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Meu Filho, meu roqueiro: análise de experiências culturais entre pais e filhos

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Academic year: 2023

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ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING - ESPM/RJ MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DA ECONOMIA CRIATIVA

FÁBIO MAIA FERREIRA DOS SANTOS

MEU FILHO, MEU ROQUEIRO: análise de experiências culturais entre pais e filhos

Rio de Janeiro 2019

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FÁBIO MAIA FERREIRA DOS SANTOS

MEU FILHO, MEU ROQUEIRO: análise de experiências culturais entre pais e filhos

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Gestão da Economia Criativa pela Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM/RJ.

Orientadora: Lucia Maria Marcellino de Santa Cruz

Rio de Janeiro 2019

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca ESPM/RJ Maia, Fábio

Meu Filho, Meu Roqueiro: análise de experiências culturais entre pais e filhos / Fábio Maia. - Rio de Janeiro, 2019.

70 f. : il.

Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Propaganda e Marketing, Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa, Rio de Janeiro, Ano.

Orientador: Lucia Maria Marcellino de Santa Cruz.

1. Gerações. 2. Juventude. 3. Millennials. 4. Criatividade. 5.

Família. I. Maia, Lucia Maria Marcellino de Santa Cruz. II.

Escola Superior de Propaganda e Marketing. III. Título.

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FÁBIO MAIA FERREIRA DOS SANTOS

MEU FILHO, MEU ROQUEIRO: análise de experiências culturais entre pais e filhos

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Gestão da Economia Criativa pela Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM.

Rio de Janeiro, 11 de abril de 2019.

__________________________________________

Prof. Lucia Maria Marcellino de Santa Cruz – Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

Orientadora

__________________________________________

Prof. Tania Maria de Oliveira Almeida – Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

Avaliador 1

__________________________________________

Prof. Paulo de Oliveira Reis Filho – Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

Avaliador 2

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Para Téo e Ju.

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AGRADECIMENTOS

Aos professores do Mestrado Profissional em Economia Criativa da ESPM, obrigado por tudo.

À Lucia, obrigado pela paciência.

Aos meus colegas, obrigado por serem os melhores.

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“Você culpa seus pais por tudo Isso é absurdo

São crianças como você O que você vai ser Quando você crescer?”

(RENATO RUSSO, 1989)

(8)

RESUMO

A relação entre pais e filhos tem sido alvo de diversos estudos e formulações teóricas nas ciências humanas desde sempre e, mais recentemente, é também um importante aspecto nas pesquisas de mercado. Se, há alguns anos, a preocupação era com a geração dos millennials, hoje já temos os alphas, que convivem com avós e bisavós baby boomers, ou da geração X.

Entender as características de um grupo tão heterogêneo é o que diversas publicações e pesquisas tentam fazer. Boa parte de nossas vidas é dedicada a atribuir valores simbólicos a produtos, incluindo os culturais. Esta pesquisa trata de como os pais millennials transmitem seus gostos para seus filhos e de como é possível, através da economia criativa, preencher uma lacuna de mercado: a falta de um local de entretenimento para essas famílias, especificamente pensado para fãs de rock. Do ponto de vista de formação de gosto, este trabalho vai discutir como pais e mães estão preparando seus filhos para o mesmo hábito, legitimando e fortalecendo uma determinada cultura.

Palavras-chave: Gerações. Juventude. Millennials. Alphas. Economia Criativa.

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ABSTRACT

The relationship between parents and children has been the subject of several theoretical studies and formulations in the human sciences since the last century and, more recently, it is also an important aspect of market research. If a few years ago, the concern was with the generation of millennials, today we have the alphas, who live with grandparents and great-grandparents baby boomers, or generation X. Understanding the characteristics of such a heterogeneous group is what several publications and researches try to do. A good part of our lives is dedicated to attributing symbolic values to products, including cultural ones. This research looks at how millennials parents convey their tastes to their children and how it is possible, through the creative economy, to fill a market gap: the lack of an entertainment venue for these families, specifically intended for rock fans. From the point of view of taste formation, this work will discuss how parents are preparing their children for the same habit, legitimizing and strengthening a given culture.

Keywords: Generations. Youth. Millennials. Alphas. Creative Economy.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 YOU GOTTA FIGHT FOR YOUR RIGHT TO PARTY ... 14

2.1 O EVENTO BABY BOOM: UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL ... 14

2.2 PESQUISA E AS EXPERIÊNCIAS PESSOAIS ... 15

2.3 OBJETIVO E METODOLOGIA ... 16

3 FOREVER YOUNG: JUVENTUDE, ESTILO DE VIDA E CONSUMO ... 19

3.1 JUVENTUDES ... 19

3.2 JUVENTUDE E ESTILO DE VIDA ... 21

3.3 O ROCK E SEUS FÃS ... 24

3.3.1 Breve contextualização ... 26

4 MY GENERATION: FAMÍLIAS E GERAÇÕES ... 31

4.1 A ORIGEM DA FAMÍLIA MODERNA ... 31

4.2 A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA ... 33

4.3 SOBRE GERAÇÕES ... 35

4.3.1 A geração digital ... 38

4.3.2 Millennials ... 40

4.3.3 Os filhos alphas ... 46

5 THE KIDS ARE ALRIGHT – PAIS E FILHOS ... 49

5.1 PAIS E FILHOS – A RELAÇÃO ENTRE MILLENNIALS E ALPHAS ... 49

5.1.1 A socialização em família e o conceito de habitus ... 51

5.1.2 Formação do gosto entre gerações ... 54

5.2 DEPOIMENTOS ... 57

5.3 MEU FILHO, MEU ROQUEIRO – O EVENTO ... 62

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 63

REFERÊNCIAS ... 67

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11 1 INTRODUÇÃO

A relação entre pais e filhos vem, há muitos anos, despertando o interesse de estudiosos e sendo alvo de formulações teóricas nas ciências humanas. Mais recentemente, também se transformou em um importante aspecto a ser considerado nas pesquisas de mercado. As relações intergeracionais, que implicam na convivência de duas ou mais gerações, passaram a ter mais relevância a partir da segunda metade do século XX, quando o advento das tecnologias digitais, a globalização e o hiperconsumo começaram a fazer parte das mudanças do cotidiano familiar. Desde então, as transformações acontecem de forma mais rápida e, consequentemente, as mudanças sócio-culturais resultam em mais gerações surgindo em um espaço mais curto de tempo.

Esse fenômeno vem ocorrendo paralelamente à evolução do envelhecimento populacional como tendência demográfica dominante e ao aumento da expectativa de vida.

Por isso, é cada vez mais comum a concomitância de gerações. Se, há dez anos, a preocupação era com a geração millennial, hoje há os alphas, que convivem com avós e bisavós baby boomers, pais e tios millennials ou membros da geração X. Entender as características de um grupo tão heterogêneo é o que diversas publicações e pesquisas tentam fazer.

O papel de agente de mudança é, geralmente, atribuído à juventude. As representações sociais juvenis na História marcam o seu tempo como peças fundamentais para tantas transformações que ocorrem nos lares, na política, na autoidentidade, na cultura, entre tantos outros espaços. Socialmente, a juventude ganhou formas e discursos particulares de suas experiências. Após a Segunda Guerra, a mídia e o consumo tornaram os conceitos de geração ainda mais amarrados. Os millennials, que têm como principal caraterística o mundo conectado à internet, usam os meios de comunicação para participarem das causas em que acreditam, uma vez que foram os primeiros a terem o domínio total das tecnologias de consumo. Hoje adultos, são uma geração de pais que estão mudando a forma de se relacionar com e de educar seus filhos.

Em outubro de 2015, a revista Time, uma das mais importantes do mundo, trouxe como matéria de capa o artigo “Help – My Parents are millennials” (“Socorro – Meus pais são millennials”)1. A reportagem cobria as diferenças entre três gerações: a baby boomer (de nascidos entre 1943 e 1960), a geração X (de nascidos entre 1960 e 1980) e a millennial (de nascidos entre 1980 e 2010). Entrevistando mães, pais, psicólogos, cientistas e outros

1 Disponível em: <http://time.com/help-my-parents-are-Millennials-cover-story/>. Acesso em: 28 fev. 2019.

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12 profissionais que analisam o tema e embasando as questões mais importantes em pesquisas, o artigo deixou clara a diferença entre a maneira de criar os filhos em cada uma dessas gerações.

De acordo com a revista, a geração millennial, cujos filhos pertencem à atual geração alpha (de nascidos a partir de 2010), é a que apresenta maiores índices de mudança comportamental na criação dos filhos. Neste sentido, esta pesquisa busca descrever como os millennials – que, numa nova tendência de comportamento familiar, não abrem mão do que gostam de fazer e incluem seus filhos no roteiro de entretimento, ao mesmo tempo em que passam seu capital cultural acumulado para as futuras gerações – também são responsáveis pela formação do gosto dos filhos.

No primeiro capítulo, serão pontuadas as motivações para o estudo desse tema e analisada qual é a importância e o impacto das experiências pessoais numa pesquisa. O universo pesquisado foi o do evento Baby Boom, uma festa de rock para os pais se divertirem junto com seus filhos. A investigação, inicialmente, levou à definição de um perfil do público que frequenta a festa: pais pertencentes à geração millennial e filhos da geração alpha. Nessa seção, também serão apresentados o objetivo da pesquisa e os percursos metodológicos que foram utilizados durante seu desenvolvimento.

Já no segundo capítulo, o foco será a juventude, que tem importância como espírito, no nosso tempo, e como categoria social, pois é um marcador etário. É fundamental pensar a juventude na medida em que ela representa um estilo de vida e que, a partir dela, as gerações são rotuladas. Estilo de vida e consumo, portanto, também serão abordados no capítulo, uma vez que o surgimento das chamadas culturas jovens acontece concomitantemente à transformação de uma sociedade industrial voltada para consumo em uma cultura de consumo. Isso quer dizer que o ato de consumir passa a incluir e afetar todas as esferas de nossas vidas. Outro aspecto importante que será apresentado é a caracterização do fã de rock como cultura jovem, uma vez que os interlocutores desta pesquisa não são apenas millennials, mas também fãs e consumidores desse gênero musical.

No capítulo três, o estudo debruça-se nas discussões sobre família, a partir do clássico Philippe Ariès (1981) e sobre os estudos de gerações. Será realizado um resgaste das transformações da família propostas por Singly (2007) e outros autores que tratam o tema sob a mesma perspectiva teórica: o individualismo relacional e sua influência nas mudanças familiares. Outro tema essencial é as gerações e como elas são entendidas no mundo contemporâneo, sobretudo os rótulos geracionais que são importantes para esta pesquisa – mais especificamente os millennials e as suas relações com seus filhos alphas.

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13 Aqui, as considerações de Don Tapscott (2010) sobre a geração digital ganharão especial destaque.

Além de professor adjunto de administração da Universidade de Toronto, no Canadá, Tapscott é fundador-presidente da empresa de pesquisa e consultoria InGenera Innovation Network, que lançou um projeto “para estudar o impacto da internet nos jovens em um esforço para entender essa geração singular” (TAPSCOTT, 2010, p.9), o qual realizou entrevistas com trezentos jovens de até vinte anos e cujo resultado foi publicado no best-seller A hora da Geração Digital, escrito entre 1996 e 1997. Tapscott (2010, p.9) concluiu que a principal característica da geração millennial “é o fato de serem os primeiros a crescerem em um ambiente digital”, denominando-a Geração Internet. Ele observou também que esses jovens “eram mais numerosos que os adultos da Geração Baby Boom e diferentes de qualquer outra geração” (TAPSCOTT, 2010, p.9).

Se os alphas são a geração de filhos dos millennials, é natural estabelecer uma relação entre ambos e buscar compreender a influência que genitores exercem, sobretudo na questão da formação de hábitos culturais dos filhos, que é o tema desta pesquisa. Esse aspecto será abordado no quarto capítulo, juntamente com os resultados do survey realizado. Para tanto, a fundamentação teórica que se utiliza são os estudos de Pierre Bourdieu (2011) na obra A distinção: crítica social do julgamento. Nela, o filósofo defende que os bens culturais também possuem uma economia e mostra como o gosto diferencia as pessoas e desenvolve mecanismos de distinção e legitimação entre grupos sociais. Além disso, o autor analisa como ocorre a formação do gosto, a transmissão de valores culturais e as condições em que são produzidos os consumidores dos bens culturais. Como esses possuem uma economia, o autor estabelece as condições em que são produzidos os consumidores desses bens e seus gostos.

Boa parte de nossas vidas é dedicada a atribuir valores simbólicos a produtos, incluindo os culturais. O produto final deste projeto é o evento Meu Filho, Meu Roqueiro, que preenche uma lacuna de mercado: a falta de um local de entretimento entre pais e filhos, especificamente pensado para fãs de rock; ao mesmo tempo, encaixa-se nos pré-requisitos da economia criativa. Realizado em março de 2019, mais do que uma festa, Meu Filho, Meu Roqueiro foi um espaço onde memórias afetivas entre pais e filhos possam ser construídas e um local simbólico, de formação de gosto. Pais e mães prepararam seus filhos para o mesmo hábito, legitimando e fortalecendo a cultura do rock.

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14 2 YOU GOTTA FIGHT FOR YOUR RIGHT TO PARTY

Esta seção tem por objetivo delimitar o escopo da pesquisa, perpassando a experiência do autor e sua motivação. Por meio de fundamentação teórica, busca-se apresentar a relevância do evento Baby Boom para a consolidação do projeto Meu Filho, Meu Roqueiro, bem como o objetivo e a metodologia utilizados neste trabalho.

2.1 O EVENTO BABY BOOM: UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL

De acordo com Antonio Carlos Gil (2002, p.35), “A qualidade mais requerida do pesquisador é a experiência na área”. Em consonância com esse autor, esta pesquisa se desenvolveu a partir de experiências pessoais. Para além do gosto por organização de eventos e da minha paixão por música, em particular pelo rock-and-roll, meu interesse pelo tema desta pesquisa é definido, especialmente, pela paternidade.

Minha carreira como DJ e produtor de eventos sempre foi muito influenciada pelo meu relacionamento com o meu próprio pai, que é um colecionador de vinis. Meu gosto pela música cresceu a partir da experiência de ouvir MPB e bossa nova em sua companhia. Quando eu descobri o rock, o apresentei a ele: assim foi uma parte muito significativa da nossa relação e da minha formação musical. A paixão pela música transformou-se de hobby em trabalho quando passei a discotecar profissionalmente e, consequentemente, comecei a produzir eventos. Ao longo desta defesa, pontuo que ser um fã foi crucial para algumas de minhas escolhas profissionais e que o rock está atrelado a um estilo de vida, o que afetou a minha relação com o meu filho.

Em 2009, com uma longa carreira de DJ de rock e pop na noite carioca, descobri que seria pai. Foi a partir de então que comecei a perceber a pressão social para o desempenho de desse papel tradicional que a paternidade anuncia. Primeiro, na voz de amigos que já eram pais: “Agora, acabou festa!”, “Agora, acabou noite”, “Acabou cena alternativa, acabou rock!”,

“Acabou show de rock!”, “Acabou festival!”; e segundo, quando percebi a pouca oferta de atividades e eventos de entretenimento que combinassem crianças e música e que fossem direcionados para o público consumidor de rock e música alternativa, que é justamente onde meu trabalho e gosto se encontram. Ou seja, aparentemente, paternidade não combina com diversão roqueira, ou mais especificamente: não existe entretenimento onde pais e mães fãs de rock possam desfrutar junto com seus filhos.

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15 Portanto, se eu não encontrava esses eventos, eu poderia organizar um. O primeiro evento Baby Boom aconteceu sob o pretexto de ser minha festa de aniversário. Inspirado por minha recém-paternidade, decidi que deveria fazer uma comemoração que reunisse pais, filhos e roqueiros em geral. O grande diferencial dos eventos Baby Boom é que seu conceito e estrutura são pensados especificamente para inclusão de crianças pequenas e seus pais:

acontecem mais cedo, no fim da tarde ou início da noite; o som é mais baixo; e há disponibilidade de babás e espaços para recreação infantil. Uma matinê alternativa para pais, filhos e roqueiros de todas as idades. Por ser um evento voltado para fãs de rock, o Baby Boom seria um espaço onde os pais poderiam compartilhar com seus filhos suas músicas preferidas, de modo a passar para a geração seguinte suas referências culturais. A festa, que começou de modo despretensioso, fez sucesso e transformou-se num projeto profissional mais robusto, com eventos que renderam várias edições, inclusive fora do Rio de Janeiro, e produtos correlatos, como o Festivalzinho, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro, por exemplo. Assim, o evento Baby Boom ficou conhecido na cena carioca como “a primeira e única festa de rock para pais e filhos”.

2.2 PESQUISA E AS EXPERIÊNCIAS PESSOAIS

Devido ao fato de eu estar tão ligado aos temas abordados nesta pesquisa, não podem ser ignorados, nesse sentido, Edgar Morin (2005) e Claude Lévi-Strauss (2003), cujas obras contribuem com significativa propriedade para pensarmos a questão da relação entre pesquisador e objeto. Morin (2005) traz o paradigma da complexidade, no qual um dos princípios é justamente o rompimento do tradicional dualismo entre sujeito-objeto. Na visão do autor, o sujeito e o objeto estão totalmente inter-relacionados, e essa interação pode levar à construção de saberes que vão além do que tradicionalmente conhecemos como objetividade científica. “Ainda mais: só existe objeto em relação a um sujeito (que observa, isola, define, pensa) e só há um sujeito em relação a um meio ambiente objetivo (que lhe permite reconhecer-se, definir-se, pensar-se, etc, mas também existir)” (MORIN, 2005, p.41). Não se trata, simplesmente, da subjetividade interferir no objeto, mas de os dois só fazerem sentido se interligados.

Ao mesmo tempo, é importante considerarmos em que nível deve, esse pesquisador, que é parte do campo pesquisado, realizar sua aproximação do objeto; e em que ponto deve afastar o olhar para realizar questionamentos e análises diferenciadas. Tais questões são amplamente debatidas na antropologia, sobretudo nas pesquisas com forte influência dos

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16 escritos de Claude Lévi-Strauss (2005). Nas investigações antropológicas que lidam com sociedades contemporâneas urbanas complexas, os pesquisadores já estão imersos no objeto desde sempre. São mais que “observadores-participantes”, tal como proposto por Malinowski (1984), que revolucionou a prática antropológica ao propor uma total imersão na convivência com os nativos dos povos exóticos estudados, a fim de compreender a cultura em estudo dentro de seus próprios termos. A famosa expressão de Lévi-Strauss “ver de perto para ver de longe” (1983) ajuda-nos a entender que um olhar distanciado pressupõe uma necessária aproximação a uma determinada cultura (ou qualquer objeto pesquisado cientificamente) para buscar todas as particularidades e minúcias que o cercam. Só então seria possível apreender o maior conhecimento possível do que é pesquisado. Segundo o autor, o primeiro movimento de um pesquisador é se aproveitar ao máximo de o que a proximidade com esse objeto pode proporcionar para, num segundo movimento, distanciar-se a ponto do estranhamento.

Estranhar tudo o que se tornou familiar transforma-se no próprio exercício da investigação.

Obviamente, esta não é uma pesquisa antropológica. No entanto, tomaremos por empréstimo essas noções de pesquisa, que justificam e embasam a minha proximidade com o tema e a justificativa deste trabalho. Nesse sentido, esta pesquisa está em harmonia com Lemos (2017), na medida em que ele defende que

o pesquisador, enquanto sujeito, efetivamente deve interagir com o objeto pesquisado em um nível profundo para que a própria pesquisa tenha um significado mais real a partir das próprias percepções e elementos culturais que fazem parte desse pesquisador. E que inevitavelmente influenciarão na maneira como esse objeto será verificado e analisado (LEMOS, 2017, p.21).

Os autores citados mostram-nos a importância de se exporem os aspectos subjetivos e interpretativos com o propósito de obter uma pesquisa clara e objetiva em seus processos metodológicos e resultados. Por isso, considero que este relato de minhas experiências como DJ, produtor de eventos, fã de rock e pai são importantes para demonstrar em qual plano de fundo desenha-se esta pesquisa.

2.3 OBJETIVO E METODOLOGIA

O objetivo desta pesquisa é verificar como os pais contribuem na formação do gosto de seus filhos por atividades culturais e do hábito de vivenciá-las, em especial em relação ao

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17 rock-and-roll. Principalmente se considerarmos que a valorização de atividades lúdicas que permitam que pais e filhos realizem juntos e compartilhem os mesmos produtos culturais seja um fenômeno característico das gerações contemporâneas. Assim, considerando que em uma pesquisa “o tema que escolhemos, ou pelos quais somos escolhidos, não abraçam a realidade inteira” (SANTAELLA, 2001, p.155), recorreu-se à delimitação do tema, focando apenas nas gerações millennial e alpha, que configuram o maior público dos eventos Baby Boom. Nesse sentido, uma parte importante deste trabalho está na identificação e descrição dos perfis desses diferentes recortes geracionais.

No que se refere a referências teóricas e revisão bibliográfica, além dos estudos referentes à juventude e relações geracionais, são importantes para esta pesquisa as discussões sobre a formação do gosto e a questão do capital cultural, como pensado por Bourdieu (2011).

Também é importante refletir sobre a questão do consumo do fã e da importância do rock como estilo de vida, e não apenas como um produto cultural.

Para além da revisão bibliográfica, uma fonte de dados muito importante foi o survey realizado com os frequentadores dos eventos Baby Boom, pois uma pesquisa exploratória, como afirma Gil (2002, p.42), “com base em seus objetivos, acaba servindo mais para proporcionar uma nova visão do problema”. A utilização de técnicas padronizadas para coleta de dados, neste caso, foi realizada com entrevistas qualitativas e semiestruturadas, que ocorreram da seguinte forma:

1) Observação do comportamento do público, na comunidade on-line da festa Baby Boom;

2) Conversa com pais e filhos de diferentes gerações e de gostos culturais semelhantes, sobretudo em relação ao rock-and-roll.

No que diz respeito à confidencialidade dos depoimentos aqui inseridos, a opção foi adotar o anonimato dos entrevistados, não revelar suas identidades e unir muitas vozes em uma para manter a privacidade do público.

Foram utilizadas como fontes de dados postagens e discussões de grupo realizadas no Facebook, onde se encontra uma comunidade de pais que buscam, naquela rede social, entretenimento original para frequentar com suas crianças. A consolidação dessa rede proporcionou conhecer um pouco das tendências, transformações, questões, curiosidades e necessidades das relações familiares de determinado grupo presente no mundo contemporâneo. Atualmente, muitas pessoas, principalmente os jovens e grupos de fãs,

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18 encontram, nos espaços digitais, um lugar onde subjetividades transitam, de modo que podemos assumir que a vida conectada é mais uma vertente da vida social (LAAI, 2016).

Dessa forma, esta pesquisa segue um princípio semelhante ao abordado por Hine (2000) e Laai (2016), que defendem que o virtual não é descolado do real, mas pode ser considerado um prolongamento deste.

