• Nenhum resultado encontrado

Com este trabalho, buscou-se identificar como o espelho serve de meio para a reprodução da imagem no mundo analisando o filme Cléo de 5 a 7 (1962) de Agnès Varda e a poesia Mirror (1961) de Sylvia Plath pela teoria do filósofo italiano Emanuele Coccia sobre a sensibilização da imagem escrita no livro A Vida Sensível (2010). A análise inicia sobre como o misticismo ao redor do espelho se apresenta desde a Grécia antiga e do Japão feudal e como continua até a atualidade, esta introdução servindo para situar o foco da pesquisa.

No filme Cléo de 5 a 7 foi estudado a forma como a protagonista Cléo utiliza o espelho para perceber como a reprodução de sua imagem ocorre nos olhos de outras pessoas e como ela própria se transformou em um espelho para refletir essa imagem. Ao assumir tal imagem criada por outras pessoas, ela se tornou uma mulher fragmentada e sem identidade própria, até o momento em que não conseguiu mais sustentar tal faceta. Estudando o filme através da teoria de Coccia, foi permitido esse entendimento e também a compreender como a imagem dela reverbera pelo mundo e que irá se reproduzir independente de seu controle, pois a imagem tem também vida própria.

O encontro de Cléo com Dorothée e posteriormente com Antoine a abriu os olhos para a possibilidade de que ela também pode ver sua própria imagem no mundo e que ela não necessita ser um espelho, muito menos que precisa se transformar em um espelho para que outros a vejam como ela realmente é. Tal amadurecimento da personagem se torna possível pois ela se permitiu abraçar novos sentimentos, entender quem ela se tornou e como o próprio mundo é a síntese de imagens.

A vida sensível é a vida que se tornou possível através das imagens, a vida que as imagens tornam possível. Assim, toda forma de aquisição, posse, reelaboração e difusão do sensível deve fazer parte da mesma esfera. Do mesmo modo, as imagens (o sensível) existem em nós, ou seja, são capazes de viver em nós também de formas diferentes daquelas relativas ao conhecimento e à percepção, assim como também vivemos do sensível com objetivos diferentes daqueles cognitivos. (COCCIA, 2010, 72-73)

Para Sylvia Plath e a poesia Mirror é o espelho que conta a história de uma mulher e o objeto é o meio para a reprodução da imagem dela. A mulher é constantemente observada por esse pequeno deus e ele engole e guarda os seus medos, entre eles, o do envelhecimento. Dentro desse espelho uma jovem também vive, a versão mais jovem desta mulher que precisou ser abandonada e junto dela, um horrível peixe nada à espreita, a espera de ser libertado.

Ali a forma do peixe é o que Coccia chama de extraneum, um ser estranho, estrangeiro. O animal também é uma imagem da mulher, mas uma imagem que ela despreza e pretende nunca assumir como sendo uma reprodução de sua alma no mundo externo.

Em suma, as duas obras se entrelaçam inicialmente pelo espelho, mas a profundidade entre a relação de suas protagonistas com a síntese de suas imagens e sensibilização delas no mundo é o que realmente as conecta. Além disto, as duas mulheres sentem medo do amadurecimento e da morte, mas a partir do momento em que entendem que sua alma tocou o mundo e das outras pessoas que as conheceram, se relacionaram com elas, seja dentro das suas respectivas obras ou como espectadores, elas poderão viver para sempre.

6 REFERÊNCIAS

BASSNETT, Susan. Sylvia Plath An Introduction to the Poetry. 2. ed. Basingstoke, Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2005.

CARVALHO, Taísa. O IMAGINÁRIO POÉTICO EM SYLVIA PLATH: ANÁLISE DE “EDGE” E “MIRROR”. Revista de Letras Dom Alberto, Santa Cruz do Sul, v. 1, p. 95-107, jan. 2013. Disponível em: https://domalberto.edu.br/wp-content/uploads/sites/4/2017/06/O- Imagin%C3%A1rio-Po%C3%A9tico-em-Sylvia-Plath-An%C3%A1lise-de-

%E2%80%9CEdge%E2%80%9D-e-%E2%80%9CMirror%E2%80%9D.pdf. Acesso em: 11 nov. 2020.

