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CAPÍTULO 6 – CASO EXEMPLAR DO TRATAMENTO VIA REGRESSÃO À DEPENDÊNCIA ABSOLUTA: MARGARET LITTLE

6.2. Terapia com Winnicott

A análise de Little com Winnicott aconteceu no período de 1949 a 1955 e no ano de 1957. Ela tinha 48 anos quando deu início à análise em 1949.

Após uma curta entrevista de quinze minutos, em que Winnicott nem sequer tomou anotações, Little ofereceu alguma desculpa para não dar sequência à análise. Winnicott não a questionou sobre sua impossibilidade ou apontou sua resistência, ao contrário: garantiu que manteria um horário para ela, caso ela mudasse de ideia.

Vale ressaltar que muitos analistas ao encontrarem resistência de um paciente, devolveriam isso ao paciente em forma de interpretação. Claramente, isso está de acordo com uma das pedras angulares da psicanálise: a interpretação do inconsciente. Na passagem supracitada, na interação inicial entre Little e Winnicott, o manejo que o analista faz ao oferecer um horário, apesar da negativa da paciente, nos revela algo bastante importante: o inconsciente de Winnicott não é o inconsciente reprimido, mas o inconsciente do não acontecido51. Winnicott

percebera a desorganização e necessidade da paciente e ofereceu um horário a ela, apesar de sua recusa. Isto já é manejo.

Na primeira sessão com Winnicott, Little descreve que viveu a repetição de um terror. Ficou encolhida, absolutamente escondida debaixo de um cobertor. O analista ficou quieto até o final da sessão, quando somente disse: “Eu não sei, mas tenho a sensação de que você está me excluindo por algum motivo” (LITTLE, 1990, p. 42).

Muito tempo depois, eu percebi que estava me fechando em mim mesma, tomando o mínimo de espaço e sendo o mais discretamente possível, me escondendo no útero, mas não me sentia segura nem mesmo lá (ibidem, p. 43).

Uma simples comunicação do que o analista sentia contratransferencialmente é característico do manejo na clínica da regressão à dependência.

Outro elemento comum no processo de regressão à dependência, e que aparece logo em uma das primeiras sessões de Little com Winnicott, é a raiva, desespero provocado pela desesperança e risco de suicídio.

Numa das sessões inicias com D. W. Eu senti absoluto desespero se seria capaz de fazer com que ele compreendesse alguma coisa. Perambulei por sua sala tentando achar um jeito. Contemplei me jogar pela janela, mas senti que ele me deteria. Depois pensei em jogar fora todos os seus livros, mas finalmente eu ataquei e quebrei um pequeno vaso cheio de lírios brancos. Num instante, ele desapareceu da sala, mas retornou antes do término da

sessão. Me encontrou arrumando a bagunça e disse: “poderia imaginar que você faria isso (arrumar? Quebrar?) Mas depois.” No dia seguinte, uma réplica do vaso estava no mesmo lugar, com lírios. Dias depois, ele pode me dizer que eu havia destruído algo que ele valorizava (LITTLE, 1990, p. 43). A raiva que aparece, por parte do paciente, tem relação com a violenta fúria somática que procura agredir o ambiente pelo que não aconteceu quando deveria. Isso aparece na relação de confiabilidade com o analista.

Essa passagem mostra alguns pontos importantes: ao andar pela sala, Little vive em gesto e não verbalmente um estado de profunda agonia. Essa comunicação (não verbal) de sua fúria somática machuca Winnicott, que se mostra atingido ao sair de cena. Apesar de ter sido machucado, retorna e, ao substituir o vaso por outro, o analista comunica à paciente que estaria lá para dar continuidade à análise – sem dizer sequer uma palavra. Winnicott sobreviveu à agressividade de Little. A comunicação aqui foi pré-verbal ou não verbal pois se refere ao momento anterior à constituição de um EU. Não houve interpretação no sentido tradicional da palavra, houve, sim, interpretação da necessidade maturacional correspondente à idade da paciente.

Algumas semanas depois, Little descreve que, durante uma nova sessão, ela teve espasmos recorrentes de terror. Lembramos aqui o destaque já dado ao fato de a regressão à dependência ser uma experiência psicossomática. Abaixo Little nos exemplifica o que procuramos compreender teoricamente.

Repetidas vezes, eu senti uma tensão começar a crescer em meu corpo todo, alcançar um clímax e parar, apenas para voltar alguns segundos depois. Eu segurei suas mãos e as apertei fortemente até que os espasmos passassem. Ele me disse ao final que ele achava que eu estava revivendo a experiência do nascimento; ele segurou minha cabeça por alguns minutos dizendo que imediatamente após o parto a cabeça de um recém-nascido poderia doer e ficar pesada por algum tempo. Tudo isso parecia caber, pois foi um nascimento em um relacionamento, via meu gesto espontâneo que ele aceitou. Aqueles espasmos nunca retornaram e apenas raramente aquele grau de medo (LITTLE, 1990, p. 43).

Pessoas com necessidade para regredir podem regredir até o parto para ver se nascem num colo bom. Foi assim com Little, que teve seu gesto espontâneo finalmente acolhido no espaço potencial – da relação analista/paciente. Ao oferecer um setting, continente, espaço potencial adequado às necessidades de sua paciente, Winnicott permitiu-se ser usado da maneira que ela necessitava.

A análise de Little exigiu de Winnicott uma responsabilidade total por sua vida. Inclusive o analista a internou quando precisou se ausentar e temia pela vida de Little.

Em outra passagem importante da análise, relatada por Little, Winnicott diz: “Eu odeio sua mãe” (apud DETHIVILLE apud LOPARIC, 2013, p. 311). Essa passagem é importante, segundo Laura Dethiville, pois nela Winnicott toma para si o ódio da mãe, para que Little se desvencilhasse desse ódio.

Falar a um paciente que odeia a sua mãe é um grande salto em relação às técnicas psicanalíticas tradicionais.

Fizemos, sucintamente, um resumo do que consideramos essencial na análise de Little em relação à regressão à dependência.

CAPÍTULO 7 – A REGRESSÃO À DEPENDÊNCIA ABSOLUTA EM WINNICOTT: