças de 6 a 14 anos de idade, os múltiplos instrumentos de pesquisa utilizados auxiliaram a desenhar os contornos desta infância, entrevendo também os seus modos, tempos e espaços de brincar.

Entre eles destaco a pesquisa nos documentos oficiais da escola e da rede, os registros das observações do campo de pesquisa19, as entrevistas semi-estruturadas e as conversas tanto com os adultos quanto com as crianças, as fotografias e os desenhos. Desta forma utilizei estes instrumentos como estratégia de pesquisa, pois com as diferentes fontes de registro de um mesmo fenômeno teria mais elementos para compreender a infância no interior da escola.

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Quando entrei no campo para iniciar as observações, em 11 de março de 2003, na sala dos professores encontrava-se um aviso: “PROFESSOR QUE ESTÁ EM ESTUDO: NÃO ESQUEÇA DE ESTAR NO RECREIO COM AS CRIANÇAS”, mas raramente observei esta prática.

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Para saber mais sobre a relação do pesquisador com o campo de pesquisa ver em: Carvalho (2003), Zago (2003), Mafra (2003), Leite (1996), entre outros.

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O Diário de Campo foi o primeiro instrumento utilizado para os registros ocorridos no cotidiano, e este material esteve presente durante todo o percurso das minhas inserções no campo de pesquisa.

As observações tinham por objetivo conhecer o brincar no cotidiano da escola, buscar informações sobre a jornada escolar, rotinas e acontecimentos ligados à vida escolar do 1o Ciclo e na multi-idade20

, mais especificamente dos grupos de crianças de 6 a 8 anos de idade.

Realizei, primeiramente, um estudo exploratório com o intuito de me aproximar deste cotidiano, construir um primeiro esboço da Escola Amarela e também levantar questões mais específicas que indicassem caminhos que melhor me conduzissem a conhecer “como as crianças significam o brincar na escola”.

Esta estratégia do estudo exploratório aconteceu no período de 11 de março a 3 de abril, durante oito horas diárias em que acompanhei as turmas de seis anos, as de sete anos e as de oito anos, incluindo a reorganização de turmas na multi-idade, nos dois períodos, matutino e vespertino.

Neste momento da pesquisa, ainda não havia uma maior preocupação em definir “o que” observar, pois o interesse era conhecer os “ritos” da escola de que fala Forquin (1993) obter dados que possam auxiliar no entendimento do seu cotidiano.

A impressão que tive foi a de que todos os dias na escola ocorriam de forma exatamente igual: os tempos, as atividades, algumas falas das crianças e dos adultos, e, principalmente, as brincadeiras.

A minha sensação era a mesma de quando se adentra a noite numa casa onde não há luz: no início tudo é igual, um breu, mas a minha esperança também era a de que, aos poucos, os olhos fossem se adaptando àquela realidade e eu começasse a distinguir algumas formas entre as muitas sombras.

Estas “formas” me indicavam que eu precisava fazer mudanças no planejamento, rever as questões, o objetivo, e principalmente voltar ao referencial teórico para que este iluminasse estas sombras.

Recuperando a curiosidade e junto com ela a busca pelo estranhamento, comecei a fazer algumas questões com relação ao que para mim já era o habitual, então, comecei a questionar a minha própria miopia: por que as crianças menores estão brincando pouco no parque? Quem brinca no parque? Por que estão separadas

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as crianças maiores das menores? As crianças brincam juntas em algum momento? Ou nunca brincam juntas? A metodologia eleita permitiu esta visibilidade, pois ela me provocava a registrar e registrando repensava os modos e as cenas que presenciava na escola.

Tomando por base estas questões pude com mais propriedade discernir o que era significativo investigar, e a partir daí um itinerário foi cuidadosamente pensado para que auxiliasse a encontrar o caminho para prováveis respostas ao problema referendado. Deste modo os eixos que reconduziram as observações foram os seguintes:

1. Como a escola vem tratando a infância, mais especificamente o brincar? 2. De que forma a escola conduz as manifestações do brincar no seu

cotidiano?

3. Existe um planejamento na escola para as atividades lúdicas? 4. Se existe, os adultos incluem ou não as crianças nestas atividades?

