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Esta pesquisa buscou analisar a incorporação da problemática socioambiental pelo Serviço Social, a partir da identificação dos fundamentos teórico-metodológicos e ídeo-políticos que norteiam a produção de conhecimento neste incipiente campo de atuação e de pesquisa. A questão ambiental, elemento estruturante do objeto deste estudo, se insere na contraditória relação entre finitude dos recursos naturais e as necessidades de expansão da produção capitalista. Por isso, na contemporaneidade, esta contradição integra a crise estrutural do sistema capitalista e os limites intrínsecos dessa engrenagem.

O processo de transformação da natureza nas sociedades comunais e em sociedades pré-capitalistas toma outra dimensão na ordem do capital. Os recursos naturais tornam-se mercadorias tanto para atender às necessidades sociais criadas por essa forma de sociabilidade como para gerar mais lucros à burguesia, classe dominante. A apropriação privada da natureza e da força de trabalho constitui a força motriz do capitalismo.

Diante das expressões de destrutividade da natureza, o Estado, as empresas e o terceiro setor se articulam em âmbito mundial, a exemplo das conferências e da criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). As discussões centram-se na elaboração de estratégias que viabilizem o crescimento econômico, incorporando alguns mecanismos de controle da destrutividade ambiental. Diante disso, no trato da questão ambiental, as relações sociais são isoladas do processo de produção em prol das relações técnicas, conforme fluxograma abaixo:

RECURSOS

DEPREDAÇÃO

?

CONTAMINAÇÃO

133 O esquema elucidativo185 apresentado expõe o processo que se concentra na extração dos recursos, na produção destes em mercadorias e a consequente utilização e transformação destas em resíduos. Porém, os ideólogos do capitalismo retratam apenas a depredação dos recursos, instituída pelo homem (tomado de forma genérica) e as contaminações resultantes de uma destinação inadequada dos resíduos. A lacuna referente ao modo de produção é intencional, visto que a sua problematização desvelaria a raiz da questão ambiental. Essa é a lógica predominante dos encontros organizados pelo PNUMA e das ações institucionais movidas pela ideologia ecocapitalista.

Nesse processo, é requerida a intervenção de diversos profissionais, no intuito do desenvolvimento de estudos e pesquisas, ações educativas e medidas técnicas, que em certa medida, tendem a “amenizar” os efeitos danosos causados pela lógica predatória do sistema. O Serviço Social se constitui em uma profissão, inserida na divisão sociotécnica do trabalho e, por isso, também se encontra no bojo das profissões que atuam na questão ambiental.

Ao longo dos últimos quinze anos, conta-se com uma ínfima, porém crescente, produção de conhecimento da profissão sobre a problemática socioambiental. Estudos anteriores, como a monografia de Carnevale (2009) e a dissertação de Rafael (2008), trouxeram apontamentos instigantes, no sentido de desvelar a natureza desta produção. No entanto, assim como empiricamente se tem observado um aumento das demandas por assistentes sociais para intervir nesta problemática, de igual maneira vem crescendo o esforço intelectual da categoria no sentido de produzir reflexões e conhecimentos sobre este campo de atuação. Daí a necessidade de sistematizar a produção atual da categoria, a fim de trazer novos elementos para pensar os rumos que vem sendo adotados na conformação da cultura profissional.

Nesse sentido, a realidade analisada e sistematizada nesta pesquisa, a produção de conhecimento do Serviço Social sobre a questão ambiental, a partir da dos documentos do XII e XIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço

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O fluxograma foi elaborado conforme anotações da apresentação de Guillermo Foladori durante III Seminário Internacional Novas Territorialidades e Desenvolvimento Sustentável (SINTDS), que ocorreu na UFPE, cidade de Recife, em 2013.

134 Social (ENPESS) e três (03) textos da Revista Katálysis (edição Relações Sociais, Desenvolvimento e Questões Ambientais), nos mostrou que:

· A produção de conhecimento se origina, predominantemente, nas regiões Nordeste e Norte, com destaque para o estado do Amazonas que concentra o maior volume de trabalhos. Esse dado vincula-se à existência de conflitos socioambientais nessas regiões, como também, à consolidação da formação profissional do Serviço Social voltada a essa temática.

· A área de atuação (intervenção e pesquisa) do (a) assistente social acerca da questão ambiental insere-se em sete (07) grupos temáticos, embora estes mantenham interfaces, são eles: gestão pública do meio ambiente; educação ambiental; saúde e sustentabilidade socioambiental; desenvolvimento sustentável e (in) sustentabilidade; conflitos e justiça ambiental; infância e meio ambiente; e organização política, participação social e meio ambiente.

· Identificamos também a atuação dos (as) assistentes sociais em projetos de extensão universitária, em estágios curriculares e trabalhos que resultam de pesquisas, principalmente de profissionais vinculados a grupos acadêmicos, mas não exclusivamente, como os resultados de monografias, dissertações e teses. Contou-se também com a atuação, mesmo que reduzida, voltada à responsabilidade socioambiental das empresas.

