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Anatol Rosenfeld O escritor e poeta Hermann Hesse foi distinguido recentemente com o prêmio Nobel 1946, nasceu na Suabia, país dos Hohenstaufen , situado numa parte do sul da Alemanha onde se fala um dialeto macio e musical, cheio de nasais engraçados e duma encantadora “Gemuetlichkeit”. A Suabia é o berço de gente vagarosa e metidabunda, de grandes filósofos e duma escola romântica que produziu uma poesia amável pela sua singeleza, pelo tom particular e por uma sensibilidade que encontrou a sua mais profunda inspiração na natureza.

É o amor à natureza traduzido numa linguagem delicada, colorida e de grande musicalidade, que dá às obras de Hesse uma força e uma frescura extraordinárias, mas que, ao mesmo tempo, pela efusão lírica, muitas vezes prejudica a composição e a unidade dos seus romances. Hesse é um “romântico” na acepção ampla e menos superficial da palavra: na sua paixão pela natureza, na forma um tanto difusa e vaga e às vezes prolixa dos seus romances, que ele prefere chamar de “narrativas” e “histórias”; e no seu tema, o tema do “Taugenischts” de Eichendorff (motivo do vagabundo e Lobo da Estepe, prestável para a vida burguesa), do rapaz que abandona o lar paterno para correr o mudo e para entregar-se a uma vida de aventuras pouco “sérias”. É o tema do “Wandervogel” (pássaro migratório), do viandar à-toa, sem fim, uso profundamente ligado à tradição alemã, conhecido desde os tempos dos artesãos da Idade Média que, antes de se tornarem definitivamente na corporação, viandavam durante longo tempo pelas estradas afora, apenas levados pelo impulso nostálgico da distância e do desconhecido. Este costume sobrevive ainda hoje na juventude alemã, podendo encontrar-se à beira das estradas com freqüência os chamados “jugendherbergen” – albergues rústicos para os jovens caminhantes: tentativa tipicamente alemã de organizar até o improvisado. É este tema da inquietação juvenil, do anseio do “Ia-bas”, que, no início deste século, deu ao seu “Peter Camenzini” o grande sucesso e que fez com que Hesse se tornasse durante certo tempo o escritor e conselheiro predileto da mocidade alemã.

Esta “nostalgia” do mundo lhe veio do berço. Hesse é filho e neto de missionários protestantes que se demoraram longamente na Índia. Seu ano Gundert publicou um dicionário da língua indiana malaialam e na casa dos Hesse era costume cantar canções indianas. Muitas vezes as crianças se disfarçavam com os trajes do Morte da Índia, que a mãe ainda guardava. O pensamento e o sentimento de vida do Oriente, teosofia, o “amor fati”, o brahamanismo e o budhismo e mais tarde o taoísmo, em singular mistura com o luteranismo dos pais, exerceram uma decisiva influência sobre o jovem Hermann. Cedo, enquanto ainda aluno no Seminário teológico de Maulbronn, rompe ele com o pai, abandona o lar, torna-se aprendiz de mecânico e empregado de livraria vaga pelo sul da Alemanha e pela Itália, só mais tarde iria ver a Índia e Amásia, em busca do “mundo” e da “vida”.

O motivo da partida, da vagabundagem pelo mundo e da eventual volta, tão singelo no início, repetido através da sua obra em múltiplas variações, enriquece-se aos poucos, adquirindo profundidade e intensidade. Como um navio que viajasse através do espaço e d tempo e tomasse carga de muitos na Índia, de sabedoria na China, de volúpia da vida e da dor das alturas solitárias de Nietzsche, assim volta o insignificante motivo inicial pesadamente carregado, jeito um símbolo metafísico. Embora naturalizado suíço, não nega Hesse o alemão da terra dos Hegel e Schelling. O que no romance francês teria sido sutil análise psicológica aparece aqui como epopéia metafísica. O lar paterno passa a representar a ordem, a vida burguesa, o imperativo moral; mas também a esfera da luz e da limitação, o primeiro masculino, o sol, o espírito. E o “mundo” ansiosamente percorrido torna-se o símbolo do

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pecado, da devassidão, a vida fugaz e da morte, das forças telúricas, do irracional, o princípio feminino, da lua, da Senhora Eva, da Mãe que cria e destrói. Isto é religião, é mitos e dialética: Pai e Mãe; e o filho que reúne os dois princípios. É o “OM” dos brahmanos, também “AUM”, as três letras que simbolizam a Trindade Indiana, o Trimurti, a unidade de Brahma, Shiva e Vishnu.

