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Ao finalizarmos esta dissertação, gostaríamos de expressar os sentimentos que tivemos durante a experiência da pesquisa avaliativa em relação à situação de precarização dos trabalhadores do Suas no âmbito da STDS, especialmente em relação àqueles que prestam serviços nas unidade de atendimento.

Inicialmente, torna-se relevante descrever a importância do MAPP no desvendamento das questões que nos afligiam enquanto trabalhadora do Suas na STDS, especialmente no que se refere à figura do “colaborador”, a ausência de concurso público no período pós-Constituição de 1988 e a continuidade de práticas patrimonialista no serviço público.

Desta forma, a pesquisa bibliográfica, bem como as aulas ministradas pelos professores, foram de grande relevância à medida que nos proporcionou entender questões do mundo do trabalho, onde estamos inseridas, como consequência do processo de reestruturação produtiva do trabalho, decorrente das transformações do capitalismo contemporâneo, especificamente no Brasil dos últimos trinta anos.

A pesquisa documental deu-nos a visão do Brasil que possibilitou articular com a pesquisa de campo, comparando com o estado do Ceará, triangulando os dados coletados com a pesquisa bibliográfica e de campo para avaliar qualitativamente.

A pesquisa de campo revelou grandes surpresas, principalmente no que concerne à precarização existencial, à educação permanente dos trabalhadores das unidades de prestação de serviços, às condições de trabalho e a interdisciplinaridade no acompanhamento aos usuários.

Enquanto trabalhadora do Suas, tínhamos consciência da intensificação do trabalho na STDS, tendo em vista a redução do quadro de pessoal em algumas áreas estratégicas. No entanto, desconhecíamos a precarização existencial identificada pelos relatos de transtornos emocionais, causados por assédio moral e os desestímulos de servidores comprometidos com o enfrentamento às situações de violação de direitos.

Foi uma descoberta que nos deixou perplexas, considerando ser este um universo familiar em que atuamos como gestora ao longo de décadas.

Desconhecíamos, ainda, a ausência ou o baixo investimento em capacitações continuadas para os trabalhadores estaduais que executam diretamente os serviços socioassistenciais, haja vista que o investimento na educação permanente nos trabalhadores de âmbito municipal no Ceará é relevante. Chamou-nos atenção, sinalizando pontos de tensão, às precárias condições de trabalho de algumas unidades de atendimento e, no que tange a interdisciplinaridade, o uso de prontuários específicos de cada profissional em relação ao mesmo usuário, não havendo diálogo entre os membros da equipe técnica no acompanhamento de diferentes situações.

Por outro lado, foi motivo de satisfação a surpresa de identificar iniciativas avançadas de ação interdisciplinar em três unidades de atendimento, bem como a continuidade do acompanhamento familiar em domicílio aos usuários após o desligamento, pela equipe de trabalhadores em uma das unidades pesquisadas.

Por ocasião das reuniões dos grupos focais, embora o questionamento sobre a importância desta avaliação não estivesse presente, vários depoimentos foram emitidos a este respeito, dentre os quais se torna importante descrever:

A área que se ganha menos é a social. Se forem ter cortes, acontece primeiro nessa área. Daí a importância dessa pesquisa para mostrar o diferencial destes profissionais. (Depoimento de trabalhador participante do grupo focal 9). É a primeira vez que vemos preocupação com os trabalhadores, no sentido de realizar um estudo sobre a nossa situação. Esperamos que os resultados sejam apresentados para nós e para os gestores com vistas a sensibilizá-los. (Depoimento de trabalhador participante do grupo focal 1).

Vai mexer com os gestores, com a área de recursos humanos. A STDS já tem ótimos gestores, inclusive assistentes sociais, mas chega aos recursos humanos, não há investimento. Tem que movimentar os sindicatos, associações de classes e, este trabalho vai servir para subsidiar estes movimentos de trabalhadores. (Depoimento de trabalhador participante do grupo focal 2).

Neste cenário, percebemos a relevância do MAPP em nosso processo de crescimento profissional, uma vez que, dentre os aspectos já estão citados anteriormente, viabilizou a adoção de uma metodologia de pesquisa científica avaliativa que nos possibilitou, tendo em vista o nosso alto grau de envolvimento com o objeto de estudo, realizar o estranhamento ao trabalho necessário a pesquisa de modo a buscar

evitar o viés nos percursos da avaliação.

Assim, a avaliação em processo que realizamos nas dimensões compreensiva, contextualizada, participativa e multidimensional de forma articulada com os três tipos de pesquisa bibliográfica, documental e de campo, foi muito importante e nos abriram os horizontes e certamente trouxe e continuará a trazer consequências na nossa prática profissional na busca incessante da transformação da realidade hoje vivenciada pelos trabalhadores do Suas. Para tanto, precisamos utilizar, não só da triangulação de métodos dos dados de campo, mas também, dos dados levantados na bibliografia e nos documentos pesquisados.

As transformações ocorridas a partir das redefinições da economia, nos marcos do neoliberalismo, desde o final dos anos 1980, e com intensificação a partir dos anos 1990, marcou um processo de abertura da economia brasileira que contou com políticas de privatizações e austeridade fiscal de modo complementar a fim de conciliar a lógica do capital com a globalização econômica e financeira. Com isso, os setores industriais adotaram programas de reestruturação como a terceirização, tendo como objetivo a redefinição de estratégias de competição com o fim da expansão no mercado.

