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6.2 – Conhecimentos e concepções das equipes.

7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, o nosso objetivo foi realizar uma análise da implementação da Política de Atenção à Saúde e Segurança do Servidor Público Federal (PASS) e de seu sistema operacional estruturante ‒ SIASS ‒, com enfoque nos profissionais de saúde que integram a equipe atuante no cotidiano prático. Conforme apresentado no primeiro capítulo, esta política tem caráter inédito e recente, vindo a preencher uma lacuna histórica quanto ao papel patronal do Estado, ainda que restringindo sua abrangência ao conjunto de servidores do executivo no âmbito da Administração Pública Federal.

Escolhemos como campos de investigação duas unidades do SIASS do estado do Rio de Janeiro sediadas em órgãos institucionais distintos e diferenciadas em sua inserção histórico-política no que se refere às relações saúde–trabalho, sendo uma do INSS/MPS e outra do Ministério da Saúde. A escolha foi orientada pelo pressuposto de que tal diferenciação se refletiria nas respostas à entrevista. Pressuposto que não se confirmou, pois a fala dos entrevistados das duas unidades foi de certa forma coincidente, tanto em

relação às concepções do campo de Saúde do Trabalhador como sobre conhecimento e considerações da PASS. O mesmo ocorreu no âmbito das categorias profissionais dos membros das equipes.

No que toca à concepção de Saúde do Trabalhador, a maioria dos entrevistados, sem predomínio de unidade ou categoria profissional, remeteu-se às características da Saúde Ocupacional ao frisar aspectos relacionados ao ambiente de trabalho e monitoramento do trabalhador. Uma concepção um pouco mais ampliada foi minoritariamente encontrada, e atrelada às categorias profissionais vinculadas ao eixo da promoção e vigilância; à experiência profissional anterior no âmbito do SUS e/ou gestão; à participação em fóruns e eventos da PASS e ao tempo mais longo de atuação profissional.

O predomínio do conceito da Saúde Ocupacional nas falas dos profissionais, mesmo com um enfoque humanizado agregado à mesma, pode denotar a persistência de um paradigma teórico-conceitual caracterizando-se como um retrocesso. O estudo de Andrade (2009, p. 94, 95) conclui, ainda que com ressalvas, que as propostas de formulação e o acompanhamento do processo de implementação da política à luz dos eixos do modelo de Sistema Integral de Saúde do trabalhador, apresentaram à época, indícios de alinhamento com as abordagens do conceito de Saúde do Trabalhador.

Mas julgamos poder tratar-se, também, de uma coexistência ou alternância de concepções teórico-conceituais tanto da Medicina do Trabalho como da Saúde Ocupacional e Saúde do Trabalhador. Essa situação é compatível com o ineditismo e pouco tempo de implantação da política. No entanto, aponta a necessidade de aprofundamento de esforços, em várias frentes de atuação, pactuados e consensuados, voltados ao tensionamento e superação dos campos ainda hegemônicos, e assim contribuir para o fortalecimento do campo da Saúde do Trabalhador no Brasil. Para Cavalcanti e Olivar (2011), superar o paradigma da saúde ocupacional constitui-se exatamente no grande desafio para o SIASS.

Especificamente no que se refere à PASS-SIASS, houve uma unânime afirmação pelos entrevistados do conhecimento da mesma e de seus eixos estruturantes, embora não apontassem detalhes das normativas estruturantes vigentes. Identificaram seu ineditismo e caráter positivo para o conjunto da APF, alguns com olhares otimistas quanto ao futuro da política. Ao associarmos as declarações valorativas sobre a participação pregressa e o interesse em participação futura em eventos e capacitações, bem como a percepção de tentativas de movimentos internos de integração das equipes e a também apontada importância de espaços de planejamento e avaliação das ações, interpretamos todos estes elementos dinamicamente interligados como prováveis pontos favoráveis para a implementação da política.

Cabe destacar que a unidade do SIASS no Ministério da Saúde está iniciando ‒ ainda que pontualmente, setorizadamente e com tensões internas ‒ ações de caráter preventivo em consonância com as normativas instituídas tanto pelo SIASS quanto pelo próprio Ministério da Saúde. Essas ações se desenvolvem através do programa de melhoria de qualidade de vida, o que também denota tensão externa. Não podemos, até o momento, aferir o tipo e grau de impacto destas ações práticas sobre a implementação da política.

Outra consideração importante foi a referência, durante a entrevista, ao exame médico periódico, também como uma prioridade das ações de prevenção. Em artigo recente, Félix, Andrade e Vasconcelos (2009) já apontavam essa ação como restritiva diante do atual cenário ampliado dos problemas decorrentes das relações saúde-trabalho.

No momento, o constatado tanto pela observação direta como a partir das falas dos entrevistados é uma situação que se caracteriza pela total e clara fragmentação estrutural das unidades e das ações desenvolvidas, além da falta de definição metodológica. Apesar das tentativas pontuais de integração e da boa ambiência relatada pelos profissionais, temos uma coexistência frágil das ações, indefinição de diretrizes, inexistência de espaços internos coletivos de planejamento e avaliação, e indefinição de coordenação local. A essa situação, acrescenta-se, ainda, o predomínio prático dos procedimentos médicos periciais. Quando é demandado apoio de outras categorias profissionais a esses procedimentos, geralmente, é via parecer. Os colegas são incluídos parcial e dicotomizadamente no trabalho pericial, revelando uma tentativa de cooperação multiprofissional, mas ainda incipiente e distante do próprio conceito de multiprofissionalidade. Caracterizamos, diante desse contexto, embora sem generalizações, a permanência da posição central da perícia médica em seu isolamento homologatório. O que corrobora a preocupação apresentada por Cavalcanti e Olivar (2011), que consideram o SIASS um avanço, porém ainda restrito à padronização e uniformização das ações periciais.

