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A humanidade tem passado, ao longo do tempo, por uma série de transformações sociais e a família não está isenta dessas mudanças. Pelo contrário, sendo organismo de fundamental importância para o desenvolvimento do ser humano, a família influencia e é influenciada pelas modificações ocorridas na sociedade, desenvolvendo relação simbiótica com os fatos sociais.

Sabe-se que o conceito do que vem a ser família transformou-se diante da evolução social, passando desde o grupo de pessoas que mantinham entre si um parco vínculo pela necessidade de sobrevivência, até o atual conceito de família eudemonista, a qual é um organismo social que busca primeiro a realização de seus membros, com o devido estabelecimento de vínculos interpessoais e o necessário envolvimento afetivo.

Por anos, devido à influência da Igreja, o conceito de família esteve atrelado ao rito matrimonial. O casamento era considerado sagrado, sendo permitida a manutenção de relações sexuais dentro do mesmo e para fins de procriação. Tudo que se afastava disso era considerado contrário à vontade de Deus.

Até o advento da primeira Constituição da República, em 1891, a única forma de família válida era a decorrente do casamento religioso, uma vez que o Estado e a Igreja confundiam-se e cabia a esta, não só o desenvolvimento moral da família e da sociedade, mas também o controle sobre os registros civis de modo geral.

Com a referida modificação na ordem institucional, o Estado brasileiro torna-se oficialmente laico, destituindo a Igreja da gerência sobre os registros civis, inclusive casamentos, em território nacional. Surge, então, o instituto do casamento civil indissolúvel, o qual era, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a única forma legalmente aceita de se compor uma família.

A Lei Maior trouxe uma amplificação dos aspectos principiológicos do Direito e, diante de princípios como o da dignidade da pessoa humana e da afetividade, expandiu-se o rol de entidades familiares válidas para o Estado.

Assim, tem-se no artigo 226 da Lei Maior, um conceito amplo do que seria família constitucionalmente aceita. Para a Carta Magna, o conceito de família deve ser estendido para todo o organismo social, no qual seus membros são ligados precipuamente pelo afeto, constituindo a base primeira da sociedade e merecendo especial proteção do Estado. Reconhecia-se, então, a união estável como entidade familiar válida.

69 aquelas compostas pela união de pessoas do mesmo sexo.

Com a flexibilização do conceito de família, indicando que o seu elemento caracterizador precípuo é o afeto, tem-se que o rol de entidades familiares trazido pela Constituição Federal é exemplificativo. E, sob tal entendimento, em 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou procedentes a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, reconhecendo às uniões estáveis homoafetivas tratamento isonômico em relação às uniões estáveis heteroafetivas.

Após o julgamento das mencionadas ações, o Conselho Nacional de Justiça, editou a Resolução n. 175 de 2013, proibindo os cartórios de todo o país negar a habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo.

Deste modo, tornou-se, com a utilização do ativismo judicial, diante de uma do Legislativo em regulamentar as uniões homoafetivas, possível o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

Para muitos operadores do Direito, a defesa do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo seria um trabalho inócuo, uma vez que com o reconhecimento das uniões estáveis como entidades familiares constitucionalmente válidas, o referido instituto e o casamento passaram a ser considerados iguais. Entretanto, essa é uma afirmação que não pode prosperar, pois dentro da esfera legislativa infraconstitucional, existem diversos pontos que distanciam ambos os institutos.

Saliente-se que o art. 226 da Constituição Federal equiparou a união estável ao casamento, considerando o aspecto afetivo e familiar inerentes a ambos. Entretanto, o parágrafo 3º do citado artigo, o qual informa que deve ser facilitada a conversão da união estável em casamento, prova os dois institutos não serem iguais, afinal não se pode converter aquilo o que já é igual.

As particularidades que existem na legislação infraconstitucional, principalmente no âmbito do Direito Sucessório, entre o casamento e a união estável, acabaram por criar uma série de privilégios para o matrimônio. O Código Civil de 2002 coloca os partícipes de uma união estável, ao tratar da sucessão hereditária legítima, numa posição de evidente inferioridade, quando compara-se ao tratamento dispensado ao cônjuge.

O legislador agraciou, nos termos do art. 1845/CC, o cônjuge com a condição de herdeiro necessário, que, ao lado dos descendentes e ascendentes, não pode ser excluído da sucessão por mera disposição de última vontade do de cujus. O mesmo tratamento jurídico não foi dispensado ao partícipe da união estável, que não figura no rol do mencionado artigo.

70 Difere também o tratamento no que tange à ordem de vocação hereditária e à concorrência sucessória. Enquanto o cônjuge encontra-se em terceiro lugar no rol de herdeiros do art. 1832/CC, fazendo jus à totalidade da herança se não houver descendentes e ascendentes; o companheiro não se encontra no rol do mencionado artigo, tendo seus aspectos sucessórios definidos pelo art. 1790/CC, fazendo jus a totalidade da herança se não houver descendentes, ascendentes e colaterais.

Em verdade, consta do art. 1790/CC que o legislador assegurou ao convivente direito a suceder apenas quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, tendo que concorrer com os demais herdeiros do autor da herança, inclusive colaterais, o que não ocorre na sucessão do cônjuge.

Apesar de a jurisprudência ter mitigado algumas dessas diferenças, assegurando a totalidade da herança ao companheiro nos mesmos termos que o cônjuge, tal posicionamento não se encontra cristalizado no ordenamento jurídico.

Diante da situação à qual se submete o companheiro quanto aos efeitos sucessórios do artigo 1790 do Codex, é inconstitucional o presente artigo, uma vez que o mesmo aponta para uma direção divergente ao que propõe o constituinte quando equipara todos núcleos familiares.

É de se concluir que a relevância do casamento homoafetivo toma corpo, quando se compara os direitos sucessórios do cônjuge e do companheiro, percebendo as inúmeras divergências existentes entre ambos, as quais vão de encontro ao atual entendimento das entidades familiares proporcionado pela Constituição Federal.

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