5. Como o professor conceitua e trabalha com a atividade de brincar nesta escola?

6. Como o professor traduz as idéias que estão no Projeto Político-Pedagógico na realidade, no cotidiano?

7. Quais as situações em que as crianças se manifestam, e o que manifestam sobre o brincar?

8. De que e com quem brincam? 9. Com o que brincam?

10. Como acontece este brincar?

Para que este itinerário se transformasse em respostas, as observações foram registradas buscando ser fiel aos fatos e fenômenos presenciados, as expressões e manifestações evidenciadas e às falas dos sujeitos envolvidos. Todas as observações foram registradas no caderno do Diário de Campo, posteriormente digitadas, e se

constituíram na única forma de registro das observações acompanhadas no decorrer do ano de 2003.

A seguir iniciei a segunda parte da pesquisa, que foi acompanhar mais sistematicamente as turmas eleitas: uma de seis anos, uma de sete anos e outra de oito anos, no período entre 18 de agosto a 5 de setembro, observando-as durante quatro horas diárias, uma semana em cada turma.

No decorrer destas observações fiz uso de registros fotográficos para que pudesse apreender, da realidade investigada, as imagens que expressavam fragmentos imperceptíveis de um tempo e espaços vividos, e que só as lentes de uma câmera podem detectar.

Neste processo tive a oportunidade de estar muito próxima das crianças em diferentes momentos de sua rotina escolar, como no pátio, na hora de chegada e saída, nas aulas de educação física, nas atividades extracurriculares, no recreio. Aos poucos fui sendo procurada para auxiliar na resolução de conflitos, inclusive, de crianças com quem eu não possuía contato anteriormente, tornando-me uma espécie de referência. Neste caso era procurada para que visse o que sabiam fazer, para conversar ou mesmo para explicar a minha condição na escola.

Depois que deixei de ser a “Desconhecida” dentro do campo, as aproximações com as crianças se estreitaram, principalmente em lugares mais descontraídos como o espaço do recreio, ou mesmo dentro da sala de aula, entre uma troca de olhar, num bilhete contendo alguns sinais ainda por serem decifrados, um sinal indicando que estava tudo bem (o polegar empinado), uma palavra ou sussurro. Desta forma, devagar, respeitando o tempo de cada um, aos poucos, consegui melhorar a relação entre o sujeito pesquisador e o sujeito pesquisado.

Pude, então, não só observar, mas construir vínculos com as crianças, condição para este tipo de pesquisa, como por exemplo, na sala de aula, de forma que, sentada entre elas, iam me “mostrando” a dinâmica daquele espaço, auxiliando-me a compreender “os sinais”. Neste lugar também trocávamos idéias, conversando sobre os acontecimentos que ali observei, e esta “conversa” acontecia nas “frestas”, da forma que conseguíamos aproveitar ou mesmo criar o espaço, e fiz destas oportunidades

momentos de ricas descobertas. O fato de eu ter optado por roteiros semi-estruturados, possibilitou lugar para o inusitado, o excepcional, o singular, como ocorreu muitas vezes, e foi fundamental no decorrer do trabalho.

Também foi na sala de aula que as crianças me entregaram pela primeira vez desenhos: assim que eu abria a folha dobrada, a criança se aproximava, como que para explicar o que havia representado, e ficávamos cochichando por alguns segundos, quando então ela voltava à sua carteira.

Segundo LEITE (1996:82), “[...] quanto maior o leque de opções para a expressão, mais portas abrimos para nossa escuta [...]”. Esta aproximação com as crianças contribuiu sobremaneira para a construção e o delineamento da pesquisa, originando ganhos incontáveis deste vínculo que, aos poucos, foram se mostrando reveladores dos modos, atitudes, jeitos, concepções e contradições dos sujeitos investigados.

1,2,3, gravando – as entrevistas e os desenhos

Como a convivência e as conversas eram tranqüilas na relação entre pesquisadora e pesquisados, este foi o clima que instituiu a base para a entrevista. Conforme nossas conversas e encontros iam acontecendo, fui comentando com as crianças da possibilidade de realizar uma entrevista com algumas delas.

A reação das crianças, num primeiro momento, foi de “estranhamento” – demonstraram uma mistura de sentimentos que iam do deslumbramento (talvez se imaginando na televisão) à desconfiança, insegurança – será que este adulto fala sério?

