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A compreensão, manejo e governança de sistemas complexos que ligam homens à natureza é um desafio da gestão territorial. Para contribuir com a gestão dos recursos naturais do Cambury, entendemos que o processo de construção deve se dar de maneira que possa haver grande transparência por parte dos atores envolvidos. Como exemplo, citamos o papel do gestor da Unidade de Conservação, que deve trabalhar para que as comunidades envolvidas no território entendam que sua figura pode mudar a qualquer momento, e por isso, a comunidade deve estar empoderada para lidar com os desafios, procurando atender as necessidades de conservação do ambiente e desenvolvimento social. O gestor deve ser claro ao definir suas limitações, e estimular que os próprios representantes da comunidade estejam hábeis para lidar com órgãos de diferentes esferas governamentais, parceiros e os membros da própria comunidade, concatenando os esforços.

A luta da comunidade do Cambury pela permanência no bairro inserido no PESM trouxe consigo a luta pelo direito ao uso dos recursos. Talvez, nos últimos anos com os processos de estabelecimento dos territórios quilombolas e das ZHCAn, essa luta foi se modificando e agora está muito mais relacionada ao uso dos recursos, que é mais difícil (Calvimontes, 2012). Neste sentido, entendemos que os avanços do PUT permitem uma série de usos do território, contribuindo para a resiliência da comunidade. As diretrizes que o enfoque de eco desenvolvimento oferece, relativamente à base dos recursos naturais, leva à valorização econômica de recursos renováveis, passíveis de serem usados diretamente para consumo local. Nesse caso, a concepção de um novo sistema de economia comunitária emerge como tema privilegiado de pesquisa interdisciplinar orientada para a ação. As lições oferecidas por algumas sociedades tradicionais no que tange ao funcionamento de sistemas viáveis de apropriação, uso e gestão de recursos renováveis podem ser tomadas como pontos de referência importantes (INPSO, 1994). Os resultados de pesquisa sobre os sistemas de gestão de recursos em propriedade comum têm mostrado que, se o respeito pelo uso sustentado dos recursos tornar-se algo compartilhado pela comunidade aumentam-se as chances de êxito de formas de gestão capazes de favorecer o alcance simultâneo de uma distribuição mais equitativa da riqueza gerada e de aumento das margens de sustentabilidade dos recursos da comunidade (Ostrom, 1990; Berkes et al., 1989; Diegues, 1994). No que concerne à gestão do espaço, o princípio de prudência ecológica sugere a pesquisa de formas

de organização produtiva que favoreçam a busca de complementaridade máxima das várias opções de dinamização econômica. (INPSO, 1994).

Apesar da reduzida visibilidade social de formas comunitárias de apropriação dos recursos naturais renováveis, a revisão da literatura no campo emergente de pesquisas sobre modos de apropriação e sistemas de cogestão de recursos naturais de uso comum tem demonstrado que essas experiências estão sendo resgatadas atualmente. Criticando a linha de argumentação expressa na parábola de Garrett Hardin, conhecida como a “Tragédia dos Comuns”, vários autores tem demonstrado que Hardin acaba confundindo a condição de livre acesso com o regime de apropriação comunal desses recursos – um equívoco que responde ainda hoje por muitas decisões irrefletidas nas arenas de tomada de decisão sobre problemas socioambientais (Diegues, 2001)20. Por outro lado, há exemplos mostrando que a ausência de regramentos no uso dos recursos pode levar ao seu esgotamento, sendo necessário haver uma gestão negociada, baseada em informações, visando à sustentabilidade. Nesse sentido, as traduções e o fortalecimento da rede sóciotécnica podem fornecer as condições para uma gestão compartilhada e efetiva na região do Cambury.

Desde meados da década de 1970, sob os influxos da Conferência de Estocolmo, vêm sendo formados coletivos de pesquisa interessados na consolidação institucional das Ciências do Ambiente. Dentro e fora da academia, esses grupos procuram colocar em prática novos enfoques teóricos e metodológicos para o enfrentamento da crise planetária do meio ambiente. A busca de integração inter e transdisciplinar tornou-se um ponto de referência indispensável para esta lenta transição de paradigma na ciência contemporânea. No que tange ao tratamento dado à questão da biodiversidade, tem prevalecido o debate relacionado ao caráter polissêmico do conceito de conservação. As disputas relacionadas ao uso dos recursos naturais estão disseminadas por todas as regiões do planeta, mas as dimensões, o nível e a intensidade dos conflitos assumem conotações distintas em cada contexto socioecológico. A diversidade de variáveis a serem consideradas e analisadas revela a complexidade das interações que caracterizam a dinâmica dos sistemas socioecológicos (Vicacqua e Vieira, 2005).

O Quilombo como estratégia de resistência pela permanência na terra parece estar bem amparado na legislação, e caso os quilombolas consigam manter a mobilização e a coesão da rede sóciotécnica local, podem conseguir discutir e negociar com os demais atores

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Nesse sentido, o termo conflito socioambiental designa as relações sociais de disputa/tensão entre diferentes grupos ou atores sociais pela apropriação e gestão do patrimônio natural e cultural.

sobre a continuidade ou não dentro da UC. De qualquer maneira, parece que a UC também pode ajudar a conferir maior resiliência à comunidade, a qual já se encontra bem articulada com outros agentes públicos, como o Ministério Público Estadual e Federal. Assim, a melhor estratégia seria investir no fortalecimento da rede sóciotécnica para que os moradores possam definir seu próprio futuro, considerando as questões ambientais e a necessidade de harmonizar suas atividades com a conservação. Enquanto isso, as UC (i.e. PESM e PNSB) continuam desenvolvendo as atividades de gestão compartilhada na comunidade em acordo com o PUT e suas orientações, além de projetos de ecoturismo, e a experiência do Quilombo pode e deve servir como exemplo. Neste processo, a coesão entre caiçaras e quilombolas seria muito benéfica, pois os avanços de uns motivariam os outros, contribuindo para uma maior agilidade e construção de resiliência. Sendo assim, órgão gestor deve ser claro em definir suas limitações, ao mesmo tempo tentando atingir seus objetivos com a ajuda dos moradores, uma vez que eles que serão os próprios fiscais e ampliadores da rede, a partir do conhecimento que evolutivamente adquirirem sobre seu próprio território e o papel de cada um na questão ambiental adaptada ao contexto local.

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