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Os primeiros estudos sobre a transformação dos espaços urbanos brasileiros na primeira metade do século XX proporcionam uma ampla divulgação das realizações arquitetônicas e urbanísticas produzidas no eixo Rio - São Paulo, o que as torna referências da história urbana. Posteriormente, o estudo de casos específicos em outras regiões mostra que aquelas idéias e práticas também se difundem em outras localidades, disseminadas por profissionais que trabalham em diferentes cidades do país.

Esse estudo da trajetória urbanística da capital paraibana através da transformação de seus espaços públicos constata que os discursos e ações referentes à modernização dos seus espaços urbanos ocorrem de forma concomitante aos de outras cidades do país. Se em meados do século XIX o Tenente Henrique de Beaurepaire Rohan, governador da Paraíba, altera parte da estrutura da capital desse estado segundo conhecimentos e experiências adquiridas em sua atuação em diversas cidades do país, o período de 1910 a 1930 marca a cidade de João Pessoa com a presença de profissionais também atuantes em várias regiões brasileiras, consagrando um mesmo discurso e revelando soluções fundamentadas em princípios semelhantes. Tem-se a presença, nessa capital, de Saturnino de Brito, implementando um plano norteado por preocupações sanitaristas, e de Nestor de Figueiredo, guiado por demandas expansionistas e viárias.

Os períodos imperial e início da época republicana, apontados em alguns documentos e estudos como momento de desordem na maioria das capitais brasileiras e marcados por uma infra-estrutura inadequada alvo de inúmeras críticas, revelam-se, nessa pesquisa, como parte de um processo contínuo de transformação urbana, que culmina em grandes intervenções no século XX. Apesar de apresentar poucas alterações formais e nos usos dos espaços públicos – quando comparadas com as do século seguinte -, o período oitocentista é essencial para o desencadeamento das reformas urbanas. É um momento rico em críticas e sugestões acerca da organização da cidade, com questionamentos a respeito do seu funcionamento e da sua aparência. As ações desse momento são iniciativas para o melhoramento e a adaptação da estrutura citadina às novas necessidades, mostrando um processo gradativo de reformulação que se intensifica no século XX e não uma ruptura com uma ‘inércia’ em relação à ‘estrutura colonial’ a partir da década de 1910, como muitas vezes interpretado. O alinhamento de vias, não necessariamente sua retificação, a implantação de platibandas, o levantamento da cidade através de mapas e descrições revelam a presença dessa preocupação, constituindo- se exemplos de elementos fundamentais dessa etapa urbanística que impulsionam os ciclos de reformas concentrados entre as décadas de 1910 a 1930.

A relação inaugurada nesse momento entre o discurso urbano e a população, através dos meios de comunicação, apesar de ainda incipientes, torna-se fundamental para a concretização de uma das facetas das intervenções urbanas, que é a reformulação dos usos dos espaços públicos a partir da alteração do cotidiano e dos hábitos de seus usuários. É também um momento de envolvimento da população com as questões urbanas em debate e com seus reflexos nas ações administrativas, efetivando a relação das novas formas vinculadas a novos usos e inovando, gradativamente, os modos de apropriação dos espaços públicos.

Dissertação de Mestrado - Maria Cecília Almeida

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Considerações Finais As formas, os usos e as denominações dos espaços públicos da cidade de joão Pessoa, em todo o período estudado, encontram-se fortemente vinculados através de uma interferência mútua, guiada principalmente por questões estéticas, de salubridade e de circulação. O desmonte de “velhos” usos e formas é gradativamente apresentado por novas aparências que respondem às reivindicações formadas e reforçadas ao longo desse trajeto, anunciado também pelas novas denominações atribuídas a esses espaços. Os nomes traduzem esse processo de transformação, mostrando as mudanças referentes a cada época, bem como as permanências que resistem aos novos ideais. Inicialmente, a toponímia explica, muitas vezes, a identidade do lugar, traduzindo-o verbalmente. Ao longo das intervenções, perde-se essa característica. O nome não provém mais das especificidades do lugar a quem ele se refere, mas passa a ser reflexo, sobretudo, de questões outras, revelando novos conceitos urbanísticos e homenageando pessoas ilustres ou datas históricas.

Na capital paraibana, esse processo de transformação dos espaços públicos, aqui interpretado através da dinâmica de suas formas, seus usos e suas denominações, mantém uma relação com a expansão do tecido urbano. Na ocupação das terras da ‘cidade alta’ até a área portuária estão os espaços que guardam características dos tempos da Colônia e do Império em relação às suas aparências, aos seus modos de ocupação e aos seus nomes, a exemplo dos largos, pátios, travessas e becos, interligados por uma trama que se adapta ao relevo, distanciando-se, por esse motivo, da ortogonalidade. As vias estabelecidas no alinhamento das casas e pela topografia caracterizam a malha urbana que se constrói até fins do século XIX. As formas dos espaços públicos desse momento, sejam eles pátios, largos ou campos, relacionam-se com esse traçado estabelecido, evidenciando-se, muitas vezes, pelas edificações que os circundam. As igrejas e os sobrados vinculados à administração pública são os elementos arquitetônicos de maior interferência na composição formal desses espaços públicos, cuja conformação física proporciona flexibilidade no seu uso, por se constituírem áreas amplas e homogêneas, apropriadas para festas, feiras, jogos e outras atividades.