O interesse do autor do “Lobo da Estepe” não é de ordem social, nas suas narrativas quase não existe o fundo duma sociedade real. O seu problema é de ordem inteiramente individual e aristocrática. A maior parte das suas numerosas obras pertence à categoria dos Entwicklungsromane”, dos romances que descrevem a evolução espiritual duma personagem de escol, existindo todos os acontecimentos e todas as figuras apenas em função do “herói” para enriquecê-lo e encaminhar a sua formação espiritual. Embora politicamente democrata inflexível e corajoso, fala Hesse das massas em termos de Nietzsche como do “rebanho”, devendo dupor-se que ele ame este rebanho – seguindo o seu muito querido Francisco de Assis – exatamente da mesma forma como os peixe, aos quais dedicou muitas belas páginas. O tema constante de Hesse é pois o indivíduo marginal e solitário, “O Lobo da Estepe”, que tem o sinal de Cain na testa (na sua novela “Demian” pertencem os Abel ao rebanho), o indivíduo que faz parte de misteriosas “ordens” ou ligas de espíritos eleitor e que, impulsionado pelo “amor fati”, cumpre o seu destino realizando o seu “eu” através do pecado, do amor, da dor e da morte. Pois “tudo que me acontece e que acontece por minha culpa é bom. É bom também quando dói, é bom, também, quando é abertamente oposto àquilo que é formulado nos mandamentos da moral e da lei. É bom porque a nossa vida não é nossa obra e propriedade; porque, ao contrário, nós somos vividos pela vida e por Deus... o homem sincero reconhece... que é impossível cumprir aqueles mandamentos, que nenhuma “boa obra” pode salvá-lo, isto é, que ela não pode dar a ele o sentimento da inocência... O fracasso e o desespero do homem que reconheceu a sua incapacidade de cumprir os mandamentos, que reconhece a sua profunda convivência com a culpa e com o diabólico – visível mesmo na ação mais nobre – este fracasso faz com que nasça a fé, a crença que nós não vivemos, mas que somos vividos e que nada nos resta a não ser a entrega a esta vida irracional...” Não se trata aqui de qualquer espécie de imoralismo, sendo claro que Hesse se dirige às conseqüências de sensibilidade extrema, às conseqüências que já passaram pela moral comum, que a deixaram atrás, insatisfeitas com as suas exigências por demais mesquinhas. Esta entrega da responsabilidade a Deus pela entrega decidida à vida irracional é, segundo o luterano Hesse, o caminho para voltar à unidade divina. É a estas consciências sensíveis que ele se dirige numa história (“Peregrinação ao Oriente”), cheia do idealismo mágico de Novalis, citando a célebre palavra do poeta dos “Hinos à Noite”: “Nós vamos sempre para casa”. Há mais de cem anos disse outro romântico alemão, o teatrólogo H. V. Kleist: “O paraíso está fechado e o querubim está atrás de nós; devemos fazer a viagem em redor do mundo para ver se o paraíso não esteja talvez aberto em algum ponto do lado oposto”. Bem se vê que a lição de Hesse não é a dos grandes místicos que pregavam a renúncia à vida, o tornar-se mudo e surdo dentro do ruído do mundo. J. E. Spealé, num ensaio sobre Hesse (Mercure de France, 1926) disse com muito acerto que o dudhismo de Hesse (na sua novela “Siddhartha”) é nietzscheanizado ou é “nietzscéisme transcrit em langage budhistique”. Já um tanto de Rasputin na sua concepção. A unidade, a sabedoria final, o estado de graça da “participação universal”, da entrega radical ao pecado e à “Mãe-Eva”. Em “Siddhartha” e “Narciso e Goldmund” fixou Hesse esta concepção em belíssimas páginas, páginas cheias das formas fugazes da Maia. Poucos poetas sabiam tão bem como ele descrever a natureza a sua doçura e fragrância e a sua terrível impassibilidade ante o destino do homem que, “em mortal solidão carrega seu bocadinho de sangue quente pelos espaços gelados do universo”. O romance “Narciso e Goldmund”, o melhor dos que conheço de Hesse, é um grande hino a “Mãe”. “Como poderás morrer algum dia, Narciso, se não tens mãe?”, pergunta no leito de

morte Goldmund, o artista-vagabundo, ao monge Narciso. “Sem mãe a gente não pode amar. Sem mãe a gente não pode morrer”.

