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1. A construção de uma teoria normativa da legislação impôs que se rompesse com determinados dogmas defendidos pela ciência do direito a partir de uma postura legalista que considerava o fenômeno normativo apenas como o dado norma ou ordenamento jurídico, desconsiderando o momento legislativo de criação do direito como objeto de seu estudo. No contexto do compromisso com a máxima efetividade dos direitos fundamentais e do Estado do direito, a tese de discricionariedade ilimitada do legislador é criticada a partir do ponto de vista interno da ciência do direito, que se reconstrói sobre as bases do contrato social, derivando dele uma nova abordagem quanto ao problema da liberdade. Esta deixa de ser concebida apenas subsidiariamente em termos morais para ser valorizada como principium, ponto de partida de organização do espaço político e último termo no regresso da cadeia de legitimação do direito.

2. A liberdade como principium privilegia a autonomia dos indivíduos, em detrimento da postura legalista que somente admite a ação moral em conformidade com regras de direito. A teoria do contrato social, concebendo a liberdade apenas na forma da associação civil, esvaziava de conteúdo as possibilidades de ação conforme concepções de liberdade e redundavam na maximização do espaço de atuação do Estado.

3. Essa guinada na forma de perceber a liberdade importou a construção de princípios de teoria normativa da legislação. A exigência de justificação no modelo de troca, em que concepções de liberdade podem ser substituídas por concepções sobre a liberdade quando expostas razões racionais convincentes para tanto. Disso derivaram quatro princípios de justificação da legislação que se interconectam para conferir racionalidade às normas de direito. Essa racionalidade,

como proposto, demonstra-se a partir da argumentação jurídica, que se volta para a criação do direito com vistas a se engajar na validade e na legitimidade das normas.

4. Dos quatro princípios, alternatividade e densidade normativa propõem que o direito só seja justificado, de um lado, na falência da interação social, e de outro, tenha o peso normativo proporcional e comprometido com os objetivos que almeja alcançar. A legislação passa a ser compreendida como um dos possíveis instrumentos de que se vale a ação governamental, todavia, aquele que mais produz impacto sobre a liberdade, vez que significa sempre restrição no âmbito de ação dos indivíduos. A justificação, portanto, deve demonstrar em que medida outros instrumentos não são aptos para a consecução dos fins a que se orienta a perspectiva do direito responsivo.

5. O princípio da temporalidade, por sua vez, revela o compromisso com o contexto de inserção do fenômeno normativo, de onde emerge deveres de observação e adequação da legislação para que a justificação da legislação mantenha sua conotação de racionalidade, como foi observado na jurisprudência constitucional germânica. O princípio da coerência completa um círculo de informação que passa tanto pelo legislador, o qual pela primeira vez se compromete com a existência da lei, quanto pela administração e pelo judiciário, que se munem da justificação para compreender e aplicar o fenômeno normativo.

6. Esses quatro princípios ganham concretização na perspectiva do controle da legislação. Compreende-se que uma teoria normativa da legislação desprovida de definição de formas de controle seja inútil. Os pressupostos normativos da teoria da legislação como justificação da decisão legislativa fazem emergir a dimensão da avaliação de impacto como mecanismo de controle, ao que esta pode fundamentar tanto a tomada da decisão legislativa, como contribui para o conhecimento do juiz na aplicação da lei, de modo a completar um círculo de

informação entre criação e aplicação do direito, restaurando o aspecto unitário do fenômeno jurídico.

7. A avaliação legislativa, como instrumento metódico de compreensão do fenômeno normativo em todas as suas facetas, visa a atender a necessidade de decisão informada, à publicidade da decisão e interlocução com os participantes do processo. O aspecto instrumental da legislação, dissimulado pelo legalismo forte, ganha uma dimensão maior ao que se questiona sobre direitos fundamentais cuja concretização demanda efetiva intervenção governamental. A argumentação legislativa, na forma da avaliação de impacto, dedica-se ao compromisso com a máxima efetividade dos direitos fundamentais.

8. O contexto da avaliação no direito brasileiro demonstra a necessidade de positivação de mecanismos de avaliação, dotados de participação e transparência e que convalide a avaliação como documento público que se posicionaria entre as fontes do direito.

9. A discussão sobre as possibilidades de controle jurisdicional dos atos legislativos revelaram, por sua vez, a emergência de questionamentos bastante razoáveis acerca da discricionariedade legislativa e dos deveres do legislador no quadro do Estado de direito, e a flexibilização da proteção dos atos interna corporis, que se mostram incompatíveis com esse quadro. O compromisso com a ordem constitucional se estende a todos os atores jurídicos. O valor relativo do aspecto político-volitivo do ato legislativo também emerge desse entendimento.

10. É possível, portanto, a institucionalização de um controle prévio de constitucionalidade das leis, assente entre a aprovação e a sanção presidencial e por provocação do Presidente da República, como mecanismo de proteção do ordenamento jurídico contra leis absolutamente inconstitucionais, bem como por ser forma de obrigar o Poder Legislativo, de legitimidade cada vez mais questionada, a justificar suas decisões racionalmente, demonstrando inclusive a compatibilidade

com a Constituição. O controle prévio, assim concebido, tornaria evidente o caráter dialógico entre os dois níveis de decisão que conformam o fenômeno norma jurídica.

11. Uma compreensão sistemática do ordenamento jurídico exige que não mais se proceda, com rigidez, à separação entre decisões de aspecto político-volitivo e de natureza técnica. A dimensão política da decisão jurídica, já levada à exaustão pela teoria do direito, precisa dialogar com as outras faces do fenômeno político- normativo, sem que isso seja considerado como corrosão da ciência do direito ou como descrédito quanto à natureza científica de seu estudo, aliando o técnico ao político com vistas ao compromisso com os direitos fundamentais.