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A bibliografia sobre a cerâmica de Santarém, informou-nos que além da cerâmica tipicamente Tapajó, existiam na mesma área cerâmica não decorada, cerâmica com marcas de esteiras, cerâmica caracterizada com decoração incisa geométrica diferente da tipicamente Tapajó e cerâmica tipicamente Kondurí.

Em nossa análise observamos aspectos técnicos, morfológicos e temáticos dos objetos da coleção Frederico Barata, resultando na divisão do material em dois grupos de cerâmica com características distintas, aos quais denominamos temporariamente de Grupo A e Grupo B.

O perfil técnico do Grupo A apresentou como características a ausência de aditivo na pasta; o uso de cariapé como aditivo em um objeto; o uso do torno para confecção de objetos e as representações da flora nos tratamentos de superfície. Associando estes aspectos com as informações históricas disponíveis, atribuímos os objetos cerâmicos reunidos no Grupo A ao período do estabelecimento dos europeus na região por volta da metade do século XVII.

O perfil técnico do Grupo B apresentou como características gerais a predominância do uso do aditivo cauixi associado ao caco moído; a predominância de tratamentos de superfície plásticos e a presença do tratamento de superfície pintado em menor quantidade. Consideramos estas características como tipicamente indígenas, (no sentido de não ter sofrido, ainda, influência do elemento europeu), portanto mais antiga que a do Grupo A.

Na cerâmica com características tipicamente indígenas, ocorreram algumas diferenças específicas no material, o que resultou na subdivisão em Grupo B1 e Grupo B2.

Nos objetos do Grupo B1, além das características gerais, há predominância dos tratamentos de superfície plásticos marcados pelos modelados e incisos; a textura da pasta é fina; há tratamentos de superfície pintado em menor quantidade, porém com uma técnica muitos bem controlada apresentando bicromia e tricromia; há representação de e o contorno dos objetos apresenta-se complexo. A temática é caracterizada pela representação de figuras humanas e animais, que possuem posição de destaque nos objetos e peal repetição regular dos elementos escolhidos, resultando em motivos homogêneos.

Associando o perfil técnico do Grupo B1 com a caracterização cultural proposta no Capítulo 2, atribuímos este material aos Tapajó. Tal inferência baseia-se na suposição de que um conjunto de objetos cerâmicos com unidade técnica e temática tão coesa, só poderia ter sido executado por um agrupamento humano com estratificação social bem marcada, possivelmente organizados a nível de chefia [como propõe Roosevelt (1987,1989 e 1990)] e com tecnologia desenvolvida.

Dois aspectos, em particular confirmam a associação deste material com os Tapajó. Um deles é a presença de rodelas de fuso na coleção, pois informações históricas (Heriarte,1874) relatam o uso de mantas de algodão entre os Tapajó. O algodão provavelmente era fiado em rodelas de fuso.

Outro aspecto é a informação da presença de ídolos pintados entre os Tapajó (Heriarte, 1874) que podem ser associados com a presença de estatuetas na coleção.

Consideramos os objetos classificados como tipicamente Tapajó, como uma amostra de recipientes de estrutura complexa. Isto é, supomos que estes devido a complexidade morfológica, não eram objetos de uso utilitário. Durante a análise também levantamos a possibilidade das formas destes objetos serem a reutilização de formas básicas (cotidianas), usadas como base para a execução de uma cerâmica mais elaborada. Porém, a comprovação destas suposições só poderão ocorrer com a realização de um trabalho intensivo na área, onde seja possível obter a divisão espacial das áreas de ocupação dos sítios e ter acesso a cerâmica utilitária.

Um outro aspecto que pode ser levantado considerando a complexidade morfológica do material é o tempo disponível para a sua execução. Pois um material com este nível de complexidade, obviamente exige mais tempo para ser executado do que um material menos complexo. Este é um outro aspecto que levou-nos a relacionar este material a uma sociedade organizada estratificadamente, onde na qual provavelmente existia um grupo de pessoas com tempo disponível para execução destes objetos e uma estrutura social que permitia esta "especialização" do trabalho.

