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No decorrer do presente trabalho, foi demonstrado que a atuação da mídia influencia, diretamente ou indiretamente, nas decisões proferidas pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, principalmente nos casos de ampla repercussão e grande comoção social, conforme comprovado na análise do caso Isabella Nardoni.

Tem-se que mídia está sendo dominada por grandes conglomerados empresariais que visam obter lucros a qualquer custo e, por isso, está ultrapassando a função informativa, na medida em que os meios de comunicação em massa atuam de forma sensacionalista e manipuladora, distorcem a verdade a seu favor, expõem abusivamente os envolvidos, emitem opiniões parciais e fazem julgamentos antecipados, especialmente nos casos de crimes de competência do Tribunal do Júri.

Tal atuação da mídia interfere, diretamente ou indiretamente, nos julgamentos do Tribunal do Júri, pois os jurados que compõe o Conselho de Sentença não precisam fundamentar suas decisões, uma vez que julgam com base na sua íntima convicção e nos ditames da justiça.

A ausência de fundamentação das decisões do Conselho de Sentença ocasiona uma temerosa insegurança jurídica nos julgamentos do Tribunal do Júri, pois resta impossível saber por que motivos os jurados votaram pela condenação ou pela absolvição do réu, uma vez que eles podem ter considerado influências externas ao processo para proferir a decisão.

Apesar de terem sido garantidos aos jurados a incomunicabilidade e o sigilo das votações, que são institutos de extrema importância no Tribunal do Júri, bem como o instituto do desaforamento aos acusados, concluiu-se que eles resguardam apenas formalmente a imparcialidade do Conselho de Sentença, uma vez que não são suficientes para impedir a influência da mídia no convencimento dos jurados.

Assim, constatou-se que a imparcialidade dos jurados é colocada em risco pela falta de fundamentação das decisões e pela atuação midiática, pois, antes de serem sorteados para compor a sessão do julgamento no Tribunal do Júri, os jurados formam suas opiniões com base na pressão social e no pré-julgamento feito e divulgado pela mídia. Essas opiniões dificilmente serão modificadas pelas teses de acusação e de defesa ou pelas provas constantes nos autos.

Além de colocar em risco a imparcialidade do julgamento, demonstrou-se que a conduta da mídia nos casos de competência do Tribunal do Júri fere direitos fundamentais resguardados pela Constituição Federal de 1988 e pelos demais atos normativos

infraconstitucionais, como o direito à presunção de inocência e os direitos da personalidade (honra, imagem, intimidade e vida privada).

Quando a mídia publica notícias sensacionalistas, imparciais e irresponsáveis sobre os casos criminais, especialmente sobre os casos de crimes de competência do Tribunal do Júri, expondo o acusado e o condenando antecipadamente, ocorre uma colisão de direitos fundamentais, pois a mídia invoca o direito à liberdade de expressão em sua proteção, enquanto o acusado encontra-se amparado pelo direito à presunção de inocência e pelos direitos da personalidade (intimidade, vida privada, honra e imagem), devendo ser aplicada a máxima da proporcionalidade.

Conforme a máxima da proporcionalidade, quando acontecer uma colisão entre os direitos fundamentais mencionados e não for possível compatibilizá-los, um direito deve ceder proporcionalmente frente ao outro direito, uma vez que não existe direito fundamental absoluto e não é razoável que um direito prevaleça ilimitadamente em detrimento de outros direitos e garantias fundamentais do indivíduo.

Desse modo, com base nas pesquisas bibliográficas e no estudo do caso Isabella Nardoni, propõe-se duas alternativas para tentar evitar os efeitos negativos da atuação midiática nos casos de crimes de competência do Tribunal do Júri.

Defende-se que as decisões do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri sejam motivadas. Contudo, tal motivação deve diferir da fundamentação de um juiz togado, não precisando ser relacionada aos posicionamentos jurisprudenciais, às diversas correntes doutrinárias ou à legislação penal, processual penal ou constitucional.

A primeira alternativa proposta é de que os jurados devem esclarecer as justificativas acerca das suas conclusões sobre a autoria e sobre a materialidade do crime, ou seja, os motivos de proferirem seus votos pela condenação ou pela absolvição do acusado, para que não pairem dúvidas de que os jurados consideraram apenas as provas internas ao processo e desconsideraram as interferências externas ao processo, como a atuação mídia e a pressão popular.

Cabe destacar que a alternativa proposta acima não violaria os princípios norteadores do Tribunal do Júri, nem mesmo o princípio do sigilo das votações, pois é plenamente possível os jurados motivarem suas decisões e preservarem suas identidades, ocultando as mesmas no momento da votação.

Ademais, combate-se a censura, que é um instrumento abominável, mas defende- se que a atuação da mídia em matérias criminais, especialmente em crimes de competência do Tribunal do Júri, deve ter responsabilidades e limites, para evitar que o direito à liberdade de

expressão da mídia viole os direitos fundamentais do acusado como o direito à presunção de inocência e os direitos da personalidade.

A atuação dos meios de comunicação em massa deve ser limitada a função de noticiar os fatos e informar à sociedade brasileira, sem exposição demasiada dos envolvidos, sem realização de julgamentos antecipados e sem manifestação de opiniões parciais.

A segunda alternativa proposta é de que a mídia deve atuar livre de censuras, mas também livre de sensacionalismos, manipulações, distorções da verdade, exposições abusivas, opiniões parciais e acusações irresponsáveis. Em outras palavras, uma atuação limitada em casos criminais e compromissada com a verdade, a responsabilidade e a ética, a fim de respeitar os direitos fundamentais dos envolvidos nos processos criminais, como o direito à presunção de inocência e os direitos da personalidade, evitando a colisão do direito fundamental da liberdade de expressão com outros direitos fundamentais.

Por todo o exposto, conclui-se que as alternativas propostas devem ser aprofundadