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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Somos em nossa história, heróis e vilões ao mesmo tempo. (MENDONÇA, 2005, p. 69)

A realização de uma pesquisa em arte cuja proposta consiste na análise de obras concebidas pela própria autora é de extrema dificuldade. Exige distanciamento, criticidade e foco. O distanciamento se fez necessário em todas as etapas do trabalho: na observação das obras desenvolvidas antes do início da pesquisa, embasamento teórico destas obras e concepção e produção das novas obras seguindo uma mesma linha de pesquisa e composição. A criticidade precisou ser pensada com cautela para que as obras não fossem criticadas ao extremo a ponto de serem eliminadas do projeto, no caso das obras concebidas anteriormente; para as obras subsequentes foi preciso elaboração sem preciosismo ou apego permitindo sugestões, reflexões e experimentações advindas de artistas muito mais experientes.

Por outro lado, um trabalho de arte realizado por uma artista que não está no mercado de arte comercializando suas peças ou realizando esta pesquisa voltada aos interesses econômicos faz de todo o trabalho algo um tanto curioso. Foram horas de leitura, visitas a exposições, centros culturais, acervos, viagens, produções e investimento financeiro para que esta pesquisa pudesse acontecer. Foi, no entanto, através desta pesquisa que a artista exercitou a expressão de suas inquietações sem que necessariamente precisasse recorrer a oralidade, a exemplo da palestra Corpo Natureza, na qual ao invés de utilizar os recursos audiovisuais tradicionais optou por mostrar parte do acervo contido nesta pesquisa e discutir com o público presente sobre os procedimentos, materiais utilizados e inquietações que levaram a artista à concepção daquelas obras. O interessante da palestra sobre o corpo foi partir de dois princípios: expor as obras e esperar que o público questionasse. Não seria isto o que se espera da arte? Não se espera que seja um processo reflexivo? Foi muito enriquecedor perceber a importância que o público colocou na possibilidade de experimentar pensar sobre as obras com a artista presente, de expor as dúvidas sobre a materialidade ao mesmo tempo que podiam falar sobre a quê ou ao quê aquelas obras lhes remetiam.

Percorrer os caminhos da Arte Contemporânea para compor este trabalho foi uma tarefa árdua. Há um distanciamento histórico e cultural, há a exigência da compreensão de conceitos, há a necessidade de compreender o momento histórico que levou à concepção dos movimentos e estabelecer um paralelo com a situação atual. Exige-se uma reflexão sobre o tempo real e isto é complexo, pois sempre se faz necessário um tempo para processar e entender o que está acontecendo socialmente, culturalmente, economicamente na atualidade para - quem sabe?- prever as possibilidades de desdobramento futuro.

86 Falar sobre arte, conceber arte, trabalhar com arte exige compromisso, criticidade e reflexão. Em tempos de extremo desenvolvimento tecnológico, com velocidade de informação nunca antes imaginada é fácil nos perdermos nas concepções, afirmações e previsões. Por outro lado, há o tempo humano, o nascimento, o crescimento, a morte. Existem os ciclos que há milhões de anos se repetem sem se acelerarem, sem pularem etapas, sem que possam ser substituídos pelas máquinas. Esta pesquisa procurou deixar este tempo em evidência. Falou da vida e da morte, das transformações, do tempo, do ambiente natural que nos acolhe e do qual dependemos. Falou-se de yoga, de respiração, de introspeção, da beleza de uma árvore que de tão comum é ignorada e exterminada. Falou-se de pegadas e rastros, do corpo que cada um possui e que de tão individual pode tornar-se igual pois tem funções idênticas e personalidades distintas. Falou-se sobre os animais que continuamos a desenhar na areia. Observou-se o papel dos espaços reservados às exposições, da importância da curadoria, da facilitação do acesso à arte. Falou-se de arte. Acima de tudo procurou-se enaltecer a conexão, a compreensão de que o homem é uma extensão do ambiente natural, que carrega em si: no corpo, na fala, na memória, o mundo natural do qual é parte.

Nesta pesquisa apresentam-se dois tempos: o tempo tecnológico e o tempo do mundo. Tempos que continuarão acontecendo em paralelo como acontece com o Rio Negro e o Rio Solimões que formam o Rio Amazonas. Com características distintas: o Rio Negro de águas escuras e o Rio Solimões de águas barrentas, correm lado a lado por um extensão de 06 km até que se misturam. Este fenômeno decorrente da diferença de temperatura e densidade das águas promove um belíssimo espetáculo da natureza. O Rio Negro, com seus 02 km de velocidade por hora e 22 graus de temperatura da água pode simbolizar aqui a proposta desta dissertação que apresenta um corpo reflexivo, poético, respeitador de seu ritmo, leve, metamorfoseado, em comunhão com o ambiente natural e o Rio Solimões, com seus 06 km de velocidade por hora e 28 graus de temperatura da água ilustra a intensidade, velocidade, desenvolvimento tecnológico experimentados pelo homem possuidor de um corpo que aprendeu a viver em outro ritmo, que fez adormecer seu contato com o ambiente natural, que sobrepõe a matéria ao não palpável. Estes dois rios correm em paralelo por 06 kilômetros até que suas águas se mesclem. Ousemos então transformar este percurso de 06 kilômetros como sendo a vida de um homem na Terra, ou seja, em média uns 60 anos; nasce o homem- água que brota da terra em forma de rio, passa por barragens, depressões, nivelamentos, diversidade de vida aquática, tem suas cheias e estiagens e corre, sempre corre em direção ao mar, que seria a sua morte pois tem suas águas doces transformadas em água salgada. Ao longo do caminho realiza escolhas e aprendizados, no entanto, é homem, é água, é vida, é pertencente a um único ecossistema codependente.

Independente do ritmo no qual tenha escolhido viver, este homem é regido pelo ciclo da natureza: nascimento, crescimento, morte – com um tempo limitado para as experiências e aprendizados. Esta dissertação propõe o olhar introspectivo, a contemplação do ambiente natural, a

87 valorização do não palpável, o cuidado com a ecologia, a simplicidade, as escolhas conscientes. Faz esta proposta com o intuito de que o percurso até o delta seja consciente, que se possa envelhecer e olhar para trás para ver o rastro colorido ou o caminho de areia, para que se possa refletir sobre as pegadas deixadas, que se possa enxergar-se moldado às árvores abraçadas.

Sabe-se que a natureza tem uma força inexplicável que se revela através de maremotos, vulcões, geadas, furacões, terremotos. Não seriam estas as formas que a natureza se utiliza para mostrar que está viva? Que alerta o homem a rever o seu ritmo de vida e suas escolhas? Que propõe a desaceleração, a introspeção e o retorno à semente?

Que a arte possa nos salvar com sua proposta de convidar o ser humano a manter-se no ritmo natural antes que seja preciso que a própria natureza nos coloque de volta ao eixo pela fúria de tsunamis. Que a brisa, o entardecer, o banho de mar, as esculturas de areia, os corpos pintados, as árvores... sejam suficientes.

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REFERÊNCIAS

ARAUJO, Antoracy Tortolero. Lendas indígenas. São Paulo: Editora do Brasil, 1999.

BERTHERAT, Thérèse. A toca do tigre. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Editora

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