Conforme os dias iam passando, aumentava o número de crianças que vinham me indagar sobre o que era mesmo que eu tinha dito para o “Fulano”, e rapidinho juntava um bolinho de crianças animadas, curiosas querendo saborear mais aquela promessa de escuta, de atenção. Agiam tão entusiasmadas querendo saber como,

onde, com quem aconteceria, de que forma, que deixavam transparecer não só a ausência da comunicação – do diálogo, mas de um diálogo diferente daquele que ocorre entre os pares de crianças, um diálogo que envolve outras relações, como o adulto e a criança.

Conforme ficavam sabendo o que iria acontecer, tanto a reação, como a curiosidade ia se modificando. A ansiedade e o estranhamento iam dando lugar à tranqüilidade e à confiança, porque já não era mais importante saber como iria acontecer, o foco da curiosidade agora era “o que“ a pesquisadora queria saber.

Uma semana antes da inscrição para a entrevista todos na escola já sabiam o que e como iria acontecer. Muitas crianças tinham certeza de querer participar, outras se mantinham desconfiadas, e algumas crianças pouco sabiam deste acontecimento.

Dias antes da inscrição, coloquei por toda escola folhetos explicativos, nos corredores, nas salas de aula21

, pois a procura para fazer a entrevista estava aumentando muito e apesar de ter desde o início planejado que as crianças se inscreveriam, não podia imaginar que pudesse trabalhar com um número excessivamente grande de crianças. Portanto, delimitei, já no folheto, o número de crianças por turma, para que garantisse um número mais expressivo entre crianças de 6 a 8 anos e outro representativo de crianças entre 9 a 14 anos.

Foram oferecidos às crianças dois momentos para fazerem a inscrição para a entrevista, no início da aula e durante o recreio, tanto no período da manhã como no da tarde, mas muitos não chegaram a tempo, e as crianças encerraram as inscrições antes de começar a aula (nos dois períodos), portanto, nem chegou a ter oferta na hora do recreio.

Fui muito procurada para que justificasse os motivos pelos quais as crianças não poderiam mais se inscrever e quando teriam nova oportunidade, pois muitos ainda queriam participar.

Durante este processo de inscrição houve um fato curioso, particular, distinto. Um menino de 11 anos, portador de deficiência visual durante todo processo de divulgação, me dizia: “você já colocou o meu nome?”, pela sua insistência ele parecia

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bastante disposto a participar. Por motivos que dispensam a prédiga, coloquei o seu nome na lista antes de abrir a inscrição para as demais crianças da escola. A turma à qual pertence o menino me procurou, e “fui à sala deles” resolver o caso. O grupo discutiu e me convenceu de que mereciam ter mais uma vaga, pois a inscrição do menino havia “burlado” o trâmite previsto, e foi o que aconteceu.

Antes de agendar o horário e local da entrevista, fui conversar com a direção, no sentido de aliar os interesses da escola e da pesquisa e interferir menos possível no cotidiano da escola. A diretora ponderou que seria melhor que as crianças, em número de três ou quatro, conforme tinham se inscrito, saíssem da sala para fazer a entrevista. Estudamos juntas, também, qual seria o melhor local para realizá-la, e os critérios eram: ser um lugar silencioso e ter o mínimo de interferências possíveis (um lugar de pouca circulação). O lugar escolhido foi um depósito de produtos de limpeza e almoxarifado da escola, que ficava debaixo da escadaria, um cubículo praticamente sem janela (tinha tijolos vazados por onde entrava a ventilação) e com um certo odor de mofo, mas, com a mesa e cadeiras coloridas, cedidas pela turma das crianças de seis anos, o local foi transformado num lugarzinho bastante acolhedor.

Chegado o dia, eu havia elaborado um roteiro22 para que, ao mesmo tempo, conseguisse muitas informações com o máximo de detalhes possíveis, mas com a preocupação de que este processo não melindrasse em nenhum momento as crianças, seja pela pressão, seja pela extensão de tempo, cansaço, falta do lúdico ou de criatividade.

Das duzentas e quarenta e três crianças matriculadas nesta escola, foram ouvidas quarenta e três crianças, e deste total: dezoito são meninas, e vinte e cinco são meninos, com idades variando de 6 a 14 anos, conforme evidenciam as Tabelas abaixo.

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TABELA 1.1. HISTÓRICO DAS CRIANÇAS ENTREVISTADAS. CRIANÇAS ENTREVISTADAS IDADE 6 7 8 9 10 11 12 13 14 SEXO F M F M F M F M F M F M F M F M F M NÚMERO DE CRIANÇAS 3 9 4 4 2 3 2 2 1 3 1 2 3 2 0 1 0 1 TOTAL 12 8 5 4 4 3 5 1 1

Fontes: Secretaria da Escola Amarela e ficha de inscrição para entrevista.