Por fim, vale ressaltar que a metodologia do estudo é de natureza híbrida:

qualitativa, de cunho reflexivo, por meio de pesquisa bibliográfica, buscando trazer contribuições teóricas para o campo da economia criativa. De acordo com Gil (2008), a pesquisa bibliográfica desenvolve-se por meio de material já elaborado dentro de determinados campos e faz parte da composição de estudos exploratórios. Esse tipo de investigação, segundo o autor, permite ao pesquisador cobrir “[...] uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente” (GIL, 2008, p.50).

Assim, entende-se que tal levantamento de bibliografias nas áreas de estudos de juventude, antropologia do consumo e estudos sobre gerações contribuirão para enriquecer as discussões na área em que esta pesquisa se encontra, que é o da economia criativa.

O resultado desta pesquisa foi transformado num evento especial, que é o produto final para a conclusão do Mestrado. O evento Meu Filho, Meu Roqueiro foi organizado como um desdobramento do evento Baby Boom, do qual o principal objetivo era materializar as demandas do público consumidor em questão: millennials que desejam um espaço adequado para o entretenimento entre pais e filhos. Também foi possível observar como um evento desse tipo pode configurar-se como um ponto de encontro de grupamentos urbanos de uma comunidade de sentidos, tal como será desenvolvido no próximo capítulo.

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19

3

FOREVER YOUNG: JUVENTUDE, ESTILO DE VIDA E CONSUMO

Neste capítulo, a juventude será encarada como representação e condição social, posto que se trata de um conceito plural marcador da cultura e do estilo de vida, e não apenas marcado pela faixa etária. As juventudes, portanto, manifestam-se indivudualmente, mas sempre atreladas a estruturas sociais, como será desenvolvido adiante. Nesse sentido, o rock será apresentado como manifestação da cultura jovem, de forma que sua contextualização é imprescindível para a compreensão de sua relação com a parentalidadde, e, consequentemente, da constituição do público-alvo dos eventos Baby Boom e Meu Filho, Meu Roqueiro.

3.1 JUVENTUDES

Nascer, crescer e morrer. Uma das formas de se pensar a vida é através do tempo. As faixas etárias reconhecidas pela sociedade ocidental são construções que se transformam:

abandonos, retornos, supressões e acréscimos que se modificam a partir de uma determinada realidade sócio-cultural. Portanto, as categorias sociais que se originam delas também se transformam: termos como infante, pré-adolescente, adolescente, jovem, jovem adulto, meia- idade, idoso, etc. foram convencionados arbitrariamente, pois possuem conteúdos culturais e jurídicos que estão atrelados a disputas econômicas e políticas. Essas marcações funcionam como regras que determinam quando, como e por meio de quais rituais as sociedades reconhecem as passagens entre as etapas da vida.

Assim, a categoria juventude deve ser considerada no plural, pois não é vivida e tampouco percebida da mesma forma por todos os indivíduos. Uma juventude vivida nas camadas sociais altas e médias não é a mesma experimentada pelas camadas trabalhadoras.

Da mesma forma que são distintos os modos de ser jovem no meio rural e no meio urbano, ou no Brasil e no exterior. A vivência da condição juvenil é também marcada em função de desigualdades de gênero e dos preconceitos e discriminações que atingem diversas etnias. A juventude é diversa também em termos de orientação sexual, gosto musical, pertencimentos associativos, religiosos e políticos. São tantos os marcadores de identidade que permitem, inclusive, aproximações e interseções entre jovens socialmente separados ou separações de jovens territorialmente próximos.

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20 De modo geral, na sociedade ocidental contemporânea, embora haja grande variação entre os limites de idade, a juventude é entendida como um momento de construção de identidades e de definição de projetos de futuro. Ou seja, essa fase da vida é vista em seu caráter de transitoriedade, na qual o jovem é um “vir a ser”, tendo, no futuro, na passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente. Exatamente por isso, considera-se que a juventude é o período mais marcado por ambivalências. De acordo com o senso comum, ser jovem é existir numa contraditória convivência entre as subordinações à família e à sociedade e, ao mesmo tempo, grandes expectativas de emancipação. Sendo assim, para além dos determinantes biológicos que podem ser acionados como marcadores da passagem tempo no corpo humano, a dimensão simbólica de como pensamos essa passagem de tempo é preponderante em nossa sociedade.

Por outro lado, na medida em que os avanços tecnológicos e científicos proporcionam cada vez mais qualidade e extensão de vida, a juventude como estágio tem se tornado cada vez mais prolongada. Kehl (2004) em seu ensaio “A Juventude como sintoma da cultura”, afirma que

Ser jovem virou slogan, virou clichê publicitário, virou imperativo categórico – condição para se pertencer a uma certa elite atualizada e vitoriosa. Ao mesmo tempo, a “juventude” se revelava um poderosíssimo exército de consumidores, livres dos freios morais e religiosos que regulavam a relação do corpo com os prazeres, e desligados de qualquer discurso tradicional que pudesse fornecer critérios quanto ao valor e à consistência, digamos, existencial, de uma enxurrada de mercadorias tornadas, da noite para o dia, essenciais para a nossa felicidade (KEHL apud NOVAES & VANNUCHI, 2004, p.46).

Ou seja, definir o jovem contemporâneo é uma tarefa difícil, pois, atualmente, a juventude foi adotada por todas as gerações, de modo que não designa apenas um grupo social determinado por uma faixa etária específica. Em nosso cotidiano, ser jovem, aparentar juventude ou sentir-se jovem são objetivos de vida de praticamente todos os setores sociais de todas as faixas etárias. “A juventude é um estado de espírito, é um jeito de corpo, é um sinal de saúde e disposição, é um perfil do consumidor, uma fatia do mercado onde todos querem se incluir” (KEHL, 2004, pp.89-90).

Nesse sentido, esta pesquisa não vai trabalhar o conceito de juventude a partir de fronteiras rígidas de faixa etária calcadas na biologia e na psicologia, mas sim em seu caráter

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21 simbólico, por meio do qual o “envelhecimento postergado transforma o jovem, de promessa de futuro que era, em modelo cultural do presente” (PERALVA, 2007). Ou seja, a ideia de juventude que é associada a valores e a estilos de vida e a promessa de uma eterna juventude como um mecanismo fundamental de constituição de mercados de consumo; ou, como define Peralva (2007), juventude como configuração própria na modernidade; que é, ao mesmo tempo, uma condição social e um tipo de representação.

3.2 JUVENTUDE E ESTILO DE VIDA

Considera-se que foi a partir de meados do século XX, em especial no pós-guerra, que o protagonismo juvenil consolidou-se. Eric Hobsbawm (1995) fala do início de uma “cultura jovem”. Para Edgar Morin (1987), foi no pós-guerra, principalmente com o desmantelamento das instituições tradicionais, com destaque para a crise do modelo familiar patriarcal burguês, que surgiram uma série de movimentos culturais que colocaram o jovem como um protagonista social.

A ideia de juventude como espírito do tempo, associado às rupturas, ao novo, ao que não se conforma, à busca por experiências e mudanças, está inserida no próprio movimento distintivo da modernidade ocidental. De modo que

Os valores relacionados no senso comum contemporâneo à juventude, são signos caros ao conceito de moderno, em especial a partir do século XIX, quando a própria palavra “moderno” é incorporada definitivamente ao vocabulário cultural do período (KOSELLECK, 2006), fazendo com que modernidade seja não só uma época, mas também uma visão de mundo e uma forma de estar nele, ou seja, um ethos, um estilo de vida (ENNE, 2010).