Esta configuração estrutural do capitalismo se insere nas economias dependentes latino-americana e, consequentemente, brasileira, onde a maioria da população economicamente ativa, composta não apenas por trabalhadores de baixa escolaridade, mas também os de nível superior e com pós-graduação, depara-se com as múltiplas faces da precarização, sem direitos trabalhistas conquistados e, hoje, desmontados.

A nossa pesquisa avaliativa mostrou que esta nova configuração do trabalho não se reserva apenas ao setor privado, mas adentra ao serviço público num processo de reestruturação institucional do trabalho, afetando diretamente os trabalhadores sociais. Este processo vem incidindo predominantemente de duas formas: na própria precarização contratual alinhada às condições de trabalho, afetando a vida cotidiana do contingente de trabalhadores; na precarização existencial com impacto na saúde e na qualidade de vida dos trabalhadores.

Desta maneira, o enfrentamento a essa nova morfologia social do trabalho exige associar uma resistência ao rebaixamento das funções e salários, bem como à sobrecarga e desvios funcionais, com a sólida construção política e teórica. Este processo, de acordo com Silveira, depende, sobretudo:

[...] da afirmação do projeto político construído na assistência social, projeto este que supera interesses corporativistas e impulsiona uma reforma intelectual e moral na área, sem espaço para o conformismo, a naturalização da desigualdade e a banalização da vida. Uma reforma ampla destinada a alargar o Estado em resposta aos interesses legítimos e históricos dos usuários e dos trabalhadores, transformando o presente sempre rico de possibilidades de um novo tempo histórico. (SILVEIRA, 2011, p.34).

Nesta perspectiva, torna-se de fundamental importância a educação permanente em sua dimensão ético-política e técnico-operativa, haja vista que nenhum trabalhador social será valorizado atuando com senso comum, voluntarismo e práticas subalternizadoras, improvisadas e esvaziadas de conteúdo crítico transformador.

O processo de educação permanente deve contribuir também para o fortalecimento da interdisciplinaridade na prática socioassistencial, sem a perda das especificidades das profissões do Suas e, assim, contribuir na construção do processo identitário dos trabalhadores protagonistas do Suas.

Certamente esta estratégia da formação e capacitação permanente possibilitará maiores oportunidades de conquistas, especialmente, fundamentada na real legitimidade insubstituível do saber transformador dos trabalhadores sociais.

Finalmente, apresentamos algumas sugestões, identificadas na pesquisa, para os trabalhadores e gestores da STDS, com base nos parâmetros formais, consensuados em nível nacional e estadual e, em parâmetros que ultrapassam os formais, de modo a desenvolver uma gestão voltada para a valorização dos profissionais que se caracterizam como atores principais no cumprimento da missão da STDS. Ressaltamos que muitas destas sugestões são possíveis de serem realizadas, pois independem de negociações políticas com o governo do Estado. Salientamos que, algumas dessas sugestões já foram iniciadas durante o período da pesquisa de campo:

 Elaboração e implantação de uma política de recursos humanos, voltada para a “desprecarização” dos vínculos de trabalho no Suas, com o fim da terceirização e ampliação do quadro de servidores permanentes, considerando as funções de gestão do Suas, dos serviços e das demandas dos territórios;

 Elaboração de uma agenda com cronograma de capacitação sistemática dos trabalhadores que executam os serviços socioassistenciais;

 Investimento na gestão dos serviços socioassistenciais por meio da adequação das condições de trabalho apresentadas no terceiro segmento desta dissertação;  Investimento na qualificação dos serviços, resultando em ampliação dos direitos

sociais e do trabalho,

 Implementação da mesa de negociação já existente, com acompanhamento da efetivação dos princípios e das diretrizes nacionais;

 Instituição dos PCCS do Suas, com a estruturação de carreiras, definição de funções, perfis e formação adequados, considerando as funções de gestão, as aquisições sociais a serem geradas e os resultados objetivos, para qualificação dos serviços;

 Implantação de um setor para cuidar dos trabalhadores que atuam diretamente com os usuários, garantindo-lhes o necessário apoio psicossocial para lidar com situações-limite;

 Atualização do valor da gratificação por risco de vida dos trabalhadores, de acordo com o percentual da unidade de prestação de serviços onde desempenham suas atribuições profissionais.

Concluímos esta dissertação, enfatizando que, no contexto paradoxal entre a reestruturação institucional do trabalho e a gestão do trabalho no Suas, embora ocorra a minimização da NOB-RH/Suas, é nesse período de 2004 a 2013, que se percebem os maiores avanços normativos da política de assistência social. Assim, no enfrentamento dessa contradição entre os avanços do Suas e a precarização do trabalho, identifica-se, mais uma vez, os profissionais da área como sujeitos ativos, com a presença de diversos atores envolvidos na luta pela conquista dos artigos 203 e 204 da CF 1988 e pela Loas, que a partir do governo Lula, passaram a desenvolver suas atividades profissionais no MDS, possibilitando, a consolidação dos avanços normativos e a continuidade desse processo na aprovação de estratégias, nas instâncias nacionais de deliberação e pactuação, para viabilizar a NOB-RH/Suas com a finalidade de valorizar os trabalhadores do Suas.