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Tecemos, aqui, algumas considerações finais a este capítulo. Primeiramente, levantamos uma ponderação a um aspecto da perspectiva de Skinner sobre as predicações psicológicas ordinárias. Embora retenhamos algumas de suas contribuições sobre elas, argumentamos que, diferentemente do que Skinner julga, essas predicações não são inerentemente mentalistas. Em seguida, sumarizamos a perspectiva que esboçamos e acrescentamos uma qualificação acerca do âmbito dela e, outra, acerca de seu caráter aproximativo e maleável.

Várias contribuições de Skinner sobre as predicações em questão (tanto seus diagnósticos ao mentalismo, alguns dos quais apontamos a seguir, como também contribuições sobre o real funcionamento delas) ressaltam problemas com o mentalismo; mas Skinner acredita que os conceitos psicológicos comuns são empregados pressupondo-se que funcionam consoante tal tese. As causas fundamentais dos comportamentos, na perspectiva de Skinner, residem, basicamente, em três formas de seleção, a saber, as seleções natural, operante e cultural90; ou seja, aquilo que, em geral, segundo o autor, origina e mantém os

comportamentos, são seus processos históricos de variação e seleção (e processos correlatos), nesses três âmbitos evolutivos, em conjunção com fatores do ambiente presente. Skinner acredita que conceitos psicológicos comuns são assumidos corresponderem a atributos internos não comportamentais determinantes dos comportamentos, atributos que, na verdade, simplesmente não existem ou não possuem esse estatuto. Por exemplo, ao falar dos

predicados para emoções, Skinner diz: “As 'emoções' são excelentes exemplos das causas fictícias às quais comumente atribuímos o comportamento”91. No início de About

Behaviorism, livro que, em parte, constitui uma abordagem de vários desses conceitos, o autor alerta para o fato de que não pretende promover traduções completas deles, porque “[N]ão há, talvez, equivalentes comportamentais exatos, certamente nenhum com as nuanças e os contextos dos originais. Gastar muito tempo em redefinições exatas [deles] [...] seria tão insensato quanto os físicos fazerem o mesmo para éter, flogisto ou vis viva”92. Os conceitos

psicológicos comuns são por ele entendidos, então, como sendo similares aos termos teóricos ultrapassados da história das ciências, tais como ‘éter’, ‘flogisto’ e ‘calórico’, e a certos termos ultrapassados do senso comum, tais como ‘nascer do sol’; eles suporiam referir-se a algo no mundo, para o fim da explicação e predição de certos fenômenos, consoante uma visão compartilhada, quando, na verdade, a visão – no caso, sobre os fenômenos psicológicos – está, fundamentalmente, equivocada93. Assim, Skinner sugere, ao mesmo tempo, que os

conceitos psicológicos comuns são inerentemente mentalistas e que o mentalismo é falso. Skinner oferece uma série de diagnósticos ao mentalismo, que julgamos corretos. Dentre os quais, aponta que esses predicados funcionam, originalmente, como adjetivos ou verbos, mas tendem, quando substantivados, a ser tomados como nomes de objetos – pelo fato de os substantivos funcionarem, frequentemente, como nomes de objetos – e, disso, como nomes de entidades internas iniciadoras dos comportamentos. Por exemplo, de “um comportamento ser inteligente” e “uma pessoa querer obter determinada coisa”, podemos inferir que o comportamento “exibe inteligência” e que a pessoa “tem uma vontade”, mas, a partir disso, sermos influenciados a inferir, também, que o comportamento “é o efeito da inteligência” e “resultado da vontade”94. Outro diagnóstico é de que o papel do ambiente, no

caso dos comportamentos operantes, não é evidente. Eles dirigem-se para consequências (futuras) e são emitidos com certa espontaneidade (isto é, não são eliciados pelo ambiente). Seus determinantes (seletivos, descontínuos espacial e temporalmente) estão no passado e não se mostram de modo evidente. Há a aparência, então, de que não é o ambiente que os causa,

91 Skinner (1953, p. 160; grifo do autor; trad. nossa). 92 Skinner (1976, p. 21; grifo do autor; trad. nossa).

93 Nessa medida, a perspectiva de Skinner é similar à de Churchland (1988) a respeito, diferindo principalmente, no entanto, em que Churchland conecta o real funcionamento desses predicados a entidades neurais, enquanto que Skinner, pelo menos boa parte deles, a aspectos referentes às relações entre fatores ambientais e comportamentos. Cf. também Lazzeri e Oliveira-Castro (2010b).

mas algo misterioso dentro do corpo. Ou seja, o comportamento operante, por sua própria natureza histórica, induz a invenção de determinantes internos95. Diagnósticos como esses,

servindo para distinguir entre o real funcionamento desses predicados e as aplicações equivocadas deles, são contribuições que retemos em nossa abordagem96.