Savage (2009) atenta que o lançamento e o sucesso dos clássicos literários O mágico de Oz, de L. Frank Baum (1901), e Peter Pan, de J. M. Barrie (1911), no início do século XX, já apontavam que se tentava definir “algo que estava no ar mas não tinha nome definido”. Ele conclui:

Na virada do século, a ideia de que a juventude podia ser definida como uma fase distinta da vida estava engatinhando, mas essas obras cheias de imaginação exploravam as várias possibilidades de um sentimento, se não

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22 de toda uma sociedade, baseadas nas promessas de juventude, transitórias ou eterna (SAVAGE, 2009, p.13).

O surgimento da “cultura jovem”, como identifica Hobsbawm (1995), acontece no mesmo momento histórico em que temos a transformação de uma sociedade industrial voltada para o consumo em uma cultura de consumo. Isso quer dizer que o ato de consumir passa a incluir e afetar todas as esferas da vida, sendo identificado como uma atividade cada vez mais cultural e simbólica do que, propriamente, econômica (BARBOSA & CAMPBELL, 2006;

CAMPBELL, 2004). Por isso, não é estranho que o ocidente entenda o jovem como sinônimo do ser moderno; portanto, a aceitação e valorização da ideia de juventude precedem a própria aceitação e valorização do sujeito concreto jovem, no que se refere à faixa etária.

Esse fenômeno vai encontrar na cultura midiática, espetacularizada e imagética, o cenário perfeito, uma vez que a cultura de massa também está em franca expansão nesse momento. A cultura popular e massiva ancora-se nas culturas juvenis – que começaram a surgir a partir do século XIX3 –, e os jovens, por sua vez, passam também a se apropriar fortemente da cultura midiática. Dessa forma, é impossível não relacionar, doravante esse processo histórico, a afirmação simultânea das três culturas: jovem, midiática e consumista.

O caráter individualizante da construção dos estilos de vida é uma das principais características da modernidade ocidental, o que define cada vez mais identidades no mundo contemporâneo. Sabemos que toda construção cultural possui uma dimensão social e outra individual, no sentido de que se manifesta individualmente, mas estará sempre atrelada em estruturas sociais. Gilberto Velho (1981, p.206), a partir das teorias de Schutz e Simmel, atenta para o fato de que as construções dos estilos de vida acontecem por meio de projetos dentro de campos de possibilidades. Seu foco e extensão são mutáveis e dependentes de uma série de variáveis. Assim, se são os indivíduos que constroem, pelos mais diversos recursos, sua realidade social, eles o fazem dentro de sistemas mais ou menos rígidos de regras, valores, hábitos, etc.: o que Pierre Bourdieu (2011) chama de habitus, que são os valores introjetados que condicionam nossas escolhas e possibilidades de construção de si. Nas palavras de Ana Lúcia Enne,

3 Em A Criação da Juventude, Savage (2009) apresenta, numa série de narrativas, os diversos movimentos e tentativas de definir fenômenos juvenis ocorridos na entre o fim do século XIX e o início do século XX. Muito antes do pós-Segunda Guerra, que é considerado o início das culturas jovens.

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23 é na modernidade ocidental que, dentro de uma ideologia individualista, os sujeitos disporão de maior autonomia para compor suas pessoas públicas.

Por rupturas políticas, econômicas ou culturais, haverá claramente, em especial para as camadas médias, a ampliação dos “campos de possíveis”

para a reinvenção de si. […] a construção de um individualismo qualitativo, em que a singularidade e distinção são elementos centrais e, portanto, profundamente devedores da noção de estilo de vida, só foi possível a partir da consolidação de um individualismo de tipo quantitativo, ancorado em valores de igualdade e padronização (ENNE, 2010).

É na fase de consolidação da modernidade ocidental, em meados do século XIX e início do século XX, que temos a expansão da comunicação e da mídia. E também é quando o consumo de capital simbólico amplia-se, possibilitando a construção de estilos de vida. É o desenvolvimento desse processo que vivemos hoje:

a demanda cada vez mais crescente por renovação, mudança, movimento, ruptura, entre outros signos caros à modernidade em sua luta afirmativa contra a tradição, valores esses, todos, de algum modo, associados a um conceito ainda em florescimento, que em meados do século XX seria o amálgama perfeito entre modernidade, mídia, consumo e estilo de vida: a juventude (ENNE, 2010).

Nesse cenário, surgem a cultura do fã e os estilos de vida derivados de culturas juvenis.

Segundo Morin, é na a década de cinquenta que a juventude passa a ser “o fermento vivo da cultura de massas” (MORIN, 1997, p.157), referindo-se ao movimento de apropriação pela indústria cultural dos elementos simbólicos produzidos por essas culturas. O autor investiga a juventude no esforço de entender como as contraculturas identificadas como marginais transformam-se em tendências dominantes, apontando para as mudanças constantes dos movimentos jovens que surgem em torno de produções. Ou seja, as culturas juvenis criam estilos de vida específicos.

Nesse sentido, tratar de culturas juvenis em sua grande variedade é também tratar do conceito de estilo de vida, não só como entendido por Giddens, “como um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto- identidade” (GIDDENS, 2002, p.79), mas também em sua apoiada definição de Featherstone:

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24 no âmbito da cultura de consumo contemporânea, a expressão “estilo de vida” conota individualidade, auto-expressão e uma consciência de si estilizada. O corpo, as roupas, o discurso, os entretenimentos de lazer, as preferências de comida e bebida, a casa, o carro, a opção de férias, etc. de uma pessoa são vistos como indicadores de individualidade do gosto e o senso de estilo do proprietário/consumidor (FEATHERSTONE, 1995, p.119).

A partir dessa perspectiva, a eternização da juventude como estilo de vida faz com que as atuais gerações deparem-se com novas categorias sociais, como pais jovens ou avós jovens. Maria Rita Kehl (2004) descreve que os jovens das primeiras décadas do século XX procuravam, muito cedo, imitar o estilo de vida dos pais, o que fazia com que um rapaz de 25 anos, nos seus hábitos, modos de vestir e atitudes, parecesse mais com seu pai de 45 anos do que com seu irmão de 18. Hoje, é perceptível uma enorme proximidade entre os hábitos, modos de vestir e atitudes de um pai de 45 anos com um filho de 18.

No contexto das últimas décadas, em que a abundância de signos consumíveis aumentou rápida e consideravelmente, assim como as possibilidades de acesso a eles, as condições para os processos de construção e mesmo invenção de si também diversificaram e tornaram-se mais fluidas. Isso permite com que os indivíduos experimentem mais com essas formas de capital, numa lógica de bricolagens e mesclas de signos que permitem a combinação e o acúmulo de identidades sociais e estilos de vida. O público-alvo do Baby Boom e do evento Meu Filho, Meu Roqueiro são um exemplo disso: são homens e mulheres, jovens adultos, pais e roqueiros.

3.3 O ROCK E SEUS FÃS

Apesar de as culturas juvenis poderem ser identificadas já no final do século XIX e início do século XX, no período anterior à Segunda Grande Guerra, é a partir da década de 1950 que as ideias de cultura jovem e de juventude, como segmento social específico, são consolidadas (SAVAGE, 2009). A expansão do consumo mediante a prosperidade econômica, o desenvolvimento do modelo de estado do bem-estar social, a expansão das indústrias culturais e dos meios de comunicação de massa e a maior oferta de bens de consumo e das atividades de lazer são alguns dos pontos essenciais na formação dessa nova condição juvenil.

A música apresenta-se como um importante agregador de culturas jovens, uma vez que os

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25 diferentes gêneros populares expressam e falam diretamente ao imaginário jovem, constituindo-o como o público que os sustenta.

