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Abordou-se a construção histórica da evolução do trabalho no mundo, desde a Antiguidade, passando pelo surgimento do Direito do Trabalho, que foi criado com intuito de regular o labor humano e de equilibrar uma relação originariamente desigual entre patrão e operário, até chegar-se a um cenário de flexibilização das relações trabalhistas, que possibilitou o surgimento da pejotização.

No Brasil, a evolução da ciência justrabalhista refletiu em grande parte o que aconteceu no restante do mundo, sobretudo na Europa. Entretanto, observou-se, em nosso país, uma coincidência entre a fase de institucionalização do Direito do Trabalho, período em que surgiu a principal legislação trabalhista brasileira, a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), e um regime antidemocrático e extremamente intervencionista, a chamada Era Vargas. As consequências do excesso de intervenção estatal na regulamentação trabalhista seriam percebidas décadas depois.

Nos anos 1990, uma grave crise econômica e o aumento no grau de desemprego serviram de pretexto para que o capital pressionasse o Governo em busca de uma legislação trabalhista mais flexível, pautada na redução de direitos trabalhistas, que possibilitasse uma maior competitividade das empresas nacionais no mercado econômico globalizado. A justificativa era a recuperação econômica do país e a consequente formalização de postos de trabalho, ainda que isso fosse obtido à custa da supressão de direitos e garantias trabalhistas conquistados ao longo de muitos anos.

Nesse cenário de crise econômica e de pressão do capital, foram editadas inúmeras leis que flexibilizaram as relações trabalhistas, sobretudo no que diz respeito às formas de contratação da mão-de-obra. Assim surgiram a terceirização, o trabalho a tempo parcial, o estágio, o cooperativismo, etc. Sedenta por maiores lucros, a classe empresária foi além e passou a fazer uso de formas de contratação não regulamentadas, como a pejotização.

A pejotização é, portanto, uma situação na qual o obreiro é impingido a constituir uma pessoa jurídica para manter a contratação ou para ser contratado por uma empresa. Um olhar desatento pode não revelar nenhum problema na pejotização, até porque o contrato de prestação de serviços entre empresas possui previsão legal, estando regulamentado pelo Código Civil brasileiro. Entretanto, na realidade, a pejotização tenta mascarar uma típica relação empregatícia sob o manto de um contrato civil para afastar os direitos e garantias do

trabalhador. Assim, o operário continua a laborar com pessoalidade, alteridade, onerosidade, subordinação e habitualidade, mas sem a proteção que lhe confere o direito do Trabalho.

A contratação entre empresas para prestação de serviços não será sempre ilícita. A ilicitude ocorre quando se verifica o intuito de dar a aparência formal de uma contratação civil à uma relação empregatícia para se furtar às obrigações decorrentes do vínculo empregatício.

Parte reduzida da doutrina reconhece a viabilidade jurídica da pejotização, baseando-se, para tanto, no artigo 129 da Lei no 11.196/2005. Esses doutrinadores defendem que o referido artigo viabiliza a contratação de uma empresa por outra para a prestação de serviços intelectuais, mesmo que presentes os requisitos caracterizadores do vínculo empregatício. Para eles, esse entendimento pode ser estendido aos demais trabalhadores em virtude das previsões constitucional e infraconstitucional (CLT) que vedam qualquer diferenciação entre trabalhadores. Entretanto, esse não é o entendimento dominante, sendo refutado tanto pela doutrina majoritária quanto pela jurisprudência dos Tribunais.

Os que negam viabilidade jurídica à pejotização defendem que a Lei no 11.196/2005 só possui aplicações fiscal e previdenciária, não trabalhista. Questionam ainda a constitucionalidade do artigo 129 da referida legislação, uma vez que este não poderia estabelecer diferenciações entre os trabalhadores, como previsto no artigo 7º, XXXII, da Constituição Federal de 1988, e no artigo 3º, parágrafo único da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas).

Recentemente, foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei no 4.330/2004, que, embora não conceda viabilidade jurídica à pejotização, precariza ainda mais os direitos e garantias trabalhistas, podendo servir, ainda, como porta de entrada para a regulamentação do instituto fraudulento.

Embora não possua viabilidade jurídica, a ausência de uma legislação que coíba a pejotização, permite que tal prática continue sendo amplamente utilizada, fazendo com que, diante da inércia do Poder Legislativo, o Judiciário assuma um papel de relevância no combate à referida fraude. Nesse combate, os princípios justrabalhistas, em especial o princípio da primazia da realidade, são de suma importância para embasar as decisões que refutam as chamadas empresas do “eu sozinho”.

Grande parte dos julgados da Justiça do Trabalho que abordam a temática em estudo reconhecem a ilegalidade da contratação, declarando a nulidade da pejotização e constituindo uma relação empregatícia típica para assegurar ao “pejota” todos os direitos dela decorrentes. Entretanto, alguns julgados têm refutado a tese da pejotização ao analisarem as provas dos altos, pois não constatam a existência de todos os elementos caracterizadores da relação empregatícia, atestando a existência de uma relação comercial entre empresas licitamente constituída.

As consequências da pejotização são inúmeras e não se restringem ao âmbito trabalhista. Como exemplos, além do desrespeito aos direitos e garantias dos trabalhadores, a pejotização fomenta uma concorrência desleal entre as empresas que se utilizam dessa prática e as que atuam na legalidade, retira a identidade sindical do trabalhador, impedindo que ele participe e se beneficie das negociações coletivas de sua categoria, traz prejuízos aos cofres públicos ao reduzir a arrecadação de contribuições como o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), dentre outras consequências negativas.

Portanto, a pejotização é uma prática extremamente negativa não somente para os trabalhadores, mas para a sociedade em geral, devendo ser duramente reprimida. Assim sendo, faz-se necessário a criação de uma legislação que ratifique o caráter ilícito da referida fraude, dando mais segurança jurídica à classe trabalhadora. Ademais, fazem-se necessárias políticas governamentais de combate à precarização das relações trabalhistas para que os trabalhadores tenham a tranquilidade necessária ao desempenho de suas atividades laborais, de modo que não se pode admitir o sacrifício de inúmeros direitos e garantias trabalhistas, conquistados com enorme esforço humano, em nome de um aumento da lucratividade do setor produtivo.

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