CLÉO das 5 às 7. Direção de Agnès Varda. Paris: Georges de Beauregard, 1962. (90 min.), son., P&B. Legendado.

COCCIA, Emanuele. A Vida Sensível. (tradução de Diego Cervelin). Desterro: Cultura e Barbárie (Coleção PARRHESIA), 2010.ANEXOS

CONWAY, Kelly. AGNÈS VARDA. Illinois: University Of Illinois Press, 2015.

FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas : uma arqueologia das ciências humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Tradução de Salma Tannus Muchail.

GEORGANTA, Konstantina. A terrible fish is born: inescapable femininity in Sylvia Plath and W. B. Yeats. Máthesis, Coimbra, v. 19, p. 113-130, 2010. Disponível em: https://digitalis.uc.pt/pt-

pt/artigo/terrible_fish_born_inescapable_femininity_sylvia_plath_and_w_b_yeats. Acesso em: 11 nov. 2020.

LACAN, Jacques. O estádio do espelho como formador da função do eu. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

LIU, Jui-Ch'I. Francesca Woodman's Self-Images: transforming bodies in the space of femininity. Woman'S Art Journal, [S.L.], v. 25, n. 1, p. 26-31, 2004. JSTOR. http://dx.doi.org/10.2307/3566495.

MCFADDEN, Cybelle H. Gendered Frames, Embodied Cameras: Varda, Akerman, Cabrera, Calle, and Maiwenn. [S. L.]: Fairleigh Dickinson University Press, 2014.

MOUTON, Janice. From Feminine Masquerade to Flaneuse: Agnes Varda's Cleo in the city. Cinema Journal, [S.L.], v. 40, n. 2, p. 3-16, 2001. Project Muse. http://dx.doi.org/10.1353/cj.2001.0004.

MURRAY, Rona. Varda and the Nouvelle Vague. 2009. Disponível em: https://itpworld.wordpress.com/2009/05/01/varda-and-the-nouvelle-vague/. Acesso em: 02 dez. 2020.

NELSON, Roy Jay. Reflections in a Broken Mirror: Varda's Cléo de 5 à 7. The French Review, [S.I.], v. 56, n. 5, p. 735-743, 1983.

NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? São Paulo: Edições Auróra, 2016. Tradução de Juliana Vacaro.

OZAKI, Yei Theodora. Japanese Fairy Tales. New York: A.L.Burt Company., 1908. Disponível em: https://etc.usf.edu/lit2go/72/japanese-fairy-tales/4844/the-mirror-of- matsuyama/. Acesso em: 22 out. 2020.

QUINET, Antonio. Os outros em Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4097934/mod_resource/content/1/288261375-

Antonio-Quinet-Os-Outros-Em-Lacan.pdf. Acesso em: 28 nov. 2020.

SADOWSKI, Piotr. From Interaction To Symbol: A Systems View of The Evolution of Signs and Communication. Amsterdã: John Benjamins Publishing Company, 2009.

SJAASTAD, Elisabeth O.. Who’s afraid of Agnès Varda? Federation Of European Film Directors, Bruxelas, p. 1-4, 2008. Disponível em: http://www.filmdirectors.eu/whos-afraid-of- agnes-varda/?lang=fr. Acesso em: 12 out. 2020.

SÜSSENBACH, Carla. "Espelho Diário" Corpo(s)-Arte de Rosângela Rennó na perspectiva discursiva. 2017. 139 f. Tese (Doutorado) - Curso de Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2017. Disponível em: https://www.riuni.unisul.br/bitstream/handle/12345/3919/Tese%20Espelho%20Diario%20Sus senbach.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 22 out. 2020.

Documentos relacionados