II: Hermann Hesse, prêmio Nobel 194620

Anatol Rosenfeld A idéia da mãe é uma verdadeira obsessão do laureado poeta e ele se dirige asperamente contra aqueles que, abusando da psicanálise, tentam interpretar por meio da obra o “inconsciente” dum artista. Esta obsessão é visível também na sua vasta obra poética, às vezes de modo curioso, por exemplo quando liga à idéia da mãe à sua gota, doença que o tortura a muitos anos. Num poema chamado “gota” descreve ele o roer subterrâneo deste mal nos seus ossos. “É a morte! Chamamo-la contudo gota!” Não a amo, continua, a miude brigamos, embora eu saiba às vezes que ela não me tortura por mal, pois a sua profissão é salvar e redimir a gente. “Porém, quando, alguma vez, nós, ela e eu, nos reconciliarmos e nos reunirmos, então não a chamarei mais de gota, nem morte. Saberei que ela é a Mãe eterna, reconhecerei a sua chamada como amor e a mim mesmo como filho”. Hesse costuma fazer versos a toda hora e sobre tudo e às vezes com um humor um tanto rude, como por exemplo, naquele poema a uma “Dama sentimental”, no qual assegura que gostaria de ser uma flor para exalar odores delicados no seio da dama. “Infelizmente, porém, estou inteiramente ocupado em segregar ácido úrico em forma de gora. Possivelmente honrarei ao pé do túmulo, mas uma flor não sou, infelizmente não”.

Não sei se Hesse foi laureado em virtude da totalidade da sua imensa obra ou devido a uma obra específica. É provável que para tal distinção tenha contribuído o seu ultimo grande romance, “Das Glasperlenspiel” (O jogo de missangas), no qual descreve em 900 páginas a vida de Joseph Knecht, Magister Ludi, mestre do misterioso jogo de missangas. Conheço (ou desconheço) este livro (publicado em 1943 ba Suíça) apenas através de notícias da crítica internacional – fato que facilita indubitavelmente a sua interpretação. Segundo estas notícias trata-se de uma obra prima de extraordinário alcance. Hesse leva o leitor neste livro à “província pedagógica Kastalia” a qual, por meio de uma hierarquia de organizações, escolas de elites, institutos de estudos, arquivos, aldeia de jogadores de missangas e de uma vasta administração pedagógica, controla a vida escolar do país inteiro, cuidando da educação de professores de uma elite espiritual. A classe mais alta desta elite, porém são os jogadores de missangas (obviamente uma ocupação bastante inútil) e a festiva representação anual destes jogadores é um acontecimento de imenso destaque estético-espiritual e social. neste mundo quase monástico amadurece Joseph Knecht, tornando-se Magister Ludi, mestre do mencionado jogo. Depois de anos de reclusão e de labor dedicado à educação de si mesmo e de outros, acontece, porém, que ele se evade, impulsionado pela nostalgia da “vida”. Partindo para o mundo dos “outros”, dos “normais” e medíocres, encontra ele, depois de breve felicidade, a sua morte. (Joaquim Maas, em Neue Rundschau, Stockholm, April, 1946).

Assim o enredo exterior quando ao jogo de missangas não já no livro nenhuma elucidação pormenorizada. Conhecendo porém a obra anterior de Hesse arrisco a hipótese que se trata de uma glorificação humanística do “jogo” no sentido de Schiller: “O homem brinca (o termo alemão “spielen” abrange todo comportamento lúdico, o brincar e o jogar” somente quando é homem na plena acepção da palavra; e ele é inteiramente homem somente quando brinca”. Com o problema da arte, suprema manifestação lúdica do homem, ocupa-se Hesse particularmente em “Narciso e Goldmund”, livro cheio de sabedoria profunda. “A arte”, medita uma das figuras desta obra, “é um jogo, talvez, mas seguramente na inferior ao jogo com a lógica, a gramática e a teologia”. Isto é uma afirmação ousada. Hesse afirma que também a ciência, a religião e a língua são “jogos”, num sentido semelhante ao que E. Cassier magistralmente explanou na sua monumental obra “Filosofia das Formas Simbólicas”. E ai

