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Esta pesquisa foi realizada com a finalidade de investigar as configurações que o trabalho docente vem assumindo na REE/MG, ao longo do governo Aécio Neves, em decorrência da implementação de uma política educacional subordinada à lógica gerencial. A conformação de tal política apresenta-se em consonância com a própria redefinição dos espaços público e privado, que vem ocorrendo no atual estágio do capitalismo, por meio da assimilação, por parte do Estado Restrito, dos conceitos e práticas do Estado Amplo (BERNARDO, 1998; 2000).

No estágio citado, decorrente do processo de reestruturação produtiva do capital – desencadeado a partir da crise estrutural iniciada no final dos anos 1960 –, impôs-se um novo paradigma organizacional e de gestão, que tem afetado significativamente a classe-que-vive-

do-trabalho (ANTUNES, 2005; 2006) – na qual se incluem, dentre outros, os trabalhadores docentes. Por um lado, os integrantes desta classe social estão sendo submetidos à intensificação e sobrecarga laboral, em condições de trabalho e relações de emprego cada vez mais precarizadas. Por outro lado, estão a vivenciar um esforço, por parte dos gestores, de disciplinamento, para se ajustarem aos novos padrões societais, de tal maneira que os próprios trabalhadores assumam como seus os interesses que são do capital, num contexto de nítido aprofundamento da exploração e da alienação do trabalho, típicas das relações capitalistas de produção.

Dentro dos novos padrões de reprodução do capital, a educação foi considerada atividade fundamental para realizar as adaptações necessárias entre a oferta de mão-de-obra e as necessidades do mercado de trabalho, na perspectiva de formar para a empregabilidade e de possibilitar o ingresso dos países periféricos no seletivo capitalismo mundializado. Assim, o campo educacional apresentou, nos últimos decênios, intensa movimentação, por meio da implementação das reformas de inspiração neoliberal, sendo as escolas transformadas em núcleos de planejamento e gestão e a educação tratada, não como direito universal, mas como mercadoria.

Conseqüentemente, da década de 1990 em diante, a América Latina e o Brasil conheceram, paralelamente à reformulação do Estado e sob forte influência das agências multilaterais – sobretudo do Banco Mundial –, um processo de reestruturação educacional, dando ênfase ao desenvolvimento da educação básica, como caminho indispensável para atingir a eqüidade. Em outras palavras, educação voltada “para todos”, até mesmo os excluídos sociais, mas sem colocar em questão as causas desta exclusão. Em lugar de uma

visão emancipatória da educação, tratava-se da instrumentalização do processo educacional, que deveria ser desenvolvido com vistas a adaptar os desvalidos às mudanças em trânsito no mundo.

O Estado de Minas Gerais, na condição de pioneiro dessas reformas, conheceu, desde fins da década de 1980, um período fecundo na implantação de medidas de racionalização administrativa, marcadas por um discurso modernizador e pelo tom flexibilizador próprio do padrão histórico-cultural neoliberal (MARQUES, 2000; 2002). Também a educação, de assunto pertinente à área das políticas públicas, foi sendo tratada, cada vez mais, como matéria meramente técnica e de otimização dos recursos materiais e humanos (FIGUEIREDO, 2006; 2007).

Com a chegada de Aécio Neves ao governo de Minas, a política educacional passou a ser explicitamente desenvolvida de acordo com os postulados do Choque de Gestão, no primeiro mandato, e do Estado para Resultados, no segundo quadriênio, aprofundando e sistematizando um modelo no campo dos governos que, desde o final do decênio de 1980, já era conhecido do Estado, porém em caráter mais experimental. Restabelecendo parceria com os organismos internacionais, Minas Gerais foi considerada paradigma do Estado moderno pelo Banco Mundial.

Sob o governo Neves, o setor educacional conheceu ações fragmentadas, que pouco dialogam entre si, mas norteadas pela lógica da avaliação do desempenho das escolas, dos docentes e dos discentes, pela obtenção de resultados e pela melhoria dos indicadores do Estado no ranking das avaliações nacionais.

