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“Considerações finais” em vez de “conclusão” porque não há a intenção de fechar o trabalho perfeitamente, com conclusões “certeiras”, mas sim de levantar algumas questões, às quais se chegou ao término desta dissertação, e indicar os passos que me levaram a apresentá-lo tal como se vê agora.

Como a imigração envolve partidas e chegadas, falarei brevemente sobre minha própria experiência em relação a esta dissertação. O tema chamou-me a atenção a partir dos trabalhos da Professora Maria Isabel sobre a obra do escritor Milton Hatoum. Sendo o escritor de origem libanesa, interessei-me em verificar os resquícios dessas origens em sua obra e, por conexões diversas, cheguei a obras de outros escritores de mesma origem, Salim Miguel e Raduam Nassar, os quais também já haviam sido discutidos em sala de aula pela minha orientadora. Ana Miranda entrou no corpus do trabalho por ser mulher (quis a presença de uma autora) e principalmente por trabalhar diretamente com o tema da imigração libanesa em seu livro. Dito isto e, na impossibilidade de traçar genealogias exatas sobre as “origens”, percursos e interesses pessoais de uma pesquisa acadêmica, detenho-me agora ao trabalho escrito.

No primeiro capítulo, o cotejo e mesmo a justaposição de passagens do romance Nur na

escuridão, de Salim Miguel, com outros textos históricos, indicam o caráter ficcional e

documental da obra do escritor líbano-catarinense, no seu empenho por contar a saga de uma família libanesa para o Brasil. Com seu texto em palimpsesto, Nur na escuridão abre caminho para a leitura de outros romances, ilumina-os, aproxima os personagens patrícios ao mesmo tempo em que os distancia. Tamina, Amina, Emilie e seu esposo, Yussef e tio Naim conversam talvez inicialmente no mesmo navio. Mais tarde, os narradores tratam de separá-los por obra de

seus artifícios. Texto-guia, o de Salim Miguel sintetiza na sua história o preconceito de que foram vítimas, as dificuldades de adaptação, o dia-a-dia do trabalho e da convivência com o

outro, a visão de América e de Brasil que traziam consigo os libaneses, a visão do Oriente que

aqui foi mantida pelos árabe-americanos. A pequeno-grande saga familiar contém o arcabouço que nos outros romances será desmembrado, deslocado, fraturado.

Os mapas e descrições do capítulo seguinte ilustram a viagem e os movimentos dos personagens imigrantes - pois o deslocamento territorial é o passo inicial da imigração –, sabe-se, entretanto, que os motivos, resultados e experiências subjetivas destes percursos (não acessíveis nas estatísticas e história oficiais) só poderiam ser percorridos no gesto estético flagrado pelos ficcionistas ao apresentar narradores e personagens fora do lugar, ao mostrar conflitos e silêncios, abismos entre mundos, fraturas de compreensão, sentimentos e línguas híbridas,

marginais da nação. Tentou-se abordar esses aspectos do terceiro tópico do segundo capítulo em

diante, mostrando que os imigrantes e seus descendentes permanecem com as marcas da viagem, o estranhamento, o preconceito, o choque cultural, revelados dentro da família e/ou em seus contatos com o outro da nova terra.

Quando se critica, no último capítulo, o estereótipo não se quer dizer que o escritor devesse ter escrito dessa ou de outra maneira, mas se constata que, mesmo textos, com sofisticada elaboração literária, como é o caso de Amrik, não estão livres de repetirem imagens do senso-comum – no caso desse romance, da mulher, da oriental. De forma alguma se pretende duvidar da legitimidade de o escritor falar no lugar de outro- (Ana Miranda é a única escritora que não tem antecedentes libaneses) - isso iria contra a essência criativa da ficção. Entretanto, é no mínimo gratificante, perceber imigrantes ficcionalizados por eles mesmos (o que vale para mulheres, negros, pobres e todas as minorias sociais60), aumentando a diversidade de representação destes personagens no imaginário literário e mesmo da nação.

60

Estou usando minoria no sentido de subalternidade, desprivilégio social. Muitas vezes, uma minoria social apesar de ser maioria numericamente, os recursos de poder que este grupo social concentra não são suficientes

Essa multiplicidade de vozes estranhas contribui para a (des) vinculação do discurso hegemônico no Brasil sobre o imigrante de origens árabe. Antes o turco mesquinho, agora

libanês - com todas as complexidades, vivências e (des) orientes que isso acarreta. Ainda que às

margens da nação pela condição de imigrantes, os personagens passam ao centro da narrativa, ganham voz, seja para contar alegrias ou trapos de histórias, seja para celebrar ou carpir em língua estranha, eles adquirem o visto de permanência na ficção brasileira.

para lhes dar a condição de atores políticos relevantes do ponto de vista da mobilização e definição de seus interesses.

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