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Questões de gênero – conceitos

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação brasileira e a legislação que a rege é, historicamente, marcada por uma descontinuação, tratando-se, portanto, de um território de lutas políticas, epistemológicas e semânticas. No Brasil, os profissionais da educação, seja em que nível for (fundamental, médio ou superior) têm sido cotidianamente atacados, especialmente acusados de

“doutrinação ideológica à esquerda”. Há um projeto que tramita na Câmara dos Deputados intitulado “Escola sem Partido”23 que, na prática, propõe justamente o contrário. A Constituição Federal brasileira (1988) já prevê a neutralidade ideológica, política e religiosa do Estado, além do pluralismo de ideias, liberdade de consciência, de ensino e de aprendizagem. Esses parlamentares querem pôr fim ao que eles chamam de “ideologia de gênero”, mas, que, na prática, não é nada mais do que impor o silêncio sobre as diferentes formas humanas de ser/estar no mundo, de reforçar preconceitos e perpetrar as desigualdades que são frutos das questões de gênero e de diversidade sexual (Reis &

Eggert, 2017).

A fim de oportunizar que haja reflexão crítica acerca desses temas dentro da escola pública, o IFFar instituiu os NUGEDIS em seus campus, e esses núcleos têm trabalhado, desde 2016, com o objetivo de esclarecer os seus estudantes sobre as questões científicas, legais e humanitárias que permeiam esses embates, e que buscam a inclusão e a diminuição das desigualdades, bem como o fortalecimento e empoderamento dos atores envolvidos.

Assim, a presente investigação procurou compreender como as ações desenvolvidas pelo NUGEDIS-SB têm contribuído para o empoderamento da/os estudantes do Curso Técnico em Cozinha Proeja do Instituto Federal Farroupilha – campus São Borja (IFFar-SB).

Num primeiro momento, de forma a dar conta do primeiro objetivo específico da pesquisa – (a) identificar as ações desenvolvidas sobre o tema gênero e diversidade sexual no IFFar-SB – foi feito um mapeamento dessas ações, em que se verificou que a gama de temas abordados é ampla e que os debates suscitados sobre essas temáticas atingiam o público do IFFar-SB de maneiras muito diversas e, quantitativamente variável. Esse mapeamento possibilitou a construção do inquérito aplicado.

Percebeu-se, desta forma, que as ações se dividem entre as de amplo alcance (todo o público do IFFar-SB) e as específicas (àquelas oportunizadas apenas para o público do Proeja). As ações direcionadas para o público do Proeja são, frequentemente, mais

23 https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/entenda-o-que-propoe-o-programa-escola-sem-partido/

lembradas pelos estudantes, assim como aquelas que aconteceram mais recentemente. As principais temáticas estão divididas entre as questões de gênero e de diversidade sexual.

Em termos mais específicos, e no que às questões de gênero diz respeito, foi possível identificar a dinamização de debates e ações para os estudantes que discutiam temáticas pautadas pelo feminismo, nomeadamente sobre (i) o trabalho reprodutivo; (ii) o trabalho produtivo; (iii) a maternidade; (iv) o direito ao corpo. Nas questões que abordavam a diversidade sexual foram oferecidas atividades, principalmente, sobre (i) a homoafetividade e (ii) a identidade de gênero. Também constam entre as ações desenvolvidas pelo NUGEDIS-SB debates acerca dos conceitos envolvendo as questões de gênero, o feminismo, a diversidade sexual e a identidade de gênero.

Pode-se auferir que essas ações contribuem para que as/os estudantes reflitam sobre o mundo a sua volta, ao mesmo tempo em que suas percepções de mundo estão arraigadas às práticas sociais e culturais sobre as quais suas vivências estão construídas. Transformar informação em conhecimento demanda tempo, portanto, os reflexos daquilo que é trazido como informação para as/os estudantes não pode ser medido de forma imediatista, que conectar aquilo que se aprende na teoria com as práticas vividas é um processo gradual, de longo prazo (Morin, 2001).

Num segundo momento, respondendo ao segundo objetivo específico da pesquisa – (b) compreender quem são as/os estudantes do Proeja IFFar-SB e como os enquadramentos de gênero refletem em seus papéis sociais – foi possível auferir que, muitos aspectos (sociais, culturais e econômicos) da/os estudantes que participaram na pesquisa, se encontram alinhados com perfis traçados por pesquisas nacionais (Pnad contínua), nomeadamente no que diz respeito aos dados que destacam a maior representação das mulheres em áreas de atuação claramente feminizadas (IBGE, 2018), em postos de trabalho produtivo menos valorizados do que aqueles ocupados pelos homens e que, apesar de não perceberem a maternidade como um entrave para as suas atividades acadêmicas e laborais, esse é um fator que se converte em determinante dificultador para alcançarem a independência financeira e para concluírem seus estudos.

Num terceiro momento, ao responder ao terceiro objetivo da pesquisa – (c) compreender como as ações do NUGEDIS – SB têm sido recebidas e percebidas pelos/as estudantes do Proeja IFFar-SB – permitiu identificar o grau de participação nas atividades propostas, a forma como tomam conhecimento das atividades, como se organizam para participar, bem como as diferenças na forma como essas ações são recebidas pelos estudantes homens e as estudantes mulheres, o que, em muitos momentos possibilitou perceber o quanto essas/esses estudantes ainda compreendem o mundo através dos papéis de gênero que desempenham.