Os objetos reunidos no Grupo B2, além das características gerais, possui as seguintes características específicas: além do predomínio do cauixi associado ao caco moído, ocorrem o cariapé e a ausência de tempero; há predominância dos tratamentos de superfície plásticos marcados pelas incisões; ocorre tratamento de superfície pintado em menor quantidade caracterizado pela monocromia que em alguns objetos é de fácil remoção; ausência de representações antropomorfas, zoomorfas e antropozoomorfas e o contorno dos objetos apresenta-se, em sua maioria, de forma simples. Outro aspecto é

a ausência, na temática de representações humanas ou animais. Os motivos decorativos apresentam apenas motivos retilíneos e curvilíneos, porém não existe a repetição regular dos elementos.

Tal grupo de objetos levou-nos a pensar em três possibilidades: podem ser objetos pertencentes também aos Tapajós, porém de uso utilitário; ou seriam de outros grupos

que conviveriam com os Tapajó na mesma área; ou ainda de um grupo mais antigo

que ocupou também a área.

A diferença mais marcante que consideramos, é a textura da pasta, que é mais grossa do que a da cerâmica classificada como tipicamente Tapajó. O fato da pasta ter uma textura mais grossa resulta em tratamentos plásticos, principalmente a incisão, de aparência mais áspera em oposição a aparência lisa das incisões do grupo B1.

Existem dois objetos (unidades 56 e 210) que se destacam das demais por ter o cariapé como aditivo. Esse dois objetos e um cachimbo (unidade nº ) são os únicos objetos com este aditivo na coleção. Este fato levanta a possibilidade dos dois objetos do Grupo B2 serem mais recentes que os demais. Porém, Roosevelt (1990) quando descreveu a fase hipotética Igarapé-Açu coloca o cariapé como um dos seus aditivos juntamente com o cauixi e o caco moído. Esta fase estaria datada em torno de A.D. 500- 1000, portanto bem anterior ao período de contato. Como Roosevelt ainda não encontrou nenhum sítio do que classificado como "fase Igarapé Açu", permanece a dúvida sobre o período exato do material da coleção.

A unidade 30 foi classificada por Hilbert (1955:36) como cerâmica Konduri, porém em seu artigo a procedência do objeto foi dada como Oriximiná. As informações por nós encontradas nas fichas e no livro de tombo da Área de Arqueologia do MPEG, colocam sua procedência em Santarém, no bairro de Aldeia. Preferimos considerar a informação contida no livro de tombo, pois esta foi fornecida pelo próprio Frederico Barata (Conceição Corrêa, informação pessoal). Quanto a unidade 210, Hilbert (Ibid) embora admita que esta possui características decorativas Konduri, não a considera como tal, porque o objeto tem cariapé como aditivo e foi encontrado no bairro de Aldeia em Santarém. Diante disso, consideramos impossível a caracterização destes dois objetos como cerâmica Konduri e preferimos mantê-los apenas como parte do Grupo B2.

Dos tipos de cerâmica descritos na bibliografia, encontramos na coleção analisada apenas a cerâmica tipicamente Tapajó e alguns objetos de cerâmica simples. Os outros tipos, cerâmica com marcas de esteiras e cerâmica com decoração incisa geométrica diferente da tipicamente Tapajó, não estão presentes na coleção Frederico Barata.

Assim, após o levantamento das fontes históricas e arqueológicas e da análise técnica dos 210 objetos da coleção Frederico Barata, revelou a existência de três perfis cerâmicos distintos, que são:

a) a cerâmica tipicamente Tapajó (B1); b) a cerâmica com influência Tapajó (B2) e

c) e a cerâmica de contato com o elemento europeu (A).

Dos perfis estabelecidos, consideramos que os das cerâmicas classificadas como "tipicamente Tapajó" e "cerâmica de contato" são os que possuem as características melhor definidas, tanto por elementos técnicos como pelas fontes históricas. A cerâmica classificada como "influenciada pelos Tapajó" levantou questões (como a possibilidade de pertencer a outros grupos ou talvez ser de uso utilitário), que só poderão ser resolvidas pelo estudo sistemático de outras coleções e pela escavação sistemática de sítios arqueológicos que ainda existem em Aldeia e suas proximidades 18(Imázio, informações pessoais).

18

A informação da existência de sítios em Aldeia e arredores com condições de serem escavados, foi-nos fornecida pela arqueóloga do Museu Paraense Emílio Goeldi, Maura Imazio da Silveira, que integra a equipe da Dra. Anna Roosevelt.

9. BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS

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