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O público formado por millennials e alphas é consumidor no mercado de bens culturais, que faz parte da chamada economia criativa – um conceito novo, porém importante para entender a economia global atual. O termo foi cunhado por John Howkins em 2001, em

64 seu livro The Creative Economy (Economia criativa, publicado no Brasil em 2012), como forma de nomear as mudanças na indústria cultural que passaram a integrar diferentes formas de trabalho – como a publicidade, o audiovisual, a moda e o design –, além de sofrerem uma expansão com a revolução tecnológica proporcionada pela internet. Dessa forma, o valor agregado ao produto não se refere apenas ao trabalho investido em sua produção, mas também às ideias e à criatividade envolvidas. Ainda que seja possível entender o papel de criativos na indústria cultural, a economia criativa é muito mais abrangente, pois é cada vez mais relevante o papel da criatividade em indústrias tradicionalmente tidas como não criativas.

Num mundo em que os mercados são globais e competitivos, a inovação e as habilidades individuais tornaram-se um verdadeiro diferencial para o êxito de determinado produto. Do ponto de vista desta pesquisa, é importante entender a economia criativa não apenas como um fenômeno millennial, mas, principalmente, como um ponto de partida para a expansão e a ampliação do mercado cultural ao valorizar ideias e compreender novas necessidades, com base nas recentes mudanças de hábitos e desejos. Nas palavras do autor,

Nossos desejos pessoais estão mudando, assim como [...] a forma como nos relacionamos. Como resultado dessa transformação, a economia também está mudando. Seu foco passa de produtos para serviços, de commodities para experiências e de preços fixos para descontos e, até, para o gratuito (HOWKINS, 2012).

Apesar de o termo “economia criativa” ser recente, ao falar do valor que o capital cultural possui, Bourdieu (2011) já apontava para o que se tornou uma realidade nos dias atuais. Os mecanismos de transmissão e manutenção desse capital e do que ele representa enquanto status, poder e legitimação social parecem também ser bem atuais, como se vê na relação entre pais millennials e filhos alphas.

Vimos, ao longo desta pesquisa, que os hábitos são reflexos do capital social herdado dos pais e da família, somados à estreita relação com o capital escolar adquirido durante a formação educacional (que é legitimada por diplomas emitidos pelas instituições escolares).

As necessidades culturais são produto da educação. Desse modo, todas as práticas culturais (idas a museus e concertos, hábitos de leitura, etc.) e as preferências literárias, artísticas e musicais estão estreitamente associadas ao nível de instrução e também à origem social. A formação do gosto, a transmissão de valores culturais e as condições em que são produzidos os consumidores dos bens relacionam-se diretamente aos níveis de escolarização, origem

65 social e aos hábitos passados de geração em geração. Por isso, nossos interlecutores, os frequentadoress do evento Baby Boom, são tão preocupados com as atividades culturais que compartilham com seus filhos. Não são apenas idas a museus, teatros e cinemas que são valorizados: o ideal é que seus filhos tenham acessso à cultura rock: shows, festivais e festas.

O que se levanta como aspecto inovador é a relação entre a vivência conjunta e simultânea de pais e de filhos em eventos que promovem a formação cultural, de acordo com o perfil das gerações millennials e alphas, como vimos anteriormente. O cenário contemporâneo mostra pais e filhos como um mercado consumidor potencial de bens culturais voltados para ambos. As pesquisas sobre essas gerações revelam uma nova forma de relação em que se tem, cada vez mais, a presença e a participação dos pais na vida das crianças. No caso pesquisado, a recíproca é verdadeira: pais têm levado cada vez mais seus filhos para vivenciarem programas que antes eram “de adulto”.

Nos Estados Unidos e na Europa, festivais e shows de rock que possuem espaços e atrações dedicadas a crianças já são uma realidade. No entanto, para esse público, ainda parece haver uma lacuna de mercado em países como o Brasil. Para exemplificar, seguem dois casos referentes a festivais de rock, que são o foco do produto final desta pesquisa:

1) Na Europa, festivais como Primavera Sound (Espanha e Portugal), Alive (Portugal) e Paredes de Coura (Portugal) oferecem desde serviços de babysitters até espaços com vista privilegiada para mulheres grávidas, além de muitas atividades para os mais novos;

2) O Lollapalooza, um dos maiores e mais tradicionais festivais de música do mundo, criou, em 2005, em Chicago, o Kidzapalooza – um espaço que acabou tornando-se parte da identidade do evento. A ideia é integrar cada vez mais os jovens ao mundo da música.

No Brasil, é praticamente inexistente o estímulo para que as famílias levem seus filhos pequenos para grandes festivais. O Lollapalooza, em São Paulo, apareceu como a exceção que confirma a regra, oferecendo bandas, DJs e outras atividades exclusivas para crianças dentro do espaço Kidzapalooza, como na versão americana, mas o projeto não continuou.

Nas várias edições do evento Baby Boom, percebeu-se que o público que frequenta a festa busca uma opção de entretenimento entre pais e filhos – um mercado aparentemente muito pouco explorado – com a temática do rock. Mas o que se nota é que, além de entreter, essa opção parece contribuir para a formação de hábitos culturais da nova geração. Eventos

66 como Baby Boom e Meu Filho, Meu Roqueiro funcionam como espaços onde um grupamento urbano de uma comunidade de sentido, tal como caracterizado por Janotti Jr. (2003), encontra-se. São espaços que viabilizam a criação de capital cultural para que a vivência de determinados valores seja partilhada. Lembrando que a principal característica de um grupamento urbano é, ao mesmo tempo, tanto o seu pertencimento a uma comunidade de sentido, quanto a sua diferenciação enquanto produção de sentido localizada.

Por conseguinte, o evento Meu Filho, meu Roqueiro, o produto final desta pesquisa, apresenta-se não apenas como um desdobramento do evento Baby Boom, mas também como a possibilidade de materialização dos temas discutidos nesta pesquisa. Do ponto de vista de formação de gosto, pais e mães estarão preparando seus filhos para o mesmo hábito, legitimando e fortalecendo essa cultura. Do ponto de vista da economia, é uma lacuna a ser preenchida que se encaixa nos pré-requisitos da economia criativa.

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