O rock-and-roll é um grande representante das culturas juvenis. Trata-se de um gênero musical mundial, pois seus representantes, sejam eles produtores ou consumidores, encontram-se tanto na sociedade ocidental quanto em locais distantes de nossa realidade cotidiana, como Japão, China ou Mongólia. Desde os anos 1950, quando o estilo deu os primeiros passos na figura icônica de Elvis Presley, até os dias atuais, percebe-se o quanto ele se diversificou, industrializou-se e, assim, produziu músicos, bandas, fãs e merchandising de acordo com as ideias que cada corrente difunde. Consoante Caiafa,

O rock tem um alcance mundial. Ele passa por muitos lugares, vindo de longe, e lá entra em contacto [sic] com os ritmos autóctones, transtornando- os, de toda forma modificando um equilíbrio anterior, inoculando sempre um estrangeirismo numa suposta ingenuidade original. Música pode ser ouvida nos mais diferentes cantos do mundo (e entendida, sentida, desejada) – uma prodigiosa gíria universal. Marcadamente jovem, é uma youth culture que articula essa língua, internacionalmente. Assim, em seu percurso, o rock é quase sem origem, ele funciona mais como um hino mesmo dos jovens, música do planeta Terra. Com isso, o rock tem de princípio, uma função política: ao impor essa estranheza em qualquer lugar. Em vários momentos de sua passagem, contudo, uma situação de comércio e capitalização diluiu essa potência, banalizando-o, fazendo dele mera mercadoria vendável, moda, onda (CAIAFA, 1985, p.11).

Desde o seu surgimento e com todas as suas ramificações, o rock apresenta-se como o mais emblemático agregador de culturas juvenis. A música rock, a juventude e a indústria cultural são elementos que estão em contínua interação, por isso, desde sua consolidação (nos anos 1950), ocorre um movimento de absorção das manifestações culturais da juventude por parte da indústria cultural. Por outro lado, permanece a contínua reapropriação de elementos da cultura de massas por grupos de jovens na elaboração de novas manifestações culturais.

Descrever com precisão a história do rock e sua difusão pelo mundo não é a intenção desta pesquisa; no entanto, é importante uma breve contextualização um vez que o Baby Boom e o produto final – Meu Filho, Meu Roqueiro – são, essencialmente, eventos voltados para fãs e ouvintes de rock.

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26 3.3.1 Breve contextualização

Entre os pesquisadores, fãs e ouvintes do rock-and-roll, não há consenso sobre como e quando o gênero surgiu: apenas concordam que os Estados Unidos são o berço do rock. As observações aqui expostas, portanto, são baseadas no meu próprio capital cultural, com anos de acúmulo de conhecimento devido à minha condição de fã e DJ de rock, combinada com a leitura de alguns acadêmicos e jornalistas que se dedicam a analisar as particularidades dessa história4.

A história de origem mais famosa conta que o rock-and-roll surgiu em algum momento entre o fim dos anos 1940 e o início dos 1950, nos EUA, como resultado de uma mistura de elementos da música negra como o blues, o gospel, o jazz e o rhythm and blues, com elementos da música country-and-western tipicamente branca e dita caipira (redneck). Esse tipo de música foi apropriado por uma juventude branca em oposição à música vigente, que remetia aos seus pais. O rock era a música dos jovens, dos teenagers, e não a música da autoridade paterna. Ouvir rock, música negra, era ser rebelde.

A primeira geração de estrelas do rock – que brilhou entre 1948 e 1955 – era formada predominantemente por negros. Seus principais nomes eram Fats Domino, Chuck Berry e Little Richard. Contudo, o primeiro grande triunfo do rock deve-se ao branco Bill Haley, que conquistou as paradas com a música “Rock around the clock”. Tal sucesso deve-se, em grande parte, à sua inclusão na trilha sonora do filme Sementes de Violência (Blackboard Jungle, de 1955): a música aparece em uma cena de grande simbolismo, quando os alunos rebeldes destroem a coleção de discos de jazz clássico, com a qual um bem-intencionado professor tentava lhes “enquadrar”. Haley, apesar de ser branco, fez sucesso com versões de músicas negras e foi responsável pela criação da primeira banda de rock, a Bill Haley & His Comets.

Enquanto isso, na Grã-Bretanha dos anos 1950, muitos jovens provenientes das classes operárias organizavam-se em gangues consideradas violentas e ouviam um tipo de música chamada rock-and-roll. Esses jovens eram chamados de teddy-boys ou teddies. Os teddies tentavam vestir-se como aristocratas eduardianos. A preocupação com a roupa sempre foi decisiva para as várias gangues de jovens ingleses. Cada grupo se identificava principalmente por seu modo de vestir e, depois dos teddy-boys, pelo tipo de música, ou melhor: por que tipo de banda de rock ouviam ou em que tipo tocavam (rockers, mods, skins, punks, etc.). Os próprios teddies foram os primeiros a adotar o rock, quando essa música aportou na Inglaterra,

4 Cf. Abramo (1994); Bahiana (2006); Chacon (1989); Friedlander (2004); Straw (1993).

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27 como um emblema de sua identidade. Os teddies tinham uma estética corporal que expressava revolta, agressividade e desprezo para com os padrões impostos pela sociedade.

Como podemos ver, as bandas e os jovens que mantinham relações com esses gêneros musicais passaram a desenvolver uma estética que, ao longo do tempo, foi sendo adaptada, elaborada e reelaborada, conforme as transformações que os estilos vivenciavam e ainda vivenciam. Fãs e músicos de rock buscam sempre – seja através da moda ou de atitudes e discursos – uma forma de se diferenciarem dos demais; da sociedade vigente. Por isso, para tratar de fenômenos juvenis que se desenvolvem em torno de um estilo musical, são mais apropriadas as noções de “estilo de vida” e “culturas juvenis”, combinadas com as categorias

“alternativo” ou “mainstream”, no lugar da noção de “subcultura”.

Apesar de ser bastante popular, o conceito de subcultura foi bastante utilizado pelos estudos culturais nos clássicos estudos do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (Centre for Contemporary Cultural Studies - CCCS), da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, nos anos 1960 e 1970. O termo era utilizado pelo CCCS, vinculado à noção de autenticidade, para designar grupos juvenis urbanos que não se enquadravam nos padrões de consumo da época. Essa terminologia tem sido criticada por alguns teóricos contemporâneos (THORNTON, 2000; JANOTTI Jr, 2000, 2003a, 2003b) pela impossibilidade de se distinguir o consumo e a produção nos meios de comunicação de bens culturais das práticas de consumo e produção gerados de uma profusão de culturas juvenis em uma contemporaneidade fluida, onde todos estão inseridos em uma sociedade consumista. Nesse caso, alternativo (ou underground) é entendido como reconhecimento de práticas e padrões comuns identificados entre seus adeptos sempre em oposição ao considerado mainstream. Este é caracterizado como o comportamento baseado em amplo consumo de bens culturais e simbólicos de acordo com as regras sociais e de mercado vigentes. Essa diferenciação é importante na medida em que os fãs de rock não se consideram parte da cultura mainstream, e o universo desta pesquisa, isto é, os frequentadores e o próprio evento Baby Boom estão inseridos na cena alternativa da cidade do Rio de Janeiro.

De acordo com Thompson, ser fã é uma atividade que depende do grau de investimento naquilo que o autor chama de “uma relação de intimidade não recíproca com um outro distante” (THOMPSON, 1998). Tal relação de intimidade favorece o estabelecimento de laços afetivos moldados pela imaginação e pelo desejo por alguém inacessível. Cumpre esclarecer que é possível ser fã através de uma admiração guiada pela relação exaltada de afinidades ou fidelidades, como os fãs de esportes, de uma série de livros, de revistas em quadrinhos, ou de

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28 um estilo musical, que é o caso do objeto desta pesquisa. Thompson (1998) mostra que existem várias formas de manifestar essa admiração, de modo que ser fã

é organizar a própria vida de tal maneira, que seguindo uma certa atividade (como espectador esportivo, por exemplo), ou cultivando uma relação com alguns produtos ou gêneros de mídia, isto se torna a preocupação central do self e serve para governar uma parte significante da própria atividade e da interação com os outros. Ser fã é uma maneira de se organizar reflexivamente e de se comportar no dia-a-dia. Visto dessa maneira, não há uma clara linha divisória entre o ser fã e o não ser. É somente uma questão de gradação – até que ponto um indivíduo se orienta e modifica sua vida de acordo com certas atividades, produtos ou gêneros (THOMPSON, 1998, p.193).