Num quarto momento, ao procurar concretizar o quarto objetivo específico de investigação – (d) mapear/identificar as principais atitudes e representações da/os estudantes em termos de diversidade, igualdade de gênero – concluiu-se que muitas questões ainda são tabus entre os/as estudantes e esses estão longe de concordar quanto à diversidade de temas abordados, tem sido notórias as diferenças identificadas entre as perspectivas das estudantes inquiridas e os estudantes inquiridos. Mesmo que, em pequeno número (os estudantes do sexo masculino participantes na pesquisa), é bastante desanimador identificar posicionamentos concordantes com afirmações como “a maioria dos cheffs de cozinha são homens porque trabalham melhor que as mulheres”, ou ainda, que a maioria dos estudantes tendam a concordar que “mulher que ‘se dá ao respeito’ não sofre assédio”. Esses posicionamentos não refletem nem os conhecimentos científicos produzidos sobre o tema e nem as estatísticas sobre a violência de gênero no Brasil, por isso reforçam a necessidade de que essas temáticas sejam abordadas na formação escolar, para assim desmascarar a falácia da “ideologia de gênero”, e afinal, o opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos (Beauvoir, 1967).

Finalmente, e considerando o último objetivo específico desta investigação – (e) compreender as principais mudanças de atitudes e representações em termos de diversidade e igualdade de gênero após a realização das ações desenvolvidas pelo NUGEDIS-SB – auferiu-se que a maioria dos/das estudantes percebe que há mudanças em suas crenças e atitudes a partir das discussões e ações propostas pelo NUGEDIS-SB, apesar de haver inconsistências relativas a algumas das assertivas propostas no inquérito.

Definir o desenho metodológico da presente pesquisa representou um desafio, pois sempre que se escolhe um caminho, exclui-se outro. Desta forma, considera-se que a realização de entrevistas aos participantes da pesquisa traria uma visão complementar e mais densa sobre as temáticas aqui discutidas, sendo por este motivo um desafio para aprofundamento futuro da pesquisa. Ainda assim, importa referir que o fato de a pesquisadora conhecer profundamente a realidade investigada, bem como de conhecer e de conviver com os sujeitos inquiridos foi determinante para a escolha da técnica de investigação privilegiada para a recolha de informação, o inquérito por questionário.

Metodologicamente essa escolha resolvia duas questões: uma primordial para a pesquisa científica – que haja um certo distanciamento emocional entre o objeto de pesquisa e o pesquisador –, ao mesmo tempo em que resolvia uma primordial para a pesquisa em ciências sociais – que haja um aprofundamento da realidade investigada. Certamente, excluir as entrevistas de aprofundamento tem um custo, mas nessa investigação também trouxe benefícios (Bell, 2010; Coutinho, 2013; Creswell, 2010; Gil, 2012; Meyer & Paraíso, 2012).

Por fim, a presente investigação demonstra que a atenção para a inserção na educação formal de temáticas e práticas que abarquem a inclusão social, voltadas para a diminuição das desigualdades, para a promoção da empatia e empoderamento dos atores envolvidos nos processos de ensino-aprendizagem – aqui especialmente aquelas que são centradas nos papéis de gênero e na diversidade sexual – permanece central, existindo ainda um trabalho importante a desenvolver.

O caráter reacionário da sociedade brasileira evidenciado pelas polêmicas instauradas em torno das questões de gênero e de diversidade sexual – e mesmo em torno das artes que se apropriam dessas temáticas24 – é, em muito, provocada pela desinformação e interesses das classes dominantes no país – nomeadamente por atores da classe política (Reis & Eggert, 2017).

Paulo Freire (2016), o patrono da educação basileira, e que devido ao cenário burlesco que se desenrola no Brasil pode até perder esse título25 já afirmava que:

A sectarização é sempre castradora, pelo fanatismo de que se nutre. A radicalização, pelo contrário, é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta. Enquanto a sectarização é mítica, por isto alienante, a radicalização é crítica, por isto libertadora. (...) Não são raros os revolucionários que se tornam reacionários pela sectarização em que se deixam cair, ao responder à sectarização direitista. Não queremos com isto dizer que o radical se torne dócil objeto da dominação. Precisamente porque inscrito, como radical, num processo de libertação, não pode ficar passivo diante da violência do dominador (p. 35).

Considera-se que os NUGEDIS, objeto de estudo desta pesquisa, enquanto núcleos inseridos em instituições públicas e que procuram a diminuição do bullying, da violência, do preconceito, das desigualdades, acabam por converterem-se em espaços necessários para a educação transgressora e de radicalização referida por Freire.

24 Exposição “queermuseu” é cancelada em Porto Alegre - https://www.obeltrano.com.br/portfolio/queermuseu-quando-estupidez-silencia-arte/ acesso em 03 de novembro de 2019. Prefeito do Rio de Janeiro ordena a retirada de livro que mostra beijo gay:

https://www.nsctotal.com.br/noticias/entenda-a-polemica-envolvendo-pedido-de-recolhimento-de-livro-na-bienal-do-rio-de-janeiro acesso em 03 de novembro de 2019.

25 Projeto de lei requer que Paulo Freire deixe de ser Patrono da Educação no Brasil https://www.camara.leg.br/noticias/

558470-projeto-revoga-lei-que-declarou-paulo-freire-patrono-da-educacao/ acesso em 03 de novembro de 2019.