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Com o final da Guerra-Fria, transcorridos 20 anos, pode-se inferir que o crescimento da União Europeia e a ampliação da Organização do Tratado do Atlântico Norte-OTAN desempenharam um papel fundamental no reordenamento e na estabilização do continente europeu. Entretanto, uma nova dinâmica, possivelmente decorrente destes processos, acarreta novas necessidades de crescimento e estabilização. Neste sentido, um dos obstáculos para se atingir uma maior segurança e estabilidade relaciona-se com a existência de instabilidades econômicas na política interna e energética de alguns países assim como o estreitamento dos laços com a Rússia. Ocorre o ressurgimento de grandes blocos entre os países desenvolvidos, com economia diretamente voltada ao mercado, que agora revitalizados distribuem sua influência econômica e política.

Já os Estados Unidos detêm um poder estrategista e bélico construído e exercido durante anos, difícil de ser superado em curto prazo pelos países da UE, na medida em que continente europeu teria que destinar bilhões de euros à programas de natureza armamentista, o que comprometeria a continuidade de programas que permitem que tal continente seja política e economicamente competitivo perante os Estados Unidos.

Entrementes, ao se discutir o futuro de forma pragmática, quando comparado ao passado, torna-se imprescindível que novas considerações sejam realizadas ao se abordar o conceito de estratégia. Cabe citar uma destas considerações, denominadas de noção de poder não efetivo. Neste caso, um país extremamente avançado em algumas áreas, com tecnologia avançada, mesmo não tendo indústria bélica expressiva e sendo desmilitarizado, poderia incidir estrategicamente de modo que seu potencial de reestruturação tecnológico-militar torna-se um atrativo que permite o seu rearranjo de forma rápida e competitiva.

Nas relações de poder internacionais, como no caso dos EUA, deve ser considerada a opinião do governo sobre seu próprio país no cenário internacional e como os demais o enxergam. Tais fatos estão inclusos na concepção de poder. Este é compreendido pela soma das potencialidades e capacidades de um país de

usufruir de seus recursos tangíveis e intangíveis objetivando afetar o comportamento dos outros. Contudo, em uma abordagem mais completa, consideram-se elementos de natureza especulatória, relacional e psicológica. Neste sentido, observa-se que o poder de uma nação está relacionado com o poder creditado a ela por outras nações ou pela imagem que ela julga ter diante das outras.

Paralelamente a estes processos, parece claro observarmos que, 20 anos após o fim da Guerra Fria, as organizações responsáveis pela hegemonia europeia e pela sua segurança transatlântica estão continuamente envolvidas em resoluções pertinentes a países do leste do continente.

Pode-se dizer que, depois dos atentados terroristas em território americano, ocorridos há dez anos, os contornos do cenário geopolítico mundial foram reconfigurados. Mas o que se destaca é que estas mudanças não estão relacionadas com os episódios terroristas, como poderia ser previsto. Os EUA declararam guerra ao Afeganistão e ao Iraque. O islamismo violento transformou a visão de mundo dos Estados Unidos e a opinião do mundo em relação aos Estados Unidos. Todas as atenções foram voltadas para a “guerra contra o Terror”, empreitada que marcou o governo Bush, porém, dez anos depois, a Al Qaeda e Guantânamo ainda coexistem.

Enquanto Osama Bin Laden esteve presente nas principais manchetes durante uma década, o futuro estava sendo escrito em Pequim, Nova Déli, Rio de Janeiro e outras cidades. Os ataques de 2001 em território americano são considerados unanimemente os mais graves já ocorridos no país, haja vista que ataque externo em solo estadunidense ocorrera somente em 1814, ocasião em que os ingleses saquearam a Casa Branca. O episódio das torres gêmeas e do pentágono embasou o surgimento de duas suposições: uma, de que os EUA consolidariam sua supremacia obtida desde os tempos da Cortina de Ferro, e a outra, de que a segurança no ocidente seria amparada pela instauração de uma guerra contra muçulmanos jihadistas. Fora a suposição acrescentada pelos próprios americanos de que o Oriente Médio seria reconstruído nos moldes das democracias liberais ocidentais.

A Estratégia de Segurança Nacional implantada pelos EUA em 2002 estava relacionada com a permanência da sua hegemonia na qual se originou a doutrina de guerra preventiva, inclusive desconsiderando alguns empecilhos relacionados ao

multilateralismo. Neste caso, a opinião alheia pareceu não ter grande importância. Os Estados Unidos se julgavam capazes de agir unilateralmente e diversas outras nações compartilhavam da mesma opinião. O símbolo de imponência militar imposta pela doutrina do Choque e do Pavor, também denominada doutrina do Choque Rápido, contribuíam para esta unanimidade. A imprensa publicou em detalhes o poderio militar expresso através do número de porta-aviões, de mísseis de cruzeiro e aviões invisíveis aos radares, fazendo com que, perante alguns setores da mídia, fossem considerados a Roma do século XXI, desconsiderando a vulnerabilidade do país decorrente dos ataques impetrados pela Al Qaeda.

