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Lançados à questão da regressão à dependência em seu aspecto temporal, esperamos ter conseguido explicitar a intimidade dessa relação ao longo desta tese.

Esperamos, também, ter sido bem-sucedidos na ampliação do campo de estudo da clínica da regressão à dependência, que, com forte componente temporal, é um fenômeno clínico que nasce do ímpeto terapêutico de um analista. Winnicott, com o conceito de regressão à dependência, concatena grande parte de seu legado teórico-clínico, já que essa é a única forma terapêutica de tratar “casos incuráveis”, os psicóticos.

A definição de psicose ganha particularidade na teoria winnicottiana, por isso sugerimos a nomenclatura “psicose winnicottiana”. Winnicott, ao introduzir o falso si-mesmo grave (borderline), anuncia, ao campo das psicoses, uma profunda mudança: a loucura deixa de ser caracterizada apenas em seu caráter delirante e passa a ser compreendida como a loucura de

não ser. Essa “loucura de não ser”, do que nunca foi vivido, poderá ser experimentada, pela

primeira vez, na relação diádica paciente-analista.

As inovações de Winnicott se fazem tanto teórico quanto clinicamente; são duas esferas absolutamente intricadas.

As mudanças que essas inovações trouxeram à psicanálise consistem em: migramos, do “talking cure” para o “care-cure”; da psicanálise de três pessoas para a psicanálise de duas pessoas; da interpretação do inconsciente reprimido para a comunicação da necessidade maturacional (do não acontecido).

Acreditamos que cumprimos com o objetivo principal desta tese: o de demonstrar que a regressão à dependência é o único caminho de cura nas agonias impensáveis, características de quadros psicóticos. Ademais, quisemos evidenciar, ao fazer a reconstrução histórica do conceito, a inovação clínica da regressão à dependência em Winnicott.

Contextualizamos as agonias impensáveis, em síntese, como uma descrição de sensações somáticas. Sensações somáticas que terão de ser vividas e integradas ao indivíduo, para que se separe o que é próprio, pessoal, e o que foi falha ambiental precoce.

A regressão à dependência através do holding, manejo da adaptação ativa às necessidades maturacionais, será essencialmente uma experiência psicossomática vivida numa relação viva, mútua, entre analista e paciente, e não numa relação de análise. O terapeuta preparado para viver e suportar estados regressivos de seus pacientes não está, de modo algum, protegido de seu sofrimento. A relação aqui é de mutualidade.

Na regressão, sustentamos a quietude e o torpor das agonias impensáveis, que explodem e atravessam o corpo; sustentamos, real e metaforicamente, o corpo despedaçado, não integrado, enlouquecido, imaturo – psicótico. O paradoxo é que oferecemos a oportunidade para o paciente viver, pela primeira vez, as agonias impensáveis dentro da área de onipotência do paciente, apoiada pelo terapeuta.

O papel do terapeuta é de esperar, ser confiável, verdadeiro, proporcionando o ambiente de maneira que o verdadeiro si-mesmo do paciente possa existir. O processo e a necessidade são do paciente, jamais desejamos, como analistas, que nossos pacientes regridam.

Reiteramos que os traumas não são, necessariamente, experiências severas. O trauma ao qual nos referimos aqui – e que gera a defesa psicótica contra as agonias impensáveis – é repetido ao longo do tempo, se torna padrão, e, por isso, gera uma defesa. Visto de fora, pode ser sutil, delicado, simples e pequeno.

Finalmente, concluímos com as palavras da paciente central desta tese: Margaret Little; afinal são os pacientes que nos guiam.

A psicanálise tradicional não foi bem-sucedida e eu precisava de regressão, a ponto de total dependência, da qual eu pude me desenvolver, mesmo que demasiado tarde, e me tornar uma pessoa mais real, mais equilibrada e madura (LITTLE, 1990, p. 87).

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