A integralidade e a interdisciplinaridade, bem com a intersetorialidade, estão no momento ausentes ou equivocadamente presentes nas percepções da quase totalidade dos entrevistados, sem distinção por categoria profissional, bem como nas práticas sistemáticas desenvolvidas nas duas unidades do SIASS. O fenômeno está em sintonia com as reflexões de Vasconcellos (2011) sobre estas estratégias nas ações de saúde do trabalhador no SUS, já apresentadas no capítulo anterior.

A ausência de controle social no SIASS, tanto via comissões internas de Saúde do Servidor ‒ até o momento não regulamentadas, nem tampouco localmente efetivadas ‒ e/ou via representação sindical que se mobilize pela reivindicação da saúde em plenitude; a ausência da universalidade das ações; o relatado desconhecimento do SIASS por parte do

conjunto dos servidores; e a estagnação e incipiente cumprimento do papel central do sistema informatizado SIAPE-Saúde foram outros pontos relevantes identificados nas entrevistas. Esses pontos já haviam sido ressaltados como desafiadores por Cavalcanti e Olivar (2011). Ratificados nas unidades estudadas, embora não passíveis de generalização, são pontos que, isoladamente ou em conjunto, e apesar de indícios de proposição de mudanças de modelo, ainda não foram superados. E ao se afastar das formulações e intenções sinalizadas nos documentos da política, podem impactar negativamente sua implementação, mantendo-se no campo estrito da Saúde Ocupacional. Situação geral que não mostra diferença significativa daquela apontada pelo Relatório de Diagnóstico dos Serviços de Saúde do Trabalhador do Serviço Público Federal do Rio de Janeiro, de 2010, anteriormente apresentado.

Segundo Felix, Andrade e Vasconcellos (2009), os “investimentos pesados em matéria de formação de pessoas, aquisição de materiais e insumos estratégicos e, principalmente, mudanças na configuração dos processos organizacionais” (p. 32) são pontos ressaltados como desejáveis para um pleno sucesso de uma política de saúde, pontos estes que não se confirmaram nas unidades do SIASS investigadas. De outro lado, Andrade, Martins e Machado (2012) afirmam que para o cumprimento dos princípios que orientam a PASS/SIASS, é importante a disposição dos trabalhadores em participar, sua mobilização e abertura institucional a um modelo organizacional democrático.

Nesse sentido, os fóruns do SIASS emergem como espaço estratégico mais adequado para a identificação e superação dos entraves e fortalecimento do campo da saúde do trabalhador. Os fóruns do SIASS no Rio de Janeiro tiveram sua origem nos GT, nas discussões do SISOSP, e na construção do SIASS a partir de 2007, através de sua modalidade permanente, mensal, ampliado com encontros anuais. Esse espaço conforma uma verdadeira rede de discussão e atuação entre todos os atuantes no momento. O fórum tem percurso histórico curto assim como o próprio percurso da PASS/SIASS, porém possui um potencial fecundo, não perdendo de vista a atenção à saúde no SIASS nem o desafio da linha conceitual da Saúde do Trabalhador. Nesse sentido, concordamos com Andrade (2009) ao afirmar que “é a participação real de um grupo de trabalhadores como primeiro passo de um coletivo representativo de instituições para construção de sua saúde” (p. 45).

Atualmente, os fóruns buscam, de maneira dinâmica, dar seguimento à proposta inicial das diretrizes norteadoras do SIASS, bem como ampliar e agregar os atores sociais. Seus esforços para potencializar as ações e o cotidiano de trabalho incluem trocas, reflexões e discussões sobre os conceitos balizadores em Saúde do Trabalhador no SUS e sua interface com o SIASS. O fortalecimento, a continuidade e a divulgação dos fóruns

para o conjunto dos servidores públicos pode contribuir, como estratégia coletiva, para que estes tomem em suas mãos a construção de sua própria saúde, interferindo assim nos modos de seu trabalho. Constitui-se, assim, em um possível caminho para um tensionamento positivo do campo da Saúde do Trabalhador como instrumento potencial de superação dos desafios, resgate das diretrizes iniciais da PASS e sua efetiva implementação.

Diante do ineditismo e do curto tempo de formulação, implantação e do atual processo de implementação em curso da PASS e do SIASS, entendemos a necessidade de contínuos acompanhamentos e novas análises. No entanto, esperamos ter deixado uma contribuição aos estudos das políticas de saúde e, principalmente, reafirmar o papel fundamental dos profissionais de saúde que com o seu empenho e seu trabalho vêm construindo artesanalmente no seu dia a dia as práticas de saúde do servidor e que, em conjunto, poderão efetivamente revertê-las a seu favor, e com isso ter um fortalecimento da cidadania no serviço público.