Todavia, a era unipolarizada deve acabar rapidamente, em virtude de acontecimentos que culminaram com a morte de Osama Bin Laden e o processo de retirada das tropas americanas do Iraque. O conceito de “Guerra contra o Terror” caiu em desuso. É inquestionável que o extremismo muçulmano represente uma ameaça, sobretudo quando se analisa o Iêmen, a Somália e o Paquistão, porém estes casos são menos expressivos do que o imaginado por lideranças como o ex- ministro inglês Toni Blair. Há indícios de que a instauração da democracia já seja possível em diversos países do Oriente Médio sem que, para tal, haja necessidade de uso da força através de ataque com mísseis e declaração de mais guerras. Os americanos estão desgastados com a imposição das chamadas guerras preventivas e cansaram-se do multilateralismo. E os árabes são atores da construção de seu futuro sem serem influenciados pelas políticas neoconservadoras americanas e da Al Qaeda.

Os EUA de Barack Obama recentemente optaram pela redução de impostos em vez de ampliar seus gastos armamentistas que seriam necessários em uma campanha militar intervindo na derrubada de Muammar Gaddafi. O poder norte- americano torna-se ofuscado por questionamentos até então pouco prováveis, após a queda de Bagdá. Para todos os efeitos, no entanto, estes ainda representam uma superpotência mundial, mas a maior parte dos países já não acredita na capacidade de os americanos ditarem os rumos da nova ordem mundial individualmente como em outros tempos. O mundo foi palco de acontecimentos que alteraram substancialmente sua forma de organização geopolítica, e, neste sentido, países como Iraque, Afeganistão e Paquistão merecem ser mais bem avaliados por obscurecer constantemente a recente história mundial. No entanto, as

transformações que merecem mais atenção têm ocorrido na América Latina e nos Estados emergentes do continente asiático. O desafio atual dos norte-americanos está relacionado, após 10 anos transcorridos desde a série de atentados de 11 de setembro de 2001, com a dinâmica do poder que se desloca rapidamente, na medida em que as atenções que sempre estiverem focadas no ocidente agora são direcionadas para o outro hemisfério, e tal mudança ocorreu mais rápido do que muitos poderiam prever.

O crescimento da economia chinesa tem surpreendido todas as perspectivas. Estimava-se em 2050 o ano em que o dragão chinês superaria os americanos, porém esta ascensão tem sido tão acelerada que atualmente se adota a hipótese de que esta virada ocorra em 2020. Este cenário multipolarizado não é fruto de presidentes como Franklin Delano Roosevelt e Harry Truman e sim do estabelecimento de grandes polos econômicos no oriente que contrabalanceiam a ordem mundial e demonstram não aceitar que os rumos sejam ditados como anteriormente, de forma exclusivamente ocidental. Esse deslocamento de poder que rompe as barreiras do ocidente ocorre de forma gradativa, quando analisado sob a ótica militar. Porém, o que chama a atenção é a direção desta mudança e o fato de todas as previsões apontarem para seu caráter definitivo. Enquanto os EUA ainda detêm o maior poderio bélico do mundo, possuindo pelos oceanos uma mega frota de 12 porta-aviões, a China vem fazendo seus investimentos e recentemente passou a contar com uma unidade desta natureza, destacando a importância desse deslocamento de poder e como ele também vem acontecendo no sistema de defesa nacional chinês. A China avança neste sentido enquanto os americanos recuam.

A crise financeira de 2008 também resultou em grandes transformações geopolíticas e econômicas, pois significou que o ocidente não é mais o coração do mundo globalizado. A classificação AAA não pertence mais aos Estados Unidos. Se no passado o Consenso de Washington estabeleceu as regras vigentes para os demais países, em 2008 o país foi palco de um processo de falência quando um grande banco de investimentos americano sofreu um golpe de misericórdia representado pela crise, declarando sua concordata.

Os conflitos no Iraque e Afeganistão desprestigiaram o governo perante a comunidade internacional e custaram mais de US$ 1 trilhão, revelando o limite do poder de fogo americano em vez de o seu alcance. Enquanto os países emergentes

possuem seu próprio modelo econômico, a China atua como maior credora dos EUA. Esses acontecimentos embasam o estágio de transição observado.

A última década poderá ser analisada pela grande demonstração de poder americana, sem, no entanto, haver previsão para estabilidade próxima em um mundo caótico e multipolarizado. O método de gerir a globalização, essencialmente neoliberal, deve ser repensado. Porém, essa estrutura encontra-se profundamente arraigada e as reflexões advindas do seu conceito demonstram que somente algumas características poderiam ser alteradas. A RCT, por sua vez, tende a alcançar os demais países em desenvolvimento e a adotar procedimentos menos excludentes visando à inclusão social.

Prospecções em relação à atual crise financeira e econômica apontam para a necessidade de ajustes financeiros e comerciais em nível internacional. A globalização tende a incorporar formas de regulação diferentes, amparadas em medidas de controle de fluxo e protecionismo nacional.

Medidas protecionistas tendem a ser substituídas por acordos entre países de determinadas regiões que incentivarão o fortalecimento de blocos de poder. Uma vez que o poder de barganha e todas as outras formas de poder inerentes aos blocos aumentam, influenciando o reordenamento global, espera-se que surjam condições necessárias para reforma de organismos internacionais, como a ONU, por exemplo.

Pode-se concluir que, paralelamente às crises e conflitos, as profundas transformações na economia e tecnologia, e de âmbito sociodemográfico, continuarão ocorrendo e poderão apontar para direções surpreendentes. Desta forma, molda-se um novo mundo, que deverá apresentar indícios de estabilidade no decorrer da primeira metade do século XXI.

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