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Para elaboração desta dissertação, partimos da hipótese de que a escolha do trabalho noturno e monótono é condicionada pelas relações sociais de produção na era globalizada e se constitui como um trabalho precário causador de desgaste ao atingir as condições de vida e de saúde de quem o exerce.

Conseguimos identificar nas respostas dos agentes de portaria que a escolha da função não se relaciona ao fato dos entrevistados terem afinidade e desejo de exercê-la. Ela é estimulada, principalmente, pela busca por maior segurança nas relações de trabalho, sendo a suposta estabilidade da Proguaru S.A, empresa de economia mista, vista como um ponto positivo no trabalho de agente de portaria. Todos abordados, quando tomaram posse, estavam fora do mercado de trabalho o que indica a influência de determinantes sociais, tais como o desemprego, em suas escolhas.

Os vínculos instáveis e o desemprego estrutural são condições originadas, do processo de globalização econômica que influencia a vivência dos indivíduos, estimulando-os a optar por profissões dentro da área pública, a fim de se inserirem no mercado formal de trabalho, o qual abrange direitos, tais como férias e 13º salário. Estes, por sua vez, são inexistentes nos vínculos informais.

Mesmo com estes direitos garantidos em lei, observamos que o processo de trabalho em questão, por ser realizado no período noturno, se torna ainda mais monótono. Desta forma estas cargas de trabalho somam-se e potencializam-se, alteram ciclo vigília-sono e leva a conseqüentes, distúrbios no ritmo biológico, podendo acarretar desgaste físico e mental.

Entendemos que o trabalho noturno e monótono é alheio à natureza humana, pois é realizado à noite mudando os ciclos cicardianos. A esta característica adiciona-se monotonia, que interfere na cognição humana comprometendo o potencial de criatividade dos indivíduos, conforme as queixas dos agentes de portaria sobre a ociosidade.

Pela própria fragmentação e isolamento que permeiam a atividade, mais presente é a relação dos seres humanos com as coisas. A relação de trabalho se dá com um objeto e a capacidade pessoal parece desaparecer, uma vez que para muitos zelar pelo patrimônio à noite parece algo vazio, sem interação e sem sentido.

Além do desgaste físico e mental, o trabalho também comporta riscos de segurança, como o acidente ocorrido com o agente de portaria que hoje apresenta incapacidade para exercícios das funções diárias.

Todavia, o adicional noturno e a jornada de 12X36 são mecanismo que contribuem para opção do trabalho noturno. Mesmo diante das questões negativas reveladas em suas falas, os funcionários, quando indagados se o trabalho possui riscos, afirmam não reconhecer as conseqüências do trabalho noturno para vida e saúde, o que pode indicar alienação em relação ao processo de trabalho que desenvolvem.

A monotonia, a falta de valorização da profissão e a própria desvalorização do serviço público aparecem como pontos negativos no exercício da profissão, porém observamos que nenhum dos entrevistados apresentava um discurso que aponte estratégias por melhoria das condições de trabalho e de articulação para mudar tal realidade. Apesar de serem filiados ao Stap, os funcionários desconhecem sua atuação.

Pontuamos que esta realidade pode estar ligada tanto à fragilização e ao descrédito com o movimento sindical como também à desmobilização dos trabalhadores, que observam suas carências e dificuldades como individuais sem condicioná-las a uma demanda coletiva. Este individualismo também representa uma característica do capitalismo.

O fato do trabalho ser realizado isoladamente, não tendo contato direto com pessoas da própria profissão, também contribui para que desacreditem do potencial da classe trabalhadora para reivindicar direitos.

Os salários e benefícios da empresa são vistos como um valor muito abaixo do necessário para sobreviver, motivos pelo qual muitos possuem outros vínculos como forma de complementação de renda. A jornada 12x36 possibilita tal duplicidade e também reforça a continuidade na profissão de agente de portaria.

Acreditamos que muitas das profissões ligadas ao serviço público passam pela mesma situação de baixa remuneração e condições de trabalho desfavoráveis, já que não estão ligadas diretamente à reprodução do capital e à geração de mais valia, o que potencializa a desvalorização de alguns tipos de trabalho. Ressaltamos que as relações com as chefias se apresentam também como um ponto positivo para se trabalhar como agente de portaria, visto que não se apresentarem queixas quanto aos superiores.

Mesmo mediante a todas estas situações pontuadas acreditamos que o mais importante para estas pessoas não é trabalhar como agente de portaria, mas trabalhar. Observamos que o sentido do trabalho, a questão do se sentir útil, do se valorizar enquanto ser humano, da sociabilidade e de conseguir bens para viver com a família são pontos que contribuem para que permaneçam no cargo. As melhores condições de vida e os projetos pessoais estão diretamente ligados ao trabalho, o qual se mostra como indissociável da existência humana.

Portanto, corroboramos a idéia de que o ato de trabalhar é necessário à reprodução do indivíduo não somente como trabalhador, mas como homem que tem necessidade de se sentir útil e se sociabilizar. O trabalho é uma atividade teleológica através da qual se personifica intenções e projetos.

Consideramos que o trabalho é um misto entre as obrigações determinadas pelo capital, mas que contraditoriamente faz com que as pessoas se sintam úteis, sem sua presença elas parecem se tornar infelizes, como observamos o agente de portaria, vítima do acidente, que afirmou ser feliz no trabalho anteriormente. Negar esta situação e a complexidade heterodoxa que é o ato de trabalhar seria para nós fugir da realidade perceptível no discurso dos entrevistados.

Em relação ao serviço social vemos a necessidade de uma postura que supere o que é somente demandado pela instituição. Acreditamos que atuar somente no RH, com benefícios, leva os profissionais do serviço social a realizarem uma intervenção restrita e fragmentada, não dando conta da totalidade que abrange as relações de trabalho no mundo do capital.

A área de saúde do trabalhador deve ser assumida em articulação a um trabalho com equipe interdisciplinar, categorias como trabalho, desgaste e carga88 podem ser vislumbradas como mediações necessárias para compreender tal realidade.

No que se refere à saúde do trabalhador, a saúde mental e trabalho é um campo novo para o serviço social, que muito pode ser ampliado na perspectiva de consolidação de direitos para classe trabalhadora. Não podemos perder de vista o cotidiano dos sujeitos e como afirma Netto (1981) ‘sua heterogeneidade ontológica’, manipulando as variáveis a fim de entender a realidade e depois propor mudanças.

Assim tentamos durante nossa atuação na Proguaru S.A., durante 7 anos, não recusar as tarefas a nós atribuídas, porém tentamos imprimir às mesmas uma direção ético e política diferenciada, buscando que nossos projetos se comprometessem com a saúde e segurança do trabalhador. Concomitantemente a empresa, apesar de ter em muitos momentos uma visão assistencialista da relação entre serviço social e trabalhador, nos concedeu espaço, o que contribui para a implantação de muitas estratégias por nós elaboradas, que primavam pelas perspectivas do direito.

Temos a convicção de que problematizar sobre o trabalho noturno e monótono e colocá-lo na pautas das investigações acadêmicas é contribuir para o enfrentamento de tal questão e do desgaste por este causado. Porém as

88 Foi muito difícil achar bibliografia sobre serviço social e saúde do trabalhador, logo nos baseamos

nas obras de Freire (1995), que utiliza como referências Laurell e Noriega (1989) a fim de compreender criticamente as relações de trabalho e saúde, assumindo como categoria desgaste e carga. Os referencias Marxista sobre o processo de trabalho são de grande importância fim de proporcionar uma visão de totalidade das questões referentes à saúde.

intervenções em suas conseqüências deve se dar tanto no nível micro, dentro ambiente de trabalho, como, no nível macro através de políticas públicas.

Poderíamos, neste momento, falar sobre a superação da ordem capitalista, visto que tal modo de produção é um dos grandes responsáveis pela implantação deste tipo de trabalho. Porém antes das pessoas lutarem por um sistema mais igualitário, precisam ter consciência da precariedade que estão submetidas. O caminho para o possível discernimento deve desvelar a idéia de que podemos exercer qualquer tipo de trabalho, em quaisquer condições, sem a mínima proteção.

Dentro desta premissa, pensamos ser necessário programas que orientem os funcionários sobre os malefícios do trabalho noturno, medidas que os estimulem a lutar por melhorias de condições de vida e de trabalho para que possam exercer a profissão consciente e os levem a compreender sua relação com o processo de trabalho. O trabalho interdisciplinar, incluindo a capacitação política das CIPAS sobre o assunto, pode ser um caminho possível.

Fischer (1989) apontou algumas propostas dos sindicatos da Alemanha, que poderiam, ao menos, amenizar os desgastes sofridos para quem trabalhe em turno (incluindo os noturnos) como os agentes de portaria. Dentre estas indica “Limitação para 20 anos do tempo trabalhado em turnos e redução do tempo anual de trabalho em turno através da introdução de turnos livres adicionais ou extensão do período de férias, e também redução da jornada diária para quem trabalha em turnos”. Além destas estratégias informa a necessidade de medida preventiva dentro da própria empresa:

“Exames preventivos especiais de saúde antes da aceitação dos turnos, intervalos regulares durante sua duração; Tratamento preventivo para os trabalhadores em turno a cada três, quatro anos; Controle epidemiológico e estatístico dos efeitos.” (Fischer, 1989, p.79) A questão da dupla jornada do trabalho sofrida pelas mulheres que trabalham à noite também deve ser repensada, uma vez que possuem maiores atribuições no ambiente doméstico, e que parecem permanecer mais tempo acordadas que os profissionais do sexo masculino.

Somente o aumento do salário base, através dos adicionais noturnos, podem até ser considerados uma conquista, porém não evitam as conseqüências que esta jornada pode causar. A legislação brasileira e as leis de proteção ao trabalho mercantilizam os riscos, banalizando suas conseqüências.

A modificação desta realidade e sua visibilidade precisam ser construídas, articuladas por sindicatos, trabalhadores e equipes multiprofissionais em cada espaço ocupacional. Esta articulação se faz necessária, uma vez que não só o trabalho noturno, mas muitos outros dentro do capitalismo não respeitam a natureza humana.

Portanto, mesmo não sendo corujas nem morcegos e não tendo estrutura fisiológica para trabalhar neste período, muitos homens e mulheres enfrentam a solidão e os riscos da noite, como os agentes de portaria.