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Este trabalho teve o objetivo de pesquisar a visão dos gestores de RH sobre a Gestão de Recursos Humanos, sobre o papel da área de RH e dos profissionais de RH e compará-los com suas correspondentes perspectivas no mundo acadêmico. As entrevistas com estes profissionais mostraram que, embora distantes do campo acadêmico e de seus principais autores, eles têm, na prática, os mesmos conceitos sobre a GRH e seus objetivos. Isto foi expresso de uma maneira não estruturada, muitas vezes parcial e eventualmente sem profundidade, evidenciando que pode-se evoluir muito na discussão e na aproximação entre os conceitos teóricos e as práticas do campo.

Pela fala dos praticantes pudemos distinguir duas formas de se expressar sobre a GRH. Uma que privilegiava o indivíduo, seus anseios e necessidades que deveriam ser atendidos pelas organizações e outra, que enxergava os indivíduos a partir dos objetivos e demandas da organização. Essa diferença de perspectiva na relação entre os indivíduos e a organização foi associada com as duas linhas elaboradas por Legge (2005), a soft, ou humanismo desenvolvimentista e a hard, ou instrumentalismo utilitário. O olhar da GRH a partir do indivíduo tem semelhanças como o humanismo desenvolvimentista, que procura sentido e mobilização para as pessoas na organização, estimulando o uso de conhecimentos e competências, buscando

participação e comprometimento. As pessoas são ativos, mais do que custos da organização e devem ser valorizados e incentivados. Já a visão a partir da organização se parece com o instrumentalismo utilitário, onde a integração de objetivos entre indivíduo e a organização serve principalmente a esta última, com ênfase na racionalidade do negócio, nos aspectos quantitativos da relação, em especial nos custos envolvidos.

Como a própria autora ressalta, estas perspectivas não são excludentes e as diferenças podem estar mais na ênfase em um ou outro aspecto. Entre as similaridades estão a visão unitarista da maioria dos entrevistados, a percepção da importância da GRH e a procura do equilíbrio entre o indivíduo e a organização. Outros aspectos pesquisados, como a falta de clareza dos papéis na GRH e a dificuldade de associá-la a resultados trouxeram múltiplos pontos de vista, alguns mais simples outros mais elaborados, reforçando a existência dos conflitos e tensões discutidos no campo acadêmico.

Ao falar sobre a área de RH os entrevistados também mostraram visões bastante diversas sobre a área, mas que de forma geral estão previstas no trabalho de Ulrich (1998). A principal confirmação do trabalho do autor está nos múltiplos papéis de uma área que cresce em complexidade, num ambiente onde as mudanças são cada vez mais rápidas. Pudemos identificar nas respostas uma predominância do Especialista Administrativo, que destaca as atribuições funcionais da área como uma de suas principais contribuições. Os outros quadrantes individualmente tiveram uma incidência de respostas bastante parecida. Ainda sobre a área, em que pesa forte e reconhecidamente a ambiguidade, decorrente das contradições do capitalismo, há um esforço na busca de capacitação, reconhecimento e entendimento de suas contribuições.

O equilíbrio na relação entre o indivíduo e a organização aparece, no discurso dos entrevistados como uma das principais questões da área, ainda tratada de forma muito subjetiva. Entre os diversos caminhos apontados no sentido deste equilíbrio destaca-se o trabalho de aumentar a auto consciência e o protagonismo do próprio profissional para que ele possa lidar com as alternativas oferecidas pela organização. Coerente com os paradoxos da função, a organização estaria instrumentando o indivíduo para balancear as desproporcionalidades da relação.

Embora o profissional não reconheça explicitamente uma questão de falta de autoridade, surge no discurso uma clara diferença entre a constatação inquestionável da importância da GRH e um desejo da área de RH de ser vista e reconhecida como uma igual frente às demais áreas. Em sintonia com o trabalho de Sheehan, De Cieri, Greenwood, & Van Buren III (2014) que fala da necessidade da área de buscar fontes alternativas de poder, os praticantes afirmaram que serem designados para assumir outras áreas e atribuições é a consequência de um bom trabalho na área de RH, e não uma procura para reforçar a falta de autoridade desta primeira.

Na discussão do papel do profissional usamos o trabalho de Caldwell (2003), que atualizando o trabalho de Storey (1992) originalmente publicado em 1992, com o de Ulrich (1998) fez uma pesquisa com profissionais de RH do Reino Unido. A constatação é que, também os profissionais tem múltiplos papéis, mas há uma dificuldade em enquadrar as respostas nos quadrantes propostos. A maioria dos entrevistados coloca seu papel claramente na dimensão estratégica, mas na fronteira entre o intervencionismo e o não intervencionismo, revelando responsabilidades intermediárias entre o Conselheiro e o Agente de Mudanças. Esta situação entre a ação e a não ação também parece associada à ambiguidade da área e do profissional de RH, dividido entre instrumento e vítima das contradições do capitalismo.

Limitações do trabalho

Entre as principais limitações do trabalho temos as ligadas à amostra da pesquisa. Foi feita uma amostra de conveniência, com grupos de troca de experiência em Gestão de Recursos Humanos que atuam em São Paulo. Os estes grupos são formados por profissionais em posição de liderança da função RH em suas organizações e a admissão dos participantes se dá por indicação, o que significa que todos têm algum tipo de relacionamento profissional. Estes profissionais atuam exclusivamente no setor privado, o que pode significar um outro viés para o trabalho.

Foram feitas 25 entrevistas e o tamanho da amostra pode ter limitado a abrangência das constatações do autor, uma vez que a pesquisa trouxe uma grande variedade de discurso dos profissionais. Outro ponto de cuidado está relacionado com o autor, que conhece profissionalmente a maioria dos entrevistados. Isto pode ter influenciado suas falas sobre os temas propostos, ou fazendo com que fossem muito formais frente

a um possível julgamento de outro profissional da área, ou, ao contrário, muito informais perante um colega.

Sugestões de trabalhos futuros

O tema abordado nesta pesquisa é amplo e diverso e sugere o aprofundamento de questões apenas tangenciadas para trabalhos futuros. A primeira sugestão é no sentido que conhecer o repertório de conhecimentos e referências que os profissionais da área de RH têm e usam profissionalmente. Esta pesquisa passou superficialmente por esta questão, que é relevante não só para entender como o profissional da área age, mas também como melhorar a formação e o desenvolvimento dos novos e antigos praticantes de RH.

Seguindo nessa linha e aproveitando o título do livro de Karen Legge, sugerimos uma investigação da coerência entre a retórica e a realidade da área, entre o discurso e a prática, procurando as evidências entre as falas das organizações em GRH e suas práticas.