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Dada a importância dos centros urbanos, tanto pelo valor histórico como pelo do estoque construído e do custo financeiro e ambiental agregado, podemos compreender o significado do valor das intervenções de melhorias urbanas nestas áreas e o porquê da grande disseminação desse tipo de ação por todo o mundo nas últimas décadas até a atualidade.

Independentemente do momento histórico em que se contextualizam, as intervenções urbanas tiveram a finalidade básica de recuperar uma situação de degradação, que em analogia às ciências biológicas, nada mais é que fazer a recuperação da saúde ou manutenção da vida, a reparação de danos causados por acidentes ou mesmo atender às exigências dos padrões estéticos (Vargas & Castilho, 2006:4).

Apesar dos projetos de revitalização terem um grande objetivo comum de reparar uma área degradada foi possível notar a diferença de foco entre os projetos de Medicina Urbana e Higienização e aqueles da segunda metade do século XX em diante, o que pode ser explicado em parte, pelas mudanças de valores e tecnologias ocorridas com o decorrer do tempo.

Os projetos urbanos começaram a ser implantados como uma emergência decorrente do estado crítico da saúde pública nas cidades no século XVIII. Mas já no início do século XX os projetos de higienização e saneamento passam a ter a eles incorporados outros objetivos, como o estético, além de apenas sanear o ambiente. E a própria ação de intervenção para renovação passou a ser um fator relevante e valorizado para ajudar a promover a cidade ou elevar seu “status” em relação a outras, como foi o caso de Paris na reforma de Haussmann.

A demanda por projetos de intervenção urbana também se deu em razão do crescimento e envelhecimento das cidades que foi gerando cada vez mais áreas antigas, muitas vezes obsoletas, desvitalizadas ou abandonadas.

A destruição de cidades por guerras foi um outro motivo que levou à adoção de reformas urbanas, o que se deu principalmente na Europa. E é a partir da Segunda Grande Guerra que se evidenciaram em quantidade as intervenções urbanas para revitalização de áreas construídas, sendo este o período que mais nos tem interessado pelo fato de estar inserido no processo de desenvolvimento e evolução de um pensamento e prática que ali começou. Daquele momento até a atualidade verificam-se muitas experiências de recuperação de áreas centrais e várias nomenclaturas usadas para referenciá-las, praticamente todas com o prefixo “re” em comum.

E foi devido à adoção indiscriminada das palavras com prefixo “re” para dar nome aos diversos tipos de projetos de intervenções urbanas que consideramos importante a classificação feita por Vargas e Castilho (2006). Pela popularização dos projetos mundo afora, e pelo caráter político que trazem consigo, os nomes adotados para os projetos são na maior parte das vezes fruto de um objetivo de marketing. Assim, a classificação geral dos projetos, por períodos e características a eles incorporadas, mostra a evolução das cidades, a mudança dos valores e dos projetos, independentemente do título que carregam consigo.

É de muita valia salientar que nem toda denominação dada para determinado projeto infere um tipo específico de prática, que deve ser analisada a partir das estratégias e ações a que se propõe cada projeto. Este esclarecimento é necessário, pois há projetos denominados por renovação, que não se referem exatamente àquele período do urban renewal; inúmeros projetos descritos como sendo de revitalização, requalificação, reabilitação, que se caracterizam com mais de um dos períodos apresentados por Vargas e Castilho (2006).

Essa dificuldade de classificar os projetos de intervenção urbana de áreas degradadas deve-se à homogeneização de práticas e à universalização da nomenclatura, que vem sendo adotada igualmente em cidades de diversos países.

É devido a isso que vemos alguns autores tratando de forma generalizada essa temática. Como exemplo, Campos e Somekh (2001:174) chamam de projetos de renovação urbana as intervenções de grandes portos, como o de Boston, Baltimore, Gênova, Barcelona, Dunquerque, Rotterdam, Londres e Buenos Aires, sem fazer diferenciação do contexto temporal e especificidades de cada um dos projetos.

Além da questão da nomenclatura e da classificação dos projetos de intervenção urbana, questionamos o quanto esses projetos vêm sendo positivos, principalmente ao pensar em quem eles devem favorecer. Este é um assunto colocado

em pauta já na década de 1960 por Jane Jacobs (2000), que dizia que esses projetos, em primeiro lugar, deveriam favorecer as áreas urbanas e a população local envolvida, que às vezes não somente é deixada de lado, como expulsa pelo processo de gentrificação.

Para Jacobs (2000), o objetivo básico dos projetos de revitalização é dar vida aos segmentos das cidades que estão perigosos ou estagnados; costurar esse retalho da cidade na trama urbana e fortalecer toda a trama ao redor. Segundo ela, os projetos precisam de virtudes de uma estrutura urbana sadia como personagens públicas informais, espaços públicos vivos, bem vigiados e usados com constância, acompanhamento fácil e natural das crianças e inter-relações de uso com as pessoas de fora, entre outras coisas.

Infelizmente, apesar do sucesso internacional de muitos projetos urbanos, vemos que os principais beneficiados não são os cidadãos do local a receber intervenção, estando o retorno econômico e o “status” da cidade em primeiro lugar.

Segundo Omholt (1998) apud Vargas e Castilho (2006:46), com essa visão competitiva e homogênea entre as cidades, essas iniciativas de trazer vida e melhorar a qualidade de áreas urbanas construídas tornam-se insustentáveis, pois se baseiam “em uma eficiência operacional ou em projetos inovadores facilmente imitados ou superados”; são intervenções distantes das demandas locais onde falta a veracidade simbólica das estruturas.

Assim, acreditando que a melhoria da qualidade de vida deveria ser para e por seus cidadãos, uma mudança no processo de projeto e de gestão de intervenções deve ser feita, onde as duas etapas devem ser comandadas principalmente pela sociedade civil, segundo seus interesses e necessidades.

Daí faz-se necessária a execução de um bom diagnóstico participativo da área para um conhecimento profundo de suas necessidades, de seus problemas, de sua vocação, com informações atuais e bem elaboradas e analisadas, de acordo com o desejo de seus cidadãos. Dessa maneira, a exclusão social certamente será amenizada no processo, já que a população normalmente excluída será parte do mesmo; os projetos não serão mais tão homogêneos, pois cada lugar é único e não fará sentido copiar projetos.

Ainda consideramos que deve ser inserida no processo a visão sistêmica, para compreender a situação e alternativas estratégicas de intervenção e suas conseqüências para gerar eficiência e sustentabilidade da proposta em longo prazo.