Apesar de concordarmos com Skinner que haja problemas com a visão mentalista, não concordamos que as predicações psicológicas ordinárias possuam uma lógica consoante a ela. Não as vemos como sendo governadas por regras que legitimem inferências a entidades internas e determinantes causais eficientes dos comportamentos. As regras que governam seu emprego, na verdade, conforme procuramos sugerir, não estão de acordo com a tese mentalista. Uma análise delas revela, antes, por exemplo, que essas predicações se aplicam com sentido apenas ao sistema como um todo, e não a suas partes, e, além disso, que elas, normalmente, têm como condições de verdade comportamentos (entendidos de modo apropriado, como entidades funcionais, e não como meros movimentos) em conjunção com seus contextos ou circunstâncias. Várias análises do próprio Skinner acerca dessas predicações, incluindo tentativas de elucidação de formas de comportamento a elas comumente associadas, bem como seus diagnósticos ao mentalismo, contribuem para atentarmos aos fenômenos verdadeiramente associados a tais predicações e evitarmos incorrer em usos problemáticos delas.

Sumarizando o percurso feito até aqui, a perspectiva que estamos sugerindo toma como um ponto de partida o behaviorismo teleológico de Rachlin. Como vimos, na seção (1.1), Rachlin sustenta que as predicações em questão explicam e predizem comportamentos pela subsunção destes a suas causas finais, entendidas como sendo os padrões molares que eles formam, junto com outros comportamentos, considerados serem estritamente manifestos e exibidos pelo sistema inteiro. Em seções seguintes, as principais teses da abordagem de Rachlin – sobre a mereologia e as condições de verdade das predicações psicológicas ordinárias, a ênfase em comportamentos manifestos e a teleologia delas – foram examinadas, visando, a partir de apoio argumentativo a algumas das teses e de proposta de algumas modificações, delimitar uma abordagem alternativa.

Na seção (1.2), apoiamos a tese de Rachlin sobre a mereologia das categorias

95 Cf. Skinner (1976, p. 57-59, p. 142).

96 Algumas partes dos dois últimos parágrafos são excertos, com adaptações, de Lazzeri e Oliveira-Castro (2010b, p. 165-166). Nesse artigo, apontamos também (inter alia) outros diagnósticos de Skinner; cf. Lazzeri e Oliveira-Castro (2010b, p. 163-166).

psicológicas comuns em geral e examinamos um argumento que o autor formula para essa tese. Ponderamos que, se o condicional que o constitui for de tipo bicondicional, não é um argumento cogente. Pois, se for desse tipo, então, se houvesse correlações regulares entre a aplicação de algumas dessas predicações e a ativação de certas regiões internas (o que não descartamos, embora julgamos ser muito improvável, dado que, como sustentamos em (1.3), elas costumam ser abertas, havendo múltiplos critérios que as satisfazem), seguir-se-ia, pelo raciocínio, uma mereologia mentalista; porém, tais correlações são insuficientes para tanto, na medida em que poderia ocorrer de serem (como, de fato, sustentamos que as causas eficientes de nível subpessoal são) apenas precondições para a ocorrência dos critérios das atribuições, e não constitutivas dos critérios mesmos. Se, por outro lado, Rachlin pressupõe apenas um condicional de tipo hipotético, o argumento pode ser cogente, mas deixamos isso em aberto, já que resta ainda ser verdadeira a premissa que afirma não haver aquelas correlações. Sugerimos que a mereologia apropriada é clara tendo em conta que, quando usamos as predicações em questão, baseamo-nos naquilo que o sistema faz, em determinadas circunstâncias, e quem se comporta, em tais casos, é o sistema como um todo. Não saberíamos fazer uma predicação psicológica ordinária com base apenas no que se passa no cérebro ou outras partes do corpo. Além disso, a lógica dessas predicações exclui que elas se apliquem com sentido a partes do corpo.

Em (1.3), apoiamos a tese de que as categorias (a), (b) e grande parte de (d) têm como condições de verdade relações entre comportamentos e contextos. Julgamos que alguns raciocínios que a sugerem, formulados por Rachlin, Ryle e Skinner, dentre outros autores, são plausíveis. O behaviorismo teleológico captura algumas análises de Ryle que apontam para o caráter disposicional de predicações relativas àquelas categorias, ou seja, para o fato de que sumarizam uma série disjuntiva de condicionais hipotéticos, correlacionado comportamentos e contextos, geralmente heterogêneos. Elas explicam e predizem pela subsunção de comportamentos aos seus padrões, que podemos expressar em termos de condicionais hipotéticos. Geralmente, é preciso olhar-se para além de um comportamento singular para se determinar qual predicação é adequada; e a análise dessa característica, como desenvolvida por Ryle e Rachlin, sugere que o que fazemos é considerar aquilo que é feito pelo agente ao longo do tempo.

