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Apesar de terem sido encontrados resultados interessantes a respeito dos livros didáticos brasileiros e italianos e, consequentemente, ter sido possível fazer uma caracterização dos conhecimentos escolares sobre evolução nos dois países, a análise aqui presente é um recorte e uma abordagem inicial. As diferenças de concepções entre os brasileiros e italianos não podem ser explicadas em sua totalidade apenas pelas diferenças encontradas nos livros didáticos.

A análise aqui realizada também focou o conhecimento evolutivo de maneira específica e, por isso, optou-se em utilizar os dados gerais, sem entrar nas diferenças de concepções relacionadas a diversos fatores sociais, como idade, sexo, fatores econômicos, religiosos, entre outros. A fim de se explorar de maneira qualitativa como tais fatores sociais, econômicos, culturais e religiosos influenciam nas concepções e como as diferenças nesses aspectos dos dois países poderiam explicar os dados do SAPIENS, outros recortes metodológicos se fazem necessários e devem ser futuramente explorados. Assim como se faz também necessário, para um entendimento mais completo da transposição didática, um olhar para a relação didática em si, considerando juntamente com o conhecimento, os professores e os alunos, uma vez que o papel do professor é também importante na caracterização do conhecimento escolar. Pesquisas brasileiras indicam que o conteúdo de evolução é muitas vezes relegado ao último plano por professores, ficando em último lugar entre os temas biológicos (BORGES; LIMA, 2007).

É importante salientar que Chevallard não interpretava a distância entre o saber científico e o saber a ser ensinado como um erro no conhecimento transposto didaticamente, sendo natural que houvesse este distanciamento devido à natureza e função de cada um destes. Porém as distâncias e proximidades entre os tipos de conhecimentos ajudam a entender as concepções alternativas e como o conhecimento escolar sobre evolução está estruturado.

O primeiro ponto dessa estruturação se refere aos momentos que os alunos têm contato com o conhecimento evolutivo. Nos dois países, a análise dos livros indicou que o contato com evolução no último nível escolar antes do Ensino Superior se dá, potencialmente, em mais de um momento. No entanto, enquanto a maior parte dos conteúdos evolutivos nos livros italianos se deu nos livros do primeiro biênio, ou seja, o

início da Scuola Secondaria di Secondo Grado, nos brasileiros, ocorreu majoritariamente no terceiro ano do Ensino Médio, ou seja, no último ano.

Com relação aos conhecimentos evolutivos, os temas, representados pelas unidades de registros, presentes nos livros didáticos não variaram de forma significativa entre os dois países, principalmente no Ensino Médio/Secondo Ciclo. Assim como apontado pelo trabalho de Patti (2017), a análise apontou que existe uma proximidade entre os conhecimentos abortados nos livros didáticos e no conhecimento científico.

Embora a presença e a profundidade das unidades de registro tenham variado também entre os livros analisados de um mesmo país, a maior diferença encontrada nos livros do nível de Ensino Médio/Secondo Ciclo entre os países foi a respeito da profundidade com que foram abordados, tendo destaque o maior aprofundamento nos livros italianos com relação a síntese moderna, às forças evolutivas e à genética de populações.

No caso do EF, a distribuição variou mais heterogeneamente, sendo que nos livros brasileiros analisados, conteúdos de evolução foram encontrados no 7º e no 8º ano, enquanto nos italianos, no primeiro ou no segundo anos (de três) da Scuola Secondaria di Primo Grado. Os dados indicaram a presença de mais temas evolutivos no Primo Ciclo italiano que no EF brasileiro, especialmente a respeito da síntese moderna e da evolução humana. Esses resultados podem ser um indicativo de que o contato precoce com a evolução seja importante para sua compreensão e aceitação.

Embora a análise aqui feita tenha se restringido até esse nível a ausência de assuntos evolutivos nos documentos curriculares brasileiro dos anos iniciais do Ensino Fundamental, como ilustrado pela proposta da BNCC (BRASIL, 2017b) e sua presença no currículo do Primo Ciclo italiano (CRIVELLARO; SPERDUTI, 2014; RUFO, 2013) indicam que os italianos podem ter um contato com a evolução ainda mais cedo no percurso escolar do que os brasileiros.

Talvez o contato mais precoce com os aspectos da teoria evolutiva seja um diferencial para uma melhor relação entre os estudantes e esse fato científico. Se assim for, torna-se ainda mais preocupante o fato que na terceira versão o da BNCC do Ensino Fundamental, o conteúdo de evolução estar presente apenas no 9º ano. Como a maioria das pesquisas acadêmicas não enfoca o ensino de evolução anteriormente aos anos finais desse nível escolar e a maioria dos estudos focalizam o Ensino Médio e o Ensino Superior, tem-se a possibilidade de um grande campo de investigação.

Embora tenham sido encontradas diferenças no conhecimento evolutivo trabalhado nos livros analisados do Brasil e da Itália, os livros brasileiros escolhidos não apresentaram erros conceituais e epistemológicos graves (com exceção, por exemplo, da confusão entre aclimatação e homeostase em uma das coleções e a vinculação do exemplo da evolução dos bicos dos tentilhões ao Darwin). Tal fato está de acordo com trabalhos como de El-Hani, Roque e Rocha (2011) que discutem a importância do PNLD para a melhora na qualidade dos livros didáticos adotados pelas escolas públicas brasileiras. No entanto, a qualidade do LD por si só pode não estar sendo suficiente para melhorar o ensino de evolução, como mostram os resultados do SAPIENS. Os livros mais atuais analisados parecem dar continuidade a estrutura encontrada nos livros que estavam disponíveis em 2014.

A opção metodológica do comparar é um grande desafio e uma grande oportunidade. Trabalhar com um contexto externo ao seu, com outra língua e outros parâmetros demanda uma atenção redobrada. Entretanto, as reflexões decorrentes do olhar para fora para também olhar para si, pode trazer contribuições e outras pesquisas nesse sentido podem ser feitas futuramente, incluindo novas aplicações do barômetro.

As reflexões feitas a partir desta comparação mostraram que algumas diferenças dos livros podem estar relacionadas às diferenças de concepções e aceitação entre estudantes brasileiros e italianos encontradas no projeto SAPIENS, mas estão longe de as justificarem por completo. Novas perguntas também surgem, como, por exemplo: por que, mesmo com alta aceitação e assertividade, a concepção de progresso está presente em quase 20% dos jovens italianos?

Por mais que o ensino de evolução no Brasil esteja enfrentando tempos incertos, principalmente por conta do breve lançamento da BNCC e de discussões como a Escola sem Partido, compreender a posição do ser humano na árvore da vida, como um dos pequenos ramos dentre uma diversidade enorme e não como o topo de uma escada é essencial para a formação cidadã e consciente.