• Nenhum resultado encontrado

Considerações finais sobre o capítulo

Cada grupo social é marcado por mudanças nas formas de pensar, agir e desenvolver sua cultura e sua tecnologia. Logo, ao realizarmos essa breve trajetória da representação da figura humana, foi possível identificar claramente, através das pinturas e das esculturas de homens e mulheres que, muito mais do que serem formas de representação da aparência humana, estas refletem diretamente o contexto em que o artista estava inserido. O professor Danilo Di Manno de Almeida, da Universidade Metodista de São Paulo (Corpo e Imagem), afirma que cada cultura produz e carrega suas imagens, sendo essas produzidas à sua semelhança. Desta forma, tal como o texto sobre a criação do homem em Gênesis, que diz: “façamos do homem à nossa imagem e semelhança”, a cultura projeta suas criações deixando evidente que ela concebe o corpo humano em consonância com a sua própria imagem e semelhança. Assim, o homem aparece no espelho da cultura, sendo produzido e objetivado por ela.

Desta forma, podemos perceber, ao realizarmos esta análise da história da representação da figura humana, que sempre dois aspectos estão atrelados a uma determinada manifestação artística e que podem ser identificados em uma dada representação: os valores materiais e os valores sociais e culturais.

Os valores materiais estão diretamente relacionados com a capacidade do artista em representar a realidade, o que inclui o domínio de novas técnicas, materiais e habilidades que só são adquiridas e conhecidas graças ao aprimoramento contínuo que a arte sofre de uma época para outra. Exemplo disso pode ser visto claramente comparando-se, por exemplo, a estatuaria egípcia com a grega, observando que o acabamento desta última é muito superior ao da primeira. No entanto, não se pode dizer que uma é pior que a outra, pois as obras foram realizadas de acordo com os recursos técnicos e artísticos disponíveis em cada momento, segundo seus respectivos valores materiais e sócio-culturais.

Já os valores sociais e culturais referem-se aos costumes, mitos, hábitos e formas de pensar presentes em uma determinada sociedade e que estão expressos em uma dada representação. Isto pode ser identificado claramente na Idade Média, época em que há pouca presença da representação de figuras humanas, pois os cristãos consideravam que somente Deus poderia dar vida à forma humana, desvalorizando assim a produção de figuras humanas bi e tri dimensionais.

Logo, ao término deste capítulo, além de constatarmos esses dois aspectos fundamentais e iniciais e que envolvem a questão da representação da figura humana, pudemos identificar outras peculiaridades e que são de total importância para o desenvolvimento deste trabalho.

Ao realizarmos essa breve trajetória artística, pudemos perceber que, até o século XIX, a arte estava preocupada em fazer uma representação da figura humana que se aproximasse o mais fielmente possível da realidade. Sendo assim, independentemente da ideologia presente no momento, percebe-se a busca pelo realismo cada vez maior das representações.

Entretanto, essa preocupação em representar a realidade o mais fielmente possível sofrerá o impacto do surgimento da fotografia. A possibilidade de registrar a realidade ao invés de pintá-la ou esculpi-la libertará o artista do academicismo, dando origem a novos movimentos artísticos no século XX, que apresentarão propostas inovadoras tanto no campo da pintura quanto da escultura. Neste período, a arte figurativa irá perder seu espaço, tendo seu maior radicalismo observado no movimento abstracionista, em que nenhum vestígio de representação da realidade será encontrado.

A partir da década de 60, no entanto, irá se constatar claramente uma volta ao interesse da representação figurativa, que poderá ser visto inicialmente através da Pop Art e que irá adquirir maior intensidade a partir do Novo Realismo, movimento criado e liderado pelo crítico Pierre Restany, e pelo Hiperrealismo,

1977) e que será trabalhado no capítulo seguinte.

Podemos, a partir dessas considerações, realizar algumas análises iniciais a respeito de nosso objeto de estudo: as mulheres criadas a partir dos recursos digitais.