Com a intensificação das intervenções higienistas já presentes na época imperial e as inovações estéticas, parte da área urbana então consolidada e seus arredores são realinhados e dotados de praças. Esses novos espaços públicos têm sua estrutura física associada às atividades que passam a abrigar, através de coretos, jardins, passeios e equipamentos esportivos. Suas formas inovadoras abrigam novas atividades revestidas de novos conceitos de saúde e moda inseridos nos hábitos cotidianos. A mulher passa a participar ativamente das atividades urbanas e as novidades inseridas nesses espaços selecionam seus usuários, preservando a elite do restante da população. No entorno das praças, erguem-se novas construções administrativas que influenciam na aparência da cidade, anunciando novos conceitos estéticos onde não mais a arquitetura eclesiástica é a fachada principal. Tornando-se elementos representativos desse momento e com o nome de praça anunciam novos conceitos de espaço público.

A capital paraibana amplia sua trama urbana a partir de interesses expansionistas onde avenidas largas, retas e ortogonais, interligadas ao Parque Solon de Lucena e em contraste com as áreas já consolidadas definem duas áreas: a ‘cidade existente’ e a ‘cidade futura’. A questão da circulação e a intensificação do verde na cidade conduzem à formação dos espaços públicos desse momento, anunciados por parques e avenidas-parque. Essas últimas são elementos produzidos para passagem e velocidade, idealizados a partir de um plano viário. O automóvel se sobressai na utilização dessas áreas e a escala humana não corresponde, muitas vezes, à dos espaços públicos. A arquitetura produzida e vinculada a esses espaços é a moderna, com novos conceitos de funcionalidade e novos valores estéticos, produzida para ser vista na velocidade do automóvel.

Esse processo de transformação dos espaços públicos é norteado por planos implantados, mesmo que parcialmente. A expansão urbana vincula-se à especialização funcional prevista no plano de Nestor de Figueiredo, a exemplo da região onde se implanta a Universidade. A escala urbana amplia-se continuamente com a

construção de avenidas que conduzem o tecido urbano para as praias. Com o espraiamento, a região central da cidade tem sua utilização reduzida. Os espaços públicos construídos anteriormente passam a ser utilizados de modo novo - com comércio informal e estacionamento, como ocorre no parque Solon de Lucena -, parcialmente – a exemplo da praça João Pessoa, que passa a ser palco de reivindicações políticas esporádicas por situar-se em frente ao Palácio do Governo-, ou ainda são convertidos em locais de passagem – como a praça da Independência.

Nas novas áreas urbanas são construídos novos espaços públicos destinados, sobretudo, ao lazer, esporte e turismo. Alguns desses espaços são utilizados cotidianamente pela população residente nas suas proximidades, outros permanecem obsoletos. Apesar da implantação de praças nos diversos bairros da cidade, são os espaços públicos próximos às praias os de maior utilização, sejam ruas, praças ou a praia. Assim como ocorre no centro, a tendência das vias é de especializarem-se, observando-se ruas comerciais, de lazer, de serviços e voltadas para o turismo, essas mais concentradas na região praieira. Na praia de Tambaú, as ruas nas proximidades das praças Santo Antônio e Vicente Trevas, popularmente chamadas de “Feirinha de Tambaú” por abrigar uma feira de artesanato, constituem as mais utilizados para o lazer noturno, com bares, boates e restaurantes. Um das áreas de maior movimentação para lazer e esporte é o calçadão das praias de Tambaú, Cabo Branco e Manaíra. Nessa última, entre a avenida João Murício (beira-mar) e a rua Manoel Moraes, encontra-se uma das áreas mais utilizadas como praça na região, apesar de oficialmente não receber esse nome. Trata-se de uma quadra de esportes construída no leito da rua Manoel Morais, que tem seu último quarteirão, que antecede o calçadão da praia, inteditado para esse fim. Nela instala-se uma lanchonete e uma área pavimentada com bancos, caracterizando uma praça. O local é conhecido como “quadra de Manaíra” e recebe grande número de usuários no fim da tarde e em fins de semana, impulsionando também o uso de seus arredores. Nos bairros mais afastados dessa região e fora do trajeto centro-praia, a exemplo dos bairros dos Bancários e de Mangabeira, localizados na direção da Cidade Universitária, algumas praças se destacam pela utilização da população local. Porém, é muito comum que esses usuários também se desloquem para os espaços públicos da região praieira, sobretudo nos fins de semana.

Nota-se, portanto, nessa trajetória dos espaços públicos da cidade de João Pessoa, mudanças significativas de forma, escala, uso e maneiras de nomear estes lugares. Neste processo, alguns espaços são reformados, outros suprimidos, outros criados. Alguns firmam-se como locais de passagem, outros como áreas de vivência atraindo comércio de rua e usuários que neles desenvolvem formas diversas de sociabilidade em bancos de praças, feirinhas de artesanato, play grounds, quadras de esportes, etc. Na segunda metade do século XX , a orla marítima firma-se como principal núcleo de espaços públicos de permanência, configurados pelas praias, por praças e ruas próximas. Embora absorvam grande número de usuários e tenham uma posição central no cotidiano da população local e na atividade de turismo, no plano simbólico ainda é muito forte o sentido que alguns espaços públicos - parques e praças - hoje considerados degradados e subutilizados assumem para os moradores.