· A problemática socioambiental, ou melhor, a questão ambiental, é incorporada pela profissão através de dois blocos ídeo-políticos: a) ecossocialista – os que se baseiam no método materialista histórico e dialético e pautam a ruptura com a ordem do capital; b) ecocapitalistas – que se dividem em ecodemocratas, os que defendem a democracia como fundante na relação com a natureza, com ênfase na articulação entre ecologia e política; e os ecoirracionalistas que responsabilizam a modernidade, o capitalismo industrial e a forma de se produzir ciência pelo atual estágio de degradação ambiental e se colocam em busca de uma “nova racionalidade”.

· A produção de conhecimento sobre a referida temática recorre às correntes teórico-metodológicas de base marxiana/marxista, positivista, fenomenológica e pós-moderna. Neste sentido, é possível identificar um esforço em torno do

135 desenvolvimento de trabalhos cunhados em um rigor teórico – desenvolvido pelas correntes crítica e pelas (neo) conservadoras (de traços positivista, fenomenológico e pós-moderno), como também do sincretismo com a confluência dessas matrizes. Esta última dimensão torna-se característica predominante nos dados analisados.

Os blocos ídeo-políticos que polarizam a produção de conhecimento da profissão estão relacionados, intrinsicamente, à sociedade de classes. Além disso, os (as) assistentes sociais se deparam com a contraditória relação entre as demandas institucionais e profissionais, o que impõe limites à sua autonomia. Quando não problematizadas, as demandas institucionais tomam a direção sócio- política da atuação profissional. Atrelada a esta medular questão, tem-se a influência do sincretismo ideológico e científico186.

A herança ideológica do Serviço Social norte-americano e europeu, somada às particularidades da formação sociohistórica brasileira – conservadorismo com traços coloniais – constituem a diversidade que se reflete no Serviço Social brasileiro, incluindo a própria influência dos marxismos. Teoricamente, podemos denominar essa configuração de “colcha de retalhos”.

Conjunturalmente, essa dinâmica se acirra pela precarização da educação, com destaque para o ensino superior: nas instituições públicas existem lacunas, intensificadas pela massificação em descompasso com a qualidade do ensino, bem como na tríade universitária (ensino – pesquisa – extensão); no ensino privado, tem- se a disputa entre as modalidades de ensino presencial e à distância. Esta última é caracterizada pelo ensino através de apostilas e fórmulas decorativas de banca de concursos sobre políticas sociais. Dessa forma, o Serviço Social incorre na tecnificação e precarização de sua formação profissional.

Diante disso, eis os desafios postos à profissão:

1) Consolidar uma formação profissional fundamentada no arcabouço marxiano, que possibilite a apreensão da essência da realidade, fundamentada no rigor

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Existe um ecletismo nas próprias políticas sociais, espaço de atuação dos (as) assistentes sociais, a exemplo dos conceitos de risco e vulnerabilidade social, que fundamentam a Política Nacional de Assistência Social (PNAS).

136 teórico-metodológico, a fim de evitar o empobrecimento do método ou nas palavras de Quiroga (1991), os marxismos sem Marx;

2) Dar continuidade às investigações sobre a produção de conhecimento da profissão, com destaque para realidade socioambiental, a fim de qualificar a atuação profissional;

3) A partir da apreensão do método marxiano, tratar teoricamente as inúmeras correntes que permeiam a produção de conhecimento da profissão sobre a questão ambiental, apontando suas matrizes e desvelando as distintas contribuições ao debate;

4) Desvelar os artifícios propagados pelo sincretismo científico e pela pós- modernidade (neoconservadorismo). Tonet (1995, p.14) a denomina como pluralismo metodológico e apresenta como um falso caminho, tendo em vista que “não deixa de ser uma forma de relativismo e de ecletismo, uma vez que seu fundamento está na subjetividade e não na objetividade [...] ele expressa e contribui para fomentar o extravio da razão”. Nesse sentido, corroboramos com o autor: esse ideário burguês “deve ser combatido sem tréguas, sem conciliação, sem meias medidas” (ibid).

Sendo assim, os (as) profissionais do Serviço Social devem atuar nas contradições e desafios suscitados ao longo deste trabalho, encontrando nestes as possibilidades de mudanças. Devem estabelecer o desnudamento e oposição à sociedade que preconiza a exploração da força de trabalho, a anarquia da produção, a obsolescência programada e a destrutividade ambiental. Ressalta-se, por fim, a fundamental necessidade de acúmulo de forças, com a articulação aos movimentos sociais e outras categorias profissionais que lutam por uma sociedade sem exploração de classe, gênero e etnia, estando em consonância com os princípios que norteiam o Projeto Ético-Político Profissional do Serviço Social.

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