Assim como a pintura, a escultura, a fotografia e o registro em vídeo de uma imagem humana, as mulheres digitais também são formas de representação do ser humano, inseridas em um determinado contexto histórico. Como exposto anteriormente, a representação está atrelada tanto às possibilidades oferecidas pelos recursos técnicos quanto pela ideologia presente em cada cultura. Sendo assim, as figuras femininas criadas digitalmente só são possíveis de serem realizadas devido à quantidade de recursos digitais disponíveis atualmente.

Logo, o artista da computação gráfica, assim como um escultor barroco ou um pintor romântico, se vê diante de possibilidades e também de dificuldades de nível técnico para representar a figura feminina. Além disso, se a preocupação em representar a realidade da maneira mais fiel possível preocupou grande parte dos artistas durante um determinado momento da história da arte, isto também pode ser constatado hoje com as figuras femininas criadas digitalmente que apresentam aspectos que, por serem tão próximo ao da realidade, por vezes confundem o olho do espectador. Estas figuras poderão ser vistas no capítulo IV.

Nestes simulacros femininos também podem ser identificadas características do contexto atual que estamos vivendo, tanto no que se refere à aparência quanto também ao comportamento. Nesse sentido, assim como os artistas neoclássicos retratavam figuras humanas, com aspectos e características que simbolizavam a nobreza e refletiam diretamente o momento que se presenciava, os artistas da computação gráfica criam imagem femininas de acordo com os valores sociais e culturais de grupos atuais.

No entanto, só é possível mostrar como essas novas representações da figura feminina sofrem forte influência do contexto em que estão inseridas se tivermos como referência outras épocas da história e seus respectivos suportes. Além disso, a partir deste capítulo, será possível estabelecer correlações e comparações entre as representações de um determinado momento artístico com as mulheres digitais que estão sendo utilizadas atualmente na comunicação visual.

Segundo o Moderno Dicionário Enciclopédico Brasileiro (1989), a palavra Hiper é um prefixo, um elemento de composição que significa muito, em alto grau, além. Logo, este prefixo associado ao termo realismo, significa alguma coisa que vai além do realismo. Entretanto, ao expandirmos a sua tradução literal, veremos que o termo hiperrealismo pode servir para designar diferentes elementos que vão além, dependendo do contexto que a palavra está inserida.

Gilles Lipovétsky (2000), por exemplo, afirma que estamos vivendo em uma sociedade hiperreal, marcada pelo excesso de informações, de imagens e de consumo. A palavra, dependendo do contexto, pode adquirir diferentes significados, que apresentam características muito particulares.

No entanto, longe de entramos em uma discussão mais aprofundada sobre os significados para hiperrealismo, o capítulo a seguir abordará especificamente o hiperrealismo na arte. Isso ocorre pelo fato de que a tendência de arte hiperrealista, que surge na Europa e nos Estados Unidos na década de 60, apresenta como princípio básico a representação artística da realidade tal como ela era vista por uma lente fotográfica. Ou seja, no hiperrealismo, devido à excessiva preocupação com os detalhes, um expectador, ao se deparar com uma pintura, poderia achar que se tratava de uma fotografia, ou diante uma escultura, que se tratava de uma pessoa de verdade, por exemplo.

Sendo assim, ao relacionarmos a arte hiperrealista com nosso objeto de estudo, as mulheres femininas digitais no universo da comunicação visual pós-

moderna, verificamos que há atualmente uma preocupação excessiva dos artistas da computação gráfica em produzir mulheres digitais que sejam tão verdadeiras e convincentes quanto às mulheres reais. Constata-se que essa preocupação com o realismo extremado nessas novas formas de representação da figura feminina também estiveram presentes nessa tendência artística, o que aproxima de maneira significativa esses dois pontos.

Conseqüentemente, é importante verificarmos quais as principais características do hiperrealismo, bem como o trabalho de alguns artistas deste período, para que possamos estabelecer correlações entre os trabalhos que puderam ser vistos em galerias de arte e as mulheres digitais estão sendo produzidas atualmente pela computação gráfica e que estão sendo incorporadas à comunicação.