TABELA 1.2. DEMONSTRATIVO DO NÚMERO DE MATRÍCULAS E DE ENTREVISTADOS POR TURMA.

HISTÓRICO DAS CRIANÇAS MATRICULADAS NA ESCOLA DOZE (43) SEIS SETE OITO NOVE DEZ ONZE

DOZE TREZE QUATORZE NÚMERO DE CRIANÇAS POR TURMA 48 30 26 35 30 31 41 1 1 ENTREVISTADOS 12 8 5 4 4 3 5 1 1

Fontes: Secretaria da Escola Amarela e ficha de inscrição para entrevista.

Conforme consta no registro das entrevistas, às 7h48 entrou o primeiro grupo de crianças para a “entrevista”.

Inicialmente coloquei às crianças, que eu estava ali para conhecer como acontecia o brincar nesta escola e esta era uma pesquisa que serviria para outras pessoas conhecerem a forma como eles brincavam. Informei a eles que estaríamos

fazendo um levantamento das brincadeiras que eles conheciam. Expliquei que eu queria conhecer como acontecia o brincar nesta escola, pois esta era uma grande curiosidade minha, disse-lhes que havia notado que inventavam muitas brincadeiras, e que eu só olhando não entendia como ela funcionava, como o exemplo de uma brincadeira chamada de “caça-vampiro23

” que eu via crianças correndo, fazendo uns sinais, falando sobre sangue, e não entendia nada e que só fui entender depois que as próprias crianças me explicaram como era.

Completei dizendo que, se estas brincadeiras estivessem registradas, elas poderiam servir tanto para os seus colegas aprenderem como se brinca, como para ensinar outras turmas que ainda virão para esta escola brincar como eles brincavam no ano de 2003. Assim, sugeri a produção de um livro, que seria editado, encadernado e ficaria na escola onde todos teriam acesso a ele.

Depois do “convite”, expliquei como aconteceria este trabalho, em seguida dei algumas dicas sobre o gravador, como falar em tom de voz normal, um de cada vez, direcionando a voz para onde está o microfone, sobre a escolha de um nome fictício que eles mesmos inventaram para constar no registro, entre outras coisas.

Após este preâmbulo, conversamos sobre as brincadeiras que elas faziam na escola e, em seguida, pedi para que registrassem em uma fichinha aquelas que lembravam ou as que eram mais significativas para eles. A seguir, as crianças leram esta lista e escolheram entre as brincadeiras mencionadas (se estavam em três crianças, e duas, se estivessem em quatro crianças) aquela que era a melhor de se brincar e registrassem passo a passo como se brinca, e assim o fizeram.

Depois, sugeri que desenhassem a brincadeira, pois era uma outra forma de explicá-la. Assim, ofereci uma variedade de materiais para realizar esta atividade, pois percebi em sala de aula que estas crianças só têm acesso (quando têm) ao lápis preto e à borracha. Deste modo coloquei à disposição deles lápis de cor com 36 cores, giz de cera de formas e cores bem diversas, lápis de cor aquarelado, tudo isto para que servissem também de estímulo para o desenho.

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Mesmo com este material houve casos em que algumas crianças maiores optaram por não desenhar, outras utilizaram um tempo maior para a entrevista, e outras não fizeram o desenho em função de estar na hora do recreio ou de já estar chegando o horário de irem embora.

No decorrer deste trabalho conversamos o tempo todo sobre tudo o que estava fazendo, e, quando iniciamos efetivamente a entrevista, o clima já era de completa descontração. A conversa fluía, falavam tudo o que eles queriam dizer e sobre o que eu, precisava conhecer. Neste clima havia espaço para o silêncio, para as pausas, para os risos coniventes, para os nãos definitivos, para os sinais que indicavam que não tinham nada para falar sobre a questão ou ainda que, não queriam falar. Enfim, “dar voz” à criança é também dar tempo para que esta voz se constitua no discurso e no decorrer dos diálogos se expresse sobre o que lhe é próprio. No final todos passavam pelo mesmo ritual, que era rebobinar um pouco a fita e ouvir a própria voz.

Com relação às brincadeiras, aquelas que as crianças relataram no momento