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CASAMENTO E VIUVEZ: UM NEGÓCIO DE FAMÍLIA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As palavras não devem dar a idéia de conclusão, de algo fechado e acabado. A história não é fechada, encerrada, conclusiva. Os resultados apontados ao longo da pesquisa são uma etapa de uma viagem que comecei há dois anos e que pretendo estender a outros estudos.

As mulheres de Juazeiro não se destacaram por terem levantado bandeiras, ter pegado em armas. Foram donas de casa, mães, esposas, que diante do falecimento de seus maridos assumiram a criação do gado, o trato com os escravos, com empregados, com os demais bens e sua família. Enfrentaram, se é possível dizer, o poder da Igreja, do Estado, com suas normas de conduta e exigências e, ainda assim, conseguiram ganhar respeito na medida em que foram empossadas como tutora de seus filhos (na grande maioria delas), cabeça-de-casal e inventariantes dos processos.

Poucas cidades no século XIX nos darão exemplo igual de destaque na figura feminina. Trata-se de uma rara situação. Os motivos que ajudaram que elas se destacassem podem ser a vocação comercial da cidade, a criação do gado, que fez com que os homens estivessem fora por muitos meses seguidos.

Apesar do grau de degradação dos documentos pesquisados e da dificuldade de localizar outros documentos na cidade de Juazeiro que pudessem embasar minha interpretação, estender os limites das histórias narradas sem perder o nexo com o contexto onde as mesmas se desenvolveram. Foram feitas várias tentativas de se conseguir um maior numero de informações sobre estas famílias diretamente nos arquivos do município de Juazeiro e diretamente junto aos descendentes de algumas famílias, mas não obtivemos sucesso. As informações analisadas fazem parte dos inventários, testamentos e das memórias de autores como Pedro Diamantino, João Fernandes da Cunha, Edson Ribeiro e Wilson Lins.

A cidade de Juazeiro esteve sempre à mercê das enchentes do rio São Francisco, das secas, das epidemias que assolaram a região por todo o século XIX. Uma região que assistiu fausto e opulência por conta da criação de gado atraindo criadores e grandes proprietários de terra e que depois passou a enfrentar pobreza, dificuldade e perda de importância no cenário nordestino.

O enfoque da análise foi a vida material, os níveis de riqueza destas viúvas, suas posses, propriedades, elementos geradores de riqueza, de prestígio, poder, o comércio que estas famílias realizaram e as listas de compra que possibilitaram a análise do modo de vida destas famílias, através da descrição de objetos usados no cotidiano, da compra dos gêneros alimentícios e a até das compras feitas para funerais, e sepultamentos. Estas listas provaram ser uma excelente fonte de análise para se entender o cotidiano destas famílias. Como viveram e como viram a morte, aqui representada não só pelo falecimento em si, mas a morte dos maridos, da fonte de manutenção de um status quo, de uma posição naquela sociedade. Não deve ter sido fácil ser uma viúva no século XIX com filhos para criar e toda uma série de satisfações a serem dadas a uma sociedade extremamente repressora.

Outro enfoque foi a estrutura familiar das famílias do sertão, o número de filhos, um segundo matrimônio como forma de prestar contas à sociedade, de ser aceita naquela comunidade e, talvez de amparo, dentro de uma sociedade conservadora, o contexto da viuvez no século XIX.

A busca dessas viúvas por segurança e a luta pela manutenção de status quo, não foi uma empreitada individual, mas fundamentalmente familiar. Diversas foram as estratégias usadas por estas mulheres como o segundo casamento, o pagamento de fiança para obterem a guarda dos filhos, para serem nomeadas cabeça-de-casal. Tudo isso trouxe a tona uma série de estratégias locais, vínculos que nem sempre estiveram restritos apenas às famílias como única unidade de residência, mas a parentela próxima. As famílias se relacionaram, formaram “teias”.

Quando as viúvas continuaram a fazer negócios antes feitos por seus maridos, quando colocaram os filhos mais velhos por perto, ou os nomearam procuradores, estavam fazendo alianças. Estas viúvas sabiam o que estavam fazendo e como podiam continuar o patrimônio deixado pelos seus maridos.

Ao assumirem os negócios deixados por seus maridos estas viúvas conseguiram no mínimo manter o padrão financeiro que já tinham, quando exerceram sua autonomia no comércio, nos empréstimos, na busca do lucro. O grande número de processo examinados leva-nos a acreditar que os pequenos passos e gestos dados por elas foram fundamentais para manter sua condição e de sua família.

Entretanto, não é possível afirmar que estas estratégias visassem a busca pelo poder. Acredito não ser isso possível na sociedade sertaneja do século XIX. Algumas perguntas ficaram sem respostas, mas o que foi apresentado serviu de estímulo para o prosseguimento desta pesquisa e para entender os meandros de uma sociedade tão castigada pela seca, pela enchente, fome e doenças.

O objetivo deste trabalho, portanto, é à luz da história das mulheres, dos estudos de gêneros e de história da família, entender como viveram essas viúvas, como tocaram a vida após a morte dos seus maridos, como conduziram a casa, os negócios, a vida dos filhos, suas vidas numa sociedade conservadora e limitante com a do século XIX. Entender essas viúvas é antes de tudo analisá-las dentro do seu meio, assim foi necessário estudar e entender as atitudes destas viúvas frentes às diversas instâncias de poder na sociedade de Juazeiro, a saber: Igreja e Estado, além do poder masculino, entidades fundamentais na afirmação dos valores culturais relacionados ao mundo feminino vigentes na época.

A principal indagação que este estudo pretende responder é: ao tornar-se viúva esta mulher enquadrou-se nos padrões de uma sociedade dominada pelo homem ou encontrou em seu novo estado civil uma “brecha” para se tornar um agente atuante na sociedade de Juazeiro? No século XIX após a morte do marido, havendo filhos menores, todas as questões envolvendo família- concessão de direitos, inventários, litígios, nomeação de tutores, deveriam ser solucionados pelo Juiz de Órfãos. Assim as autoridades judiciais tinham grande importância na vida destas viúvas. Surge então uma questão: qual teria sido o papel da justiça ao deliberar sobre as questões que envolviam viúvas com filhos órfãos? A concessão de tutela teria sido dificultada pelas autoridades em Juazeiro? Diante das limitações impostas pela lei, as viúvas teriam driblado normas ou teriam sido fiéis às normas estabelecidas? Será que para com os viúvos as regras aplicadas eram às mesmas ou eles gozavam de privilégios?

Pensar na mulher do sertão de Juazeiro no século XIX é entender como se relacionaram, como viveram e quais as estratégias que precisaram usar com a Igreja, com a justiça, com o poder constituído que instituía a essa mulher obrigações como pagamento de fianças para terem a guarda dos filhos, era estarem sujeitas ao controle da Igreja e da sociedade já que não mais havia a presença do marido, do homem que a “protegia” e que controlava sua sexualidade, seu corpo, seus desejos. A Igreja e o Estado deixavam claro que à mulher só restava à submissão ao homem (pai, marido, filhos) criando uma dependência que imprimia a família um contorno patriarcal.