O presente trabalho buscou aprofundar um tema em que nosso país tem se apresentado significativo para a construção de uma cidadania: a educação de jovens e adultos.
O principal foco apresentado faz uma referência ao Mobral ( Movimento Brasileiro de Alfabetização ) , durante o período da ditadura militar, procurando demonstrar as diferentes leituras sobre sua metodologia de ensino.
Ao observar as explicitações de Osmar Fávero e Gilberta Martinho Jannuzzi ao tecerem críticas ao método educacional proposto pelo Mobral por apresentar-se "vazio"de conteúdo quando comparado ao método de Paulo Freire, notamos uma leitura diferenciada por parte daqueles que cursaram o mobral nesse período e sua importância no processo da construção de suas cidadanias.
Sinteticamente, constatamos nesse estudo:
a) - As pedagogias de Paulo Freire e o MOBRAL são diferentes quanto à concepção de educação:
Paulo Freire coloca educação como situação de conhecimento em que educadores, educandos como sujeitos tomam consciência de sua historicidade. Educação para Paulo Freire é conscientização:
— desvelamento da realidade;
— estabelecimento de um projeto de transformação da realidade;
— compromisso histórico de execução desse projeto que deve visar à libertação de todos os homens.
O MOBRAL concebe educação como adaptação, preparação de mão-de-obra para o mercado de trabalho, visando:
— motivar o alfabetizando a ingressar no desenvolvimento;
— facilitar este ingresso de forma funcional e acelerada, donde o treinamento de habilidades adequadas a ocupar os cargos existentes no mercado de trabalho, começando com a aprendizagem das técnicas de ler, escrever, contar;
— permitir que pela educação todos transformem a realidade através da ação executada no sentido desejável pela política desenvolvimentista em vigor no período estudado. Subjacente a estas concepções estão visões de homem e de mundo diferentes:
Segundo Paulo Freire, todos os homens são seres ontologicamente iguais, finitos, inacabados, capazes de procederem crítica autêntica, "em situação", sofrendo, portanto, os condicionamentos da realidade, mas sendo capazes de transformá-la, porque são seres históricos.
O mundo é transformado pela ação dos homens; é, portanto, um mundo "em aberto", inacabado, podendo sempre apresentar-se como realidade opressora de uns homens oprimindo os outros, ou como realidade libertadora, neste caso, construído pela comunhão da reflexão e da ação de todos.
Para o MOBRAL alguns homens são capazes de críticas, cabendo a eles definir as metas que devem ser concretizadas pelos alfabetizadores e alfabetizandos.
O mundo está predeterminado, deve chegar ao fim que sua elite dirigente percebe como desejável, e que são os propostos pela política educacional vinculada ao Modelo Brasileiro de Desenvolvimento, de caráter acentuadamente econômico.
b) — São pedagogias que empregam na alfabetização métodos pedagógicos diferentes, embora usem técnicas analítico-sintéticas.
Paulo Freire adota para a conscientização o diálogo como método, porque este
método assegura que os educadores ( educandos sejam sujeitos da reflexão e da ação. As técnicas utilizadas: codificação, descodificação são momentos em que
educadores ( educandos refletem, problematizam a realidade de modo a desvelá-la radicalmente, rigorosamente, procurando sempre a causalidade autêntica dos fatos, procurando perceber a realidade particular na globalidade da situação, para partirem para a ação executada em conjunto. São sempre processos analítico-sintéticos, cisões e retotalizações radicais, feitos no momento pedagógico em que não existe mais o educador e o educando, elite e povo, mas a superação dessas contradições pela síntese educadores ( educandos.)
O MOBRAL utiliza método que é basicamente antidialógico, isto é, parte de objetivos previamente definidos pelo MOBRAL/CENTRAL, discutindo nas comunidades apenas os melhores meios de concretizá-los.
As técnicas utilizadas: codificação, decodificação, visam sobretudo à aprendizagem do ler, escrever, contar. São sempre análises sínteses parciais, que jamais problematizam a realidade; mas que devem levar a aceitar as metas desenvolvimentistas e o trabalho de sua concretização. São análises e sínteses que mantêm a posição vertical: educador que sabe, educando que ignora, elite que resolve, que elabora planos que o povo executará.
c) — Em ambas as pedagogias, os métodos e técnicas pedagógicas não só decorrem das respectivas concepções de educação e finalidades, como também são um dos meios pelo qual estas concepções e finalidades podem ser realizadas.
Assim, em Paulo Freire o diálogo educador ( educando), elites, povo mantido durante todas as técnicas de codificação, descodificação em que há a procura do desvelamento da realidade de modo radical, rigoroso e global, de onde provém o projeto de transformação que será executado, decorre da concepção de educação como conscientização, reflexão e ação de educadores ( educandos.).
Mas ao mesmo tempo é o diálogo um dos meios que permite a concretização dessa concepção e finalidades da educação. A não ser que se comungue com o povo, dialogicamente, tanto no nível da reflexão como no da ação, há o perigo de objetivação do educando, de fazer com que o momento pedagógico seja de domesticação, de imposição e adesão a metas não assumidas conscientemente.
d) - A seguir apresento algumas das observações referentes aos entrevistados, chamando a atenção para a importância desse processo de ensino, que apontam para uma leitura, um tanto diferenciada quando comparada com as leituras de grandes pensadores como os citados no presente trabalho. O sentimento de caráter positivo na formação da construção da cidadania de grande parte dos entrevistados é aparente, por mais que o material didático oferecido tenha tido o contexto de "padronizar" o imaginário do povo brasileiro.
Não é possível negar, de acordo com a pesquisa realizada, o quão significativo, por maiores que tenham sido os problemas apresentados, como: sociais, políticos e econômicos de aceitação desse método por parte de uma parcela da elite pensante, que em alguns casos "calada" ou sufocada (por não aceitarem esse método e sua ideologia) , pelos representantes do poder político instituído, (inclusive com o exílio forçado), como foi o caso de Paulo Freire. Ainda assim, comparativamente ao oferecido pelos representantes dos poderes políticos do passado, em educação é possível perceber um relativo "avanço" (respeitando o contexto para a palavra avanço, relacionada à cada indivíduo), na busca por uma melhor situação sócio-econômica, contribuindo de alguma forma com o crescimento econômico da nação.
Se fazem necessárias outras análises em educação que aprimorem os conceitos sobre o referido período político de exceção para que assim possamos aprimorar nossos olhares.
Assim, o referido trabalho é apenas uma primeira aproximação nossa ao tema. Vários outros estudos são necessários.
De acordo com as entrevistas realizadas apresentadas no Capítulo IV, acreditando concretizar a imagem que ora se apresentava de uma leitura negativa, é possível perceber uma leitura significativamente positiva sobre o Sistema Educacional implantado durante a Ditadura Militar Brasileira conhecido como Mobral.