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mesmo tempo reconhece Hesse que, para “jogar”, para “brincar”, é preciso dizer “não”! à vida. “Ou a gente vivia, sorvia nos seios da velha Mãe-Eva – então experimentava altos prazeres, sim, mas não havia proteção contra a enfermidade da vida. Ou a gente resistia, fechava-se num gabinete de trabalho (espécie de torre de marfim) e tentava criar um monumento à vida passageira – então a gente tinha que renunciar à vida, servia então ao imperecível, mas murchava e ficava ressecada...” O autor de “Demian” diz aqui que Schler exprimiu na sua última fase filosófica, na sua fase “antropológica”: o homem é (por força do seu lado espiritual) o ente que sabe dizer “não!” à vida, é o ser “ascético” por excelência. Este “para!” que o espírito opõe ao fluxo incessante e perecível da vida puramente orgânica quase quer apenas a si mesma e que por meio de reflexos diretos e indiretos é inseparavelmente ligada a realidade ambiente, este “para!” do espírito que se fixa nas construções simbólicas, em ciência, arte, mitologia e língua, interrompe a solidez e a simplicidade da estrutura animal, solapando esta “saúde orgânica”, esta auto-suficiência que distingue a besta inocente. O espírito estabelece uma esfera simbólica ente o “eu” e a “realidade”, mas este afastamento da realidade, este divorcio entre homem e ambiente, que é de essência lúdica, um brincar além e por cima da esfera puramente vital, aproxima o homem simultaneamente dsta mesma realidade. “O homem tem que retroceder a um mundo irreal, a um mundo de imagens e de jogo para dentro dele e através dele conquistar o mundo real”. (E. Cassirer).

É por meio da distância e da objetivação do mundo (animal não tem “objetos”) que o homem chega a conhecê-lo melhor e a dominá-lo, chega a ter não só o “ambiente”, mas “mundo”. Neste intercâmbio dialético entre espírito e realidade é a arte a mais perfeita construção simbólica, a que com maior perfeição realiza o retroceder e o aproximar-se, o “não!” e o “sim!”. O “para!” e o “continue!”. Numa frase genial disse Goethe: “A gente não se afasta com mais certeza da vida senão pela arte – e não se liga a ela com mais firmeza a não ser pela arte”.

É nisto, suponho, que consiste o sentido mais profundo do “Glasperlenspiel”. Hesse descreve o afastamento lúdico da realidade do Magister Ludi Joseph Knecht e sua partida para a realidade, para o mundo, onde encontra a morte nos braços da Mãe-Eva. “A força do espírito – disse Hegel – é apenas tão grande quanto a exteriorização dela, a profundeza do espírito apenas tão profunda quanto a sua ousadia de expandir-se e de perder-se nesta exposição”.

O “pássaro migratório”, o “Wandervogel” e “O Lobo da Estepe”, tinha que expandir- se de expor-se, de perder-se para encontrar a sua pátria na profundidade da sua própria essência, pois, diz Hesse “tudo que é mundo exterior não é só objeto da nossa percepção, mas ao mesmo tempo criação da nossa alma”.

Hermann Hesse, prêmio Nobel de 4621

Não conseguiram os jornalistas e redatores de jornais e revistas literárias, na Suíça, encontrar Hermann Hesse, o prêmio Nobel de 1946... Uma correspondência de Zurich, em novembro, afirmava que o notável autor de “O lobo da estepe” se achava então recolhido a uma clínica, nos arredores dessa cidade, quando chegou a feliz nova de Estocolmo. Septuagenário, gravemente doente, quase cedo, Hesse – o solitário – recebeu em sua solidão a notícia de que fora contemplado com o prêmio Novel, possivelmente pelo seu romance “Glassperlenspiel”, grande obra em dois volumes, escrita durante a guerra, não obstante a as´de do escritor já estivesse abalada. Ao mesmo tempo fizera aparecer “Considerações políticas”, que resume suas idéias acerca do regime nazista. Lembra-se que na outra guerra Hermann Hesse, embora tivesse nascido na Alemanha – naturalizara-se suíço – combateu veementemente os pangermanistas, desde o célebre artigo de 3 de novembro de 1914. “O amigo, não este protesto”, em que conclamava os artistas e os intelectuais germânicos a não ceder terreno a loucura militarista. Essa sua atitude decisiva, que lhe valeu todas as censuras, na Alemanha e na Áustria, assegurou-lhe a amizade de Romain Rolland, que durou ao longo de toda a vida do autor de “Jean Christophe”, mantendo ambos uma intensa correspondência. Em “Audessus de la mêlée”, podem-se ler estas linhas de “Romain Rolland: “De todos os poetas alemães, aquele que escreveu as palavras mais serenas, as mais altas, o único que conservou durante esta guerra demoníaca uma atitude verdadeiramente goetheana, é aquele que a Suíça tem a honra de ter por hóspede e quase filho adotivo: Hermann Hesse”.

Toda a vida do singular idealista foi assim vivida: num ininterrupto sonho de perfeição, sem qualquer compromisso. Místico e romântico, o próprio Hesse traçou da seguinte maneira a sua diretiva literária: “Dar um sentido elevado e fascinante à vida humana, celebrar a inocência e o inesgotável da natureza humana e seguir por esse caminho até o ponto em que a for inevitável a constrange a voltar-se para o espírito, seu distante pólo oposto, representar as vibrações da vida entre os dois extremos da natureza e do espírito e representá- la, alegremente, divertida e perfeita, como a tensão de um arco-íris”.

O próprio escritor traçou há tempos sua biografia em duas laudas de papel. Eis como ele no-la conta:

“Nasci em Calvo, na Floresta Negra. De uma família protestante; meus antepassados foram pregadores, médicos, missionários, e a origem dessa família, derivando de vários países, nos deu pouca suscetibilidade aos nossos sentimentos nacionalistas. Estava com doze anos quando mudei de nacionalidade, tornando-me suíço; sem considerar o povo suíço uma nação de semi-deuses, tenho no meu coração uma adesiva admiração pela sua organização do Estado. Minha mocidade e estudos escolares decorreram por diversas vezes na Alemanha e na Suíça. Destinava-se à carreira da Igreja, mas desde a publicação de meu primeiro livro de poemas e uma novela (“Peter Camenzind”, 1904, “Unter Rad”, 1905), desde então, não tive outra profissão a não ser a literatura.

Ainda quando era moço visitei muitos países, e entre todos tinha Itália como a terra favorita. Em 1911, estive na Índia, seguindo a tradição de meu pai e de meu avô; ambos foram missionários nesse país, sendo que o último, foi até autoridade indiana. Os estudos da vida dos antigos indús e dos antigos chineses tiveram grande influência sobre mim, como o cristianismo tingira de piedade o nosso lar. Minha fé política é a de um democrata, meu mundo o de um individualista. O que me preocupou durante toda a minha vida, formando-me ata agora, não tem sido problema social algum, mas problemas individuais, e a tendência para

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subordinar a personalidade ao convencionalismo das massas é alguma coisa que odeio de morte.

Meus livros, que incluem muitos puramente líricos, naturais, foram escritos sem propósito algum de liderança; eles têm encontrado contudo, no curso dos anos, e trazido até mim, um público ledor, do qual a maior parte é jovem, e para quem eu me tornei uma espécie de conselheiro. As dificuldades que se encontram no mundo de hoje, no confronto do individual e da construção de uma personalidade harmoniosa, são sentidas, como eu mesmo diariamente descubro, por uma grande maioria de pessoas, especialmente pelos jovens, dentro das autoritárias igrejas e Estados (Hesse escrevia antes do nazismo já) e dessas pessoas, uma parte, dentro dos limites da língua alemã, parece ver em mimo poeta com o qual têm mais afinidades.

Muitos dos meus livros foram traduzidos em línguas escandinavas e eslavas, diversos em japonês, uns poucos em inglês e francês.

Meus divertimentos consistem de um pouco de jardinagem e de pintura a aquarela (durante a segunda grande guerra Hesse ilustrou alguns exemplares de seus livros, que vendeu nos leilões destinados a auxiliar a Cruz Vermelha). Minha moradia está fixada, desde 1919” na Montagnola, perto de Lugano, na Suíça. Por oito anos trabalhei no poema de uma “Natureza utópica”.

Além desses traços muito gerais de sua vida, o escritor de “O lobo da estepe” não referiu que se casou três vezes, tendo do primeiro matrimonio, em 1904, um filho com Maria Bernoulli, de Basiléia. O segundo casamento foi com a escritora Lisa Wenger. Menciona-se que ele se naturalizou somente em 1921, e não aos 12 anos, como escreveu.

Para se ter uma idéia de como a obra de Hermann Hesse se estendera pela Europa, particularmente pela Alemanha, basta mencionar-se a grande correspondência que recebeu durante a última guerra dos soldados germânicos internados na Suíça, na Inglaterra e nos

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