Assim, atividades sociais práticas e intensas fazem parte da vida do fã: troca e circulação de informações; exibição, troca e venda de coleções dos mais variados produtos midiáticos, como músicas, filmes e imagens. Assim como o estabelecimento de contato com outros fãs através da frequência em convenções, concertos e eventos dedicados ao seu objeto de adoração, além da filiação em coletivos, grupos de discussão, fã-clubes, etc.

O fã participa de um mundo social complexo e altamente estruturado com suas próprias regras, convenções e linguagens, por isso formam comunidades que, vistas de fora, podem parecer herméticas. Um mundo social com hierarquias de poder, reputação e prestígio, com práticas de canonização e caracterizações estabelecidas por critérios próprios e com balizas de complexas gradações de conhecimento que dividem os fãs entre novatos, amadores, simpatizantes e conhecedores. Essas características formam um mundo à parte dos outros que, embora possam assistir aos mesmos filmes, seriados ou programas de televisão, ouvir as mesmas músicas ou ler os mesmos livros, estão alheios a esta lógica e não organizam suas vidas em torno dessas atividades, tampouco tornam-nas um aspecto integrante do próprio self (LAAI, 2016).

O público-alvo dos eventos Baby Boom são fãs de rock, de modo que se enquadram nas descrições apresentadas. Também podem ser identificados pela análise de Will Straw (1993) sobre o gênero musical chamado Heavy Metal, a qual caracteriza esse fã não como um

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29 ouvinte comum, mas sim como um conhecedor de música. Muitas vezes, ele é um músico (profissional ou amador) e/ou um entusiasta de expressões culturais, como um colecionador, mas é especificamente um consumidor diferenciado, pois tem opiniões críticas acerca de música, além de ser um leitor da imprensa especializada. Segundo Straw (1993), essas são as características do “hobbyst tendencies” ou “hobbyst activities”: tendências ou atividades que dizem respeito a toda uma rede de troca e consumo de bens e informações acerca do mundo do rock, além de ser um espaço de sociabilidade marcado pela “hierarquia” de saberes especializados e bens raros entre os membros.

Nesse sentido, os fãs de rock (assim como qualquer outro grupo de fãs) organizam-se em comunidades de sentidos tal como caracterizados por Janotti Jr. (2003): grupos de indivíduos que dividem interesses e valores comuns, compartilham determinados gostos e afetos e priorizam práticas de consumo específicas, que obedecem a determinadas produções de sentido em espaços desterritorializados, por meio de processos midiáticos que se utilizam de referências globais da cultura. É a partir da experiência desses sentidos e através do consumo de determinados objetos culturais que esse indivíduo reconhece seus pares, seja ele um cinéfilo, um punk ou um aficionado por futebol. De acordo com o autor:

Os territórios das Comunidades de Sentido seriam, antes de tudo, territórios simbólicos que possibilitam a manifestação de sentidos, presentes na produção discursiva das culturas midiáticas. Dessa forma, se não se partilha o território físico, continua-se a partilhar imagens, vestuários, posicionamentos corporais, valorações presentes nos objetos culturais que fundam esses territórios simbólicos, possibilitando, aos membros das comunidades, reconhecerem-se dentro desse território, independente das fronteiras geográficas tradicionais. Isso não significa que os membros dessas comunidades perderam seus traços locais e, sim, que os patamares, em que as comunicações entre seus membros se estabelecem, são aquelas que resumem os traços comuns a toda comunidades em nível globais. Por isso, é possível falar em comunidades de roqueiros, grafiteiros, skatistas, etc, situadas para além de suas localizações geográficas específicas (JANOTTI Jr, 2003, p.5).

Uma comunidade de sentido viabiliza a criação de capital cultural para que a vivência de determinados valores seja partilhada numa escala global, através das mídias transmitidas mundialmente; já sua dimensão local é identificada por Janotti Jr. como grupamento urbano,

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30 cuja principal característica é, ao mesmo tempo, tanto o seu pertencimento a uma comunidade de sentido, quanto a sua diferenciação enquanto produção de sentido localizada. Tais manifestações acontecem nas cidades, no tecido urbano, de modo que diferentes formas de apropriação da malha urbana criam diferentes produções de sentido. Por exemplo: a experiência de se comprar um jogo pirata num camelô, em meio às movimentadas ruas do Centro, não é mesma do que a ir a uma loja especializada num shopping de uma área nobre da cidade. Nessa mesma lógica, sair de casa para um evento específico onde pais e filhos vão poder brincar e ouvir e dançar rock juntos não é a mesma coisa que ouvir rock dentro do espaço doméstico.

Nesses termos, os eventos Baby Boom e Meu Filho, meu Roqueiro apresentam-se como importantes espaços de sociabilidade, principalmente no que diz respeito à formação de novas audiências. Como veremos no capitulo a seguir, esse tipo de evento vai proporcionar não apenas um momento de entretenimento entre amigos, pais e filhos, mas configurar também um momento de transmissão de capital cultural acumulado, ou seja, uma oportunidade de apresentação dos gostos musicais dos pais a seus filhos.

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31 4 MY GENERATION: FAMÍLIAS E GERAÇÕES

O presente capítulo visa a caracterizar as gerações segundo aspectos familiares e sociais, considerando que a família moderna e a família contemporânea configuram-se por muitas diferenças que impactam as relações entre seus membros. Além dos fatores relacionais, os fatores cosmopolitas, as novas tecnologias e os novos padrões de consumo resultam em gerações digitais díspares: geração Z, geração Y, xennials, millennials e alfas, entre as quais as duas últimas serão desenvolvidas nesta seção.

4.1 A ORIGEM DA FAMÍLIA MODERNA

Philippe Ariès (1981) aponta que a origem da família moderna5 encontra-se no seu processo de privatização, isto é, na gradual separação entre a vida pública e a privada, que caracterizam o Estado moderno. Ou seja, a família moderna configura-se simultaneamente ao desenvolvimento da noção de que os indivíduos têm o direito de guardarem para si mesmos o controle de determinadas informações e a possibilidade de se manterem protegidos e à parte de qualquer conhecimento público de suas ações. A esfera privada compreende aqueles comportamentos, acontecimentos e condutas que os indivíduos desejam que não se tornem do domínio público, garantindo seu resguardo ao um espaço de convívio com a própria individualidade, sem a perturbação da publicidade e da intromissão alheia. Nesse cenário, a afetividade também passa a ser privilegiada, e a família reconfigura-se: a mãe torna-se figura central do processo educativo, e os filhos passam a ocupar um novo lugar.

De acordo com Santos (2003), podemos identificar, nas sociedades capitalistas, quatro espaços políticos estruturais: espaço-tempo mundial; espaço-tempo doméstico; espaço-tempo da produção; e espaço-tempo da cidadania. Aqui, interessa-nos caracterizar o espaço-tempo doméstico, na medida em que é o espaço privilegiado de reprodução social, sendo constituído pelas relações entre os membros da família, uma vez que “as relações sociais familiares estão dominadas por uma forma de poder, o patriarcado que está na origem da discriminação sexual de que são vítimas as mulheres” (SANTOS, 2003, p.301).

No início da Era Moderna, o movimento feminista, em sua primeira onda, politizou o espaço doméstico, levando as mulheres a posicionarem-se em relação a questões

5 “Modernidade”, aqui, refere-se à ruptura com o pensamento medieval e o estabelecimento da autonomia da razão, o que teve enormes repercussões sobre a filosofia, a cultura e as sociedades ocidentais. Esse período consolidou-se com a Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo.