À luz de Silva, Mirna (2007) – com base na análise de ampla documentação produzida pela SEE/MG e das ações que afetam diretamente o professor, tanto no que se refere à organização do trabalho escolar, quanto aos aspectos que normatizam a carreira e remuneração docente (OLIVEIRA, 2004) – buscou-se mostrar que, movimentando a contradição profissionalização/precarização, o atual governo tem empreendido esforço considerável para dar nova conformação ao trabalho docente e, ao mesmo tempo, educar os educadores para os padrões societais atuais, gerando novas sociabilidades e subjetividades. Assim, o trabalho docente, além de ser inserido no recente paradigma de gestão do trabalho, também, e mais profundamente, se converte em locus privilegiado, pelo potencial disseminador do universo escolar no Estado de Minas Gerais, de difusão dos valores que, ideologicamente, legitimam o pensamento hegemônico.

Como foi explicitado, esta investigação pretendeu transitar em meio aos valores e princípios que inspiram as ações do mundo oficial (BRZEZINSKI, 2008a; 288b). Entretanto,

a realidade, intrinsecamente contraditória, não se encontra apenas no mundo do sistema ou no chamado mundo real. O processo histórico é construído e reconstruído permanentemente por intermédio do confronto de interesses, idéias e práticas com que se deparam diferentes seres humanos.

Nessa perspectiva, pode-se afirmar que é no entrelaçamento do estrutural com o singular, do instituído com o instituinte, na processualidade entre a macro e a micro-realidade que a história faz-se viva e real, porque é fruto da ação de homens concretos. Assim, os sempre tensos e conflituosos, arranjos sociais – quer se refiram a esferas mais amplas, como a educação, quer a esferas menores, como a escola ou o professor – só podem ser efetivamente apreendidos e compreendidos, num plano teoricamente mais profundo, como inerentes a uma totalidade concreta, tecida por múltiplas, complexas e dialéticas relações e inter-relações.

Mancebo (2007), no levantamento realizado sobre as recentes investigações sobre o trabalho docente, detectou uma dupla postura teórico-metodológica na literatura especializada, quando o tema volta ao centro da produção acadêmica.

Por um lado, foram localizadas análises sobre o trabalho docente que o articulavam às modificações carreadas pelo movimento mais geral da globalização do capitalismo, com o objetivo de dar maior visibilidade teórica aos efeitos que os novos processos de trabalho geram para a docência e para a educação (MANCEBO, 2007, p. 475).

Por outro lado, a autora assinala que existem pesquisas que trilham caminho epistemológico diverso, enfocando escalas menores, até mesmo as micro-realidades locais, grupais e pessoais, destacando os diversos processos de resistência que se manifestam no agir dos sujeitos.

Evidentemente que a presente pesquisa vinculou-se à – tão necessária quanto relevante – preocupação em dar visibilidade teórica aos efeitos que os novos processos de trabalho, próprios do movimento de mundialização do capital, têm gerado sobre o trabalho do professor. Todavia, não se pode perder de vista que o homem é um ser que faz escolhas e, portanto, não é indiferente às possibilidades que o mundo que o cerca se lhe apresenta e, mais que isso, ele também cria outras possibilidades a partir das suas formas de apreensão da realidade e das condições dadas em seu tempo histórico.

Disso conclui-se que detectar um esforço de conformação do trabalho docente, por parte do atual governo mineiro, não equivale a afirmar que tal tentativa tem sido tranqüilamente assimilada pelos sujeitos docentes. Somente o mergulho na realidade da escola – aquele local de trabalho e espaço político em que os programas educacionais ganham vida –

poderá sinalizar se esta intenção de nova conformação da docência tem se consubstanciado efetivamente. Sendo assim, o diálogo entre o que se prescreve (com todos os propósitos explícitos e velados aí contidos) e o que se realiza impõe-se como necessário para se compreender as feições, de fato, assumidas pela docência na Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais. Em outras palavras, faz-se necessário perscrutar o mundo real, abrir espaço para a observação das rotinas escolares e para a escuta dos sujeitos docentes, pois somente o contato com o próprio professor, no exercício diário de sua profissão, poderá permitir mensurar o alcance das ações e intenções do atual governo.

Enfim, a partir de tais inquietações, sugere-se o prosseguimento do engenhoso e instigante ofício de investigar, de modo a puxar outros fios que, entrelaçados, estão a compor esta complexa trama do tecido social.