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No processo de coleta e reflexão acerca dos dados que direcionaram este trabalho, foi possível perceber o percurso da recepção da obra de Hermann Hesse no Brasil, desde 1935, até à transformação dessa obra em fenômeno editorial e comercial, especialmente nos anos de 1960 e 1970.

A presença de críticos renomados como Otto Maria Carpeaux, Anatol Rosenfeld e Erwin Theodor, entre outros, que se debruçaram sobre os seus escritos nos ajudam a compor parte de uma história da leitura de Hesse no Brasil. A partir dos dados aqui obtidos, pudemos verificar a intensidade que se leu (e ainda se lê) Hermann Hesse no Brasil, e em que momentos do século XX isso mais ocorreu dentro do cenário cultural paulista15.

O estudo de 135 textos recolhidos e analisados permitiu-nos uma lista representativa da recepção do escritor no Brasil, possibilitando averiguarmos as circunstâncias em que ocorreram as relações entre o escritor, a obra e os seus leitores brasileiros, mediados neste caso por jornalistas e pesquisadores acadêmicos, que atuaram na formação dessa fortuna crítica.

Ao investigarmos as leituras dos estudiosos da literatura hesseana, detectamos duas vertentes de maior destaque, as quais se constituíram de características representativas do conjunto dessa recepção crítica.

Numa primeira vertente, que constitui a maior parte dos textos, identificamos ora uma crítica muito comprometida com a vida do escritor, - ou seja, em aspectos externos da literatura de Hermann Hesse, - ora uma crítica com uma abordagem mais interessada nos aspectos literários internos da obra hesseana.

Na segunda vertente, temos uma menor parte da crítica na qual há uma combinação dialética entre os fatores biográficos (externos) e os fatores estruturais (internos) da obra hesseana.

O primeiro tipo de abordagem crítica foi mais constante e, no entanto, periférico. Os críticos dessa tendência apresentaram Hesse como um escritor de caráter “quixotesco, antiquado, saudosista de um mundo idílico contra a realidade industrial”, como aponta Haag (1999). Outras vezes, consideraram-no ícone da juventude dos anos de 1960.

Pôde-se chegar à percepção de que muitos desses autores ora evidenciados associaram indistintamente vida e obra do escritor Hermann Hesse, o que a nosso ver deixou de mostrar a

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Os textos referentes ao cenário cultural carioca foram incorporados à pesquisa na medida em que foram localizados em bibliotecas e acervos paulistas, colaborando - parcialmente - para a extenção do campo de pesquisa e coleta de textos críticos.

riqueza literária envolta em ambos os aspectos. Esse biografismo encontrado em muitos textos desqualifica a produção literária quando condiciona a estrutura da obra de arte à vida do seu criador, segundo Antonio Candido (1975).

A crítica aqui referida delineia uma posição segundo a qual o conhecimento da vida do escritor se faz sempre necessário para um melhor entendimento do conteúdo da sua obra. Esse ponto de vista torna-se problemático quando deixa de apenas contextualizar a produção da obra para considerar a biografia um fator imprescindível para a sua compreensão.

De uma maneira geral, tal abordagem fica muito clara nos paratextos, bem como nos textos publicados por ocasião do lançamento de alguma obra específica, os quais visavam apenas à promoção de determinadas edições. Exceção é o artigo de Mário Pontes, publicado no Jornal do Brasil (6 set. 1980), em razão da publicação do volume Correspondência entre

amigos, em que o autor procura apresentar criticamente o escritor; aliás, como o próprio título

do texto aponta: “Hesse sem exotismo”.

O que vale ressaltar é que esse tipo de crítica colaborou para ampliar o conhecimento de suas obras, ao passo que os artigos laudatórios (por ocasião de centenário, lançamentos de obras, etc.) e introdutórios à obra (prefácios, orelhas, etc.) ocupam lugar de destaque no conjunto dessa recepção crítica.

O outro segmento da crítica aqui estudada aprofundou as questões estruturais da obra hesseana e abordam-na de forma não somente biográfica e superficial; nesse segmento, valorizou-se o equilíbrio ou um diálogo combinado de modo que o Escritor (opositor da era folhetinesca e representante da literatura do século XX) e o Homem (solitário e contestador) formassem um todo legítimo.

Neste caso, os aspectos e significados artísticos do escritor são abordados por alguns renomados críticos literários e professores de literatura alemã das primeiras décadas de sua recepção aqui estudada: Otto Maria Carpeaux, Anatol Rosenfeld e Erwin Theodor, assim como mais recentemente Léo Gilson Ribeiro, Waldemar Falcão e Luiz Carlos Maciel, o qual atualmente participa da produção dos prefácios de algumas obras relançadas.

Vale ressaltar que tais críticos apresentam-se como leitores ideais, capazes de aproximar e tornar mais acessível a obra hesseana ao leitor brasileiro, na medida em que contribuem para sua formação.

Essas notáveis exceções souberam situar a obra hesseana dentro das condições da sociedade moderna ocidental, cujo modelo de comportamento era colocado à prova por uma parcela contestadora e ruidosa da sociedade das décadas de 1960 e 1970.

Justamente neste momento em que a reedição de livros do escritor tinha seus números mais elevados, a visão da crítica sobre sua obra foi revista sob a perspectiva de novos arquétipos, ou seja, a partir de um novo paradigma decorrente do Zeitgeist (espírito do tempo) capaz de despertar um diálogo mais vivo com seus leitores naquele contexto.

Neste sentido verificamos, por meio da fortuna crítica estudada, questões temáticas importantes no estabelecimento das relações sociais que representam, uma vez que correspondem às expectativas relativas às necessidades espirituais e materiais daquela geração contestadora da sociedade moderna ocidental.

Naquele momento, um novo paradigma era requisitado e Hermann Hesse configurava uma alternativa quer pela temática de sua obra, quer por seu comportamento individual. Desse modo o que era examinado na obra hesseana era o sentido contestador e humanista - que apontava para uma revolução que partisse de dentro do indivíduo - e o combate à massificação contextualizada pela conjuntura política e econômica daquele período (1960- 1970).

A problemática se dá quando Hesse/homem é levado muito a sério, em detrimento de Hesse/escritor, que é lido com pouco cuidado. Daí o equívoco da juventude daquela época em tomá-lo como manual, visto que suas idéias não são funcionais – embora mereçam todo o respeito de seus leitores, como aponta Haag (1999).

Os poucos artigos, teses e dissertações, ou seja, o silêncio da crítica acadêmica revela o quanto são minguantes, quantitativamente, as pesquisas a respeito de Hermann Hesse e mostra como ainda a Universidade deve ampliar e aprofundar os estudos sobre sua obra. Esses raros trabalhos interessam-nos na medida em que abordam - cuidadosamente - os valores literários da obra hesseana. As críticas mais aprofundadas por meio dos estudiosos ligados à Universidade abriram espaços para que novos estudos acadêmicos surgissem, a fim de que a obra hesseana pudesse ser examinada mais detidamente.

Esperamos que esse trabalho possa contribuir para essa linha crítica acadêmica, justamente por seu caráter heurístico, uma vez que reúne um conjunto ainda parcial, porém significativo das leituras críticas de Hermann Hesse no Brasil, incluindo o resumo de todas elas, bem como a transcrição dos textos mais relevantes e de outros menos acessíveis.

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