Entretanto, levantamos duas ponderações à tese de Rachlin sobre as condições de verdade dessas predicações. A primeira é de que padrões respondentes constituem também,

algumas vezes, critérios relevantes, sobretudo em casos de predicações relativas à categoria (b), embora não se trate, frequentemente, de condições necessárias e suficientes. Com base em uma análise dessas predicações, procuramos sugerir ser correta a ideia de Rachlin de que, nas atribuições inclusive de afecções, estamos considerando relações operantes entre comportamentos do sistema inteiro com determinados aspectos do ambiente maior; mas a análise sugere, igualmente, que não só levamos em conta tais tipos de relações, mas também relações entre estímulos ambientais e respostas que formam padrões respondentes. Englobar esses outros aspectos significa, em parte, acomodar os qualia que associamos a certos casos de afecções.

A outra ponderação é feita em (1.4), quanto à ênfase de Rachlin em comportamentos manifestos, alentando a tese de que, na verdade, há comportamentos não manifestos que constituem fatores na satisfação de predicações psicológicas ordinárias. De nosso ponto de vista, comportamentos encobertos possuem a mesma natureza dos manifestos, diferindo destes apenas em serem de observabilidade pública relativamente limitada. Argumentamos que a perspectiva que propomos não tem como implicação problemas que Rachlin procura evitar. A saber, não implica: em uma associação, que é feita algumas vezes por Skinner, de comportamentos encobertos à noção de privacidade; em haver atributos psicológicos inerentemente não manifestos; em uma mereologia equivocada; e, tampouco, que as predicações em questão se refiram a entidades estruturais, causas internas eficientes do comportamento manifesto.

Ainda em (1.4), argumentamos que nossa perspectiva acomoda – e sem ferir a lógica das categorias psicológicas ordinárias – a intuição sobre nossos fenômenos psicológicos de que eles têm algum poder (apesar de limitado) de influência sobre as coisas. Segundo nossa perspectiva, isso se dá na mesma medida em que os comportamentos, sejam manifestos ou encobertos, podem ter influência sobre o ambiente, incluindo outros comportamentos. Concebemo-la, portanto, como sendo parte do próprio fluxo de relações comportamento- ambiente.

Em (1.5), alentamos a hipótese correspondente à tese que podemos denominar behaviorismo teleofuncional; ou seja, a hipótese de que, pelo menos frequentemente, predicações psicológicas ordinárias remetem a funções possuídas por padrões de comportamento, tanto operantes como respondentes, em razão de histórias interativas que envolvem seleção. A proposta é de que o caráter teleológico de tais predicações costuma estar

ancorado em uma aproximada contrapartida teleológica, que são tais entidades, em razão de suas feições evolutivas. Procuramos sugerir haver bons indícios de que, pelo menos em certas acepções da noção de função, em particular como articuladas por autores como Wright e Millikan, os referidos padrões são entidades que possuem, usualmente, este tipo de função. Deixamos em aberto, parcialmente, em qual medida há casos de comportamentos com a última característica de serem análogos a exaptações filogenéticas (as quais, segundo Gould e Vrba, não realizam funções, exceto ao se tornarem adaptações secundárias) e que satisfaçam as predicações em questão.

Por fim, realçamos, aqui, que a abordagem esboçada, diferentemente daquela de Rachlin, não configura uma teoria, no sentido usual da expressão. Ela não é tão geral como a de Rachlin e, além disso, é um conjunto de teses e argumentos em construção. Apesar de termos, a respeito da categoria (a) e de uma parcela de (d), proposto uma caracterização relativamente ampla, próxima do nível de generalidade da abordagem de Rachlin, não o fizemos com relação à categoria (b); e, com relação a (c), optamos por, praticamente, apontar apenas sua mereologia, detendo-nos um pouco mais apenas com relação à subcategoria do pensar. Temos de ter em conta, no entanto, que, em parte, isso se deve às particularidades delas; talvez algo mais geral, como o que Rachlin propõe, seja desproporcional ao que a linguagem psicológica ordinária se deixa arregimentar. Os resultados que obtivemos, nesta tentativa de apontar algumas características de diferentes categorias de tal linguagem (e, sob um ângulo mais ontológico, características de fenômenos correspondentes), constituem um empreendimento em construção.

CAPÍTULO II

MÚLTIPLA EXEMPLIFICABILIDADE, HOLISMO E FUNCIONALISMO SOBRE