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3. JUSTIFICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO

3.4 Os princípios de justificação da legisprudência

3.4.4 Princípio da coerência

O princípio da coerência justifica as limitações externas da liberdade a partir do ponto de vista do sistema jurídico como um todo, tomado como um conjunto complexo e dinâmico de proposições interligadas de deveres, deslocando o foco na norma em si (estática) para a coexistência de normas que configura o ordenamento (dinâmica) (WINTGENS, 2006, p. 14). Essa mudança no foco que a legisprudência propõe na forma do quarto princípio de justificação da legislação visa tratar das relações entre as normas o que, na teoria do direito, já se enfrentou nas questões propostas quanto à unidade, à coerência e à completude do ordenamento (BOBBIO, 2008, p. 187).

Na perspectiva legisprudencial, a coerência como princípio de justificação obriga que as relações entre a nova norma e as vigentes no ordenamento sejam tomadas em conta pelo legislador. É sabido que a consistência do ordenamento se mede pelos níveis de antinomias que apresenta e que, em ordenamentos complexos, normas de diversos níveis colidem entre si, gerando insegurança e incerteza que recaem sobre o exercício dos direitos. O princípio da coerência na legisprudência não despreza o contexto de participação em que o exercício de direitos e da liberdade em si ocorre.

A coerência, para Wintgens (2006, p. 14-21), refere-se ao sentido do ordenamento como um todo, ao passo que a consistência refere-se ao modo de averiguar a coerência em termos lógicos, pela avaliação das contradições caso a caso. Num primeiro nível de coerência (nível de coerência0), o mais elementar, a coerência

é condição necessária para que o discurso faça sentido; a contradição entre duas proposições implica que o restante do discurso perca o sentido. Esse grau de coerência exige que, assim como numa sentença se deva evitar proposições contraditórias, o texto normativo considerado isoladamente seja livre de contradições internas.

Noutro nível, coerência1, soma-se ao nível coerência0 o elemento

temporal, segundo o qual a mudança na legislação deve ser justificada com relação ao tempo. Partindo da analogia com o raciocínio judicial, segundo o qual uma adoção de precedentes sobre uma determinada matéria somente se justifica pela similitude dos casos (justiça formal) e, por conseguinte, novo entendimento sobre a matéria deve ser justificado com bases nas diferenças que a demanda impõe, o legislador precisa justificar a intervenção sobre a liberdade com base na situação fática que emerge: justifica tanto o status quo quanto a mudança na limitação externa da liberdade. Refere-se, assim também, à temporalidade de onde emerge o contexto de inserção e aplicação do texto normativo.

Daí que, no nível de coerência2, exige-se uma compreensão sistemática

para fins de argumentação. Não mais considerada a lei como ente unitário e isolado, mas em sua relação com o ordenamento que lhe atribui sentido, o legislador, no nível de coerência2, deverá justificar as limitações externas com base em sua inserção no

sistema jurídico, donde as normas que tratam de uma mesma matéria são observadas com o fim de evitar contradições. Nesse ponto, emerge o valor da tecnologia da informação em sua capacidade de reconstrução e consolidação do direito vigente (SOARES, 2004, p. 75).60

60 Fabiana de Menezes Soares define campos de conseqüências da tecnologia da informação sobre a

produção e criação do direito. Um, referente ao incremento da documentação jurídica, em todos os Poderes, e neste ponto nos referimos a ferramentas como o LexML, uma plataforma de buscas que oferece legislação e decisões judiciais e administrativas federais, com possível participação dos demais entes federados que manifestarem interesse (v. www.lexml.gov.br); outra, que se aplica à reconstrução do direito vigente, permitindo a sistematização e consolidação do direito, com

Os níveis já mencionados referem-se ao ponto de vista interno do sistema jurídico. O nível de coerência3, por sua vez, visa observar a coerência do sistema

como um todo unitário e, para isso, agrega o ponto de vista externo do ordenamento que é provido por perspectivas teóricas que lhe atribuem sentido. É indiscutível que as normas não são bastantes em si para se fazerem compreendidas e, portanto, é a atividade de interpretação a responsável por atribuir seu conteúdo semântico. A atividade legislativa, como atividade de criação e aplicação do direito, é justificada nesse terceiro nível ao que, na inovação do ordenamento, observa o sistema e o qualifica como um todo dotado de sentido.

Ainda que o sentido atribuído pelo legislador ao ordenamento não vincule a atividade jurisdicional, vez que cada interpretação emerge da tradição e situação histórica do agente hermenêutico, esse nível de coerência3 reforça a justificativa do

legislador que, como ator jurídico-político, assume sua responsabilidade frente aos atos que pratica. Permite também que, na construção da teoria normativa da legislação, a avaliação de impacto legislativo, como mecanismo de controle, subsidie tanto o controle interno dos atos provido pelo próprio ente legislativo, como um controle externo, no âmbito da jurisdição, que passa a fundamentar suas decisões no contexto legislativo a partir dos dados providos pela legislação, completando o círculo de informação a respeito da legislação que a justificação promove.

controle de revogações, havendo o favorecimento da coerência da ordem jurídica, na medida em que se permite o controle de inovações e revogações em um ambiente virtualizado com capacidade de identificação desses dados que fogem ao entendimento humano ordinário; a utilização da informática jurídica na produção do direito, em âmbitos administrativos, judicial e legislativo; a criação de redes de informação que interligue os órgãos da administração pública e da justiça, permitindo o intercâmbio de dados relevantes em tempo real sem intermediações de retardamento burocrático (SOARES, 2004, p. 75).