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32 consideradas, eminentemente, masculinas. Nesse contexto, as mulheres começaram a ampliar seus anseios de vida pública: vida acadêmica e/ou profissional e, consequentemente, relações igualitárias entre gêneros. Tais mudanças não impuseram um fim ao patriarcado, no entanto, com o advento do capitalismo, muitas mulheres das classes menos abastadas, especialmente as solteiras, passaram a trabalhar fora de casa, conseguindo escapar, de certa forma, da supervisão paterna e dos maridos. Já as mulheres da classe média, que tinham os seus papéis restritos à esfera privada, sentiam de perto o controle masculino, por isso reivindicavam mudanças no sistema patriarcal. Esse movimento foi crucial para as mudanças trazidas à família pelo capitalismo industrial (SANTOS, 2003). Por outro lado, durante o século XIX, a formação dos laços matrimoniais, para boa parcela da população, baseava-se em outras considerações além dos julgamentos de valor econômico. As ideias de amor romântico passaram a ser difundidas em grande parte pela ordem social, sobretudo nas camadas burguesas, de modo que “ser romântico” passou a ser sinônimo de cortejar, e os romances foram a primeira forma de literatura a alcançar uma população de massa.

A difusão dos ideais de amor romântico foi um fator que tendeu a liberar o vínculo conjugal de laços de parentesco mais amplos e proporcionou-lhe um significado especial. Maridos e esposas eram vistos cada vez mais como colaboradores em um empreendimento emocional conjunto, este tendo primazia até mesmo sobre suas obrigações para com seus filhos (GIDDENS, 1992, p.36).

Assim, a família moderna passa a caracterizar-se enquanto grupo de sentimentos e educação, que gira em torno das figuras da mãe e da criança, assimétricas e interdependentes, em um espaço que, cada vez mais, as circunscreve: o espaço doméstico – familiar como o lugar social das mulheres nas classes burguesas. Nesse contexto, a responsabilidade educadora da mãe é vista como autêntica e natural. Surgem, dessa forma, especialistas que passam a se interessar pela criança como personagem com necessidades médicas e psicológicas específicas, desenvolvendo a noção de que ela é um bem nacional e que, portanto, é necessário protegê-la (SARACENO, 2003).

No bojo de todo esse processo, ocorreram mudanças em relação aos métodos de contraconcepção: o advento da pílula anticoncepcional introduz novos significados em relação à procriação. A revolução contraceptiva transforma o fato de ter filhos numa escolha, no fruto de uma vontade deliberada, através da separação entre procriação e sexualidade

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33 (SARACENO, 2003). Junto como essa separação, surgem novos valores sobre a sexualidade, a conjugalidade e o lugar da criança na família, culminando no aparecimento de novas formas parentais.

4.2 A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

Nos últimos anos, têm sido comuns notícias sobre quedas de taxa da natalidade, aumento no número de divórcios, aumento de pessoas vivendo sozinhas, novos arranjos românticos e novas configurações familiares que nos dão uma dimensão de privatização, secularização e individualização das famílias, tornando os modos de viver em família mais plurais e diversos. Nesse contexto, percebe-se uma maior importância atribuída à dimensão afetiva, no sentido de busca por realização e bem-estar pessoal, no contexto familiar, assim como a uma maior igualdade entre os sexos, mas sem que a ideia de ter filhos seja recusada (SINGLY, 2007; ARIÈS, 1981; ARAÚJO, 2011).

Se a família moderna é intencionalmente restrita, afetiva e educadora, estruturada de forma a preparar o indivíduo para construir-se através das suas relações, a família contemporânea tem a função de procurar consolidar a identidade dos adultos e das crianças.

O novo objetivo da educação dada pelos pais passa a ser cultivar a individualidade da criança, com uma atenção constante, com um meio ambiente estável e com a igualdade de tratamento entre crianças. Singly (2007) caracteriza a família contemporânea como “conjugal, relacional e individualista”: conjugal por sua natureza restrita, centrada no casal com ou sem filhos;

relacional por enfatizar as relações, e não as “coisas” (bens familiares); e individualista por enfatizar a individualidade e a autonomia dos membros. Assim, o centro de competência educativa contemporânea é o de reconhecer as verdadeiras necessidades das crianças. A criança deve ser ela mesma e deve conseguir desenvolver plenamente sua personalidade. É assim que surge uma nova configuração de relacionamento familiar, uma nova forma de personalização e sentimentalização dos laços entre pais e filhos.

A criança tornou-se, nos dias de hoje, “um bem raro e durável, um capital, um investimento, e o imperativo da qualidade substitui-se ao valor da quantidade” (THÉRY, 2007, p.36). Passa a existir o dever de amar, cuidar e proteger a criança em todas as circunstâncias, de modo que a parentalidade acabou tornando-se uma ocupação que exige cada vez mais responsabilidade, o que faz com que a decisão de ter filhos seja algo cada vez mais difícil. A criança é, atualmente, um foco de esforço por parte dos pais, sendo importante corrigir o máximo de defeitos que ela possa ter e enaltecer as suas capacidades. Os pais devem

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34 esforçar-se constantemente para corresponder às novas e altíssimas expectativas. Idealmente, os pais contemporâneos devem ser carinhosos e ter um relacionamento emocional próximo com os seus filhos.

O modo de vida imposto pela sociedade do hiperconsumo, tal qual caracterizado por Lipovetsky (2007) e Giddens (2002), não interfere apenas nos indivíduos: afetam também as configurações familiares. Segundo Lipovetsky (2007, p.98), “a fragmentação dos sentimentos e das imposições de classe criou a possibilidade de escolhas particulares e abriu caminho à livre expressão dos prazeres e dos gostos pessoais”. De acordo com o autor, “na sociedade de hiperconsumo, as pessoas tendem a situar seus interesses e os seus prazeres, em primeiro lugar, na vida familiar e sentimental, no repouso, nas férias e viagens, atividades de lazer e outras atividades associativas” (LIPOVETSKY, 2007, p.227). Em princípio, pode parecer que esses valores estão no produto, mas somos nós que os impregnamos de significados. Já na visão de Giddens (2002), nas sociedades tradicionais, é a tradição, o parentesco e a localidade que limitam a identidade social dos indivíduos. Na sociedade moderna, caracterizada como uma ordem pós-tradicional, que rompe com as práticas e preceitos preestabelecidos, pode-se identificar a ênfase ao cultivo das potencialidades individuais, possibilitando ao indivíduo uma identidade móvel, mutável.

É nesse sentido que Singly (2007) identifica um paradoxo enfrentado pela família contemporânea: a contradição implícita na busca por autonomia/independência versus dependência do indivíduo em relação à família e à parentela e do próprio casal em relação à individualidade/conjugalidade. Podemos dizer que esse paradoxo acentuou-se nas últimas décadas, com as mudanças nas relações de gênero, sob a influência do feminismo, expansão da democracia, diversidade de valores e estilos de vida e surgimento de novos arranjos conjugais e familiares (GIDDENS, 1993). Fez crescer, igualmente, o grande dilema vivido pelo indivíduo contemporâneo entre a busca por relações mais frouxas e livres das amarras institucionais e a necessidade de referências afetivas sólidas, como a família, seja ela de qualquer tipo (ARAÚJO, 2011).

Nesse cenário, o mecanismo de culpabilização de cada um por tudo aquilo que não se pôde conquistar, numa sociedade de extrema valorização das aquisições e conquistas pessoais, tem efeitos na parentalidade: os pais, que carregam consigo a expectativa de alcançar um ideal nessa prática, influenciados pelos “discursos especializados” e inseguros sobre as condições de dar aos filhos tudo aquilo que eles querem ou acham que precisam, devem sentir-se, por isso, culpados (ARAÚJO, 2008; 2011). Pode-se compreender, dentro dessa dinâmica, que, da mesma forma, a culpa deve surgir quando os genitores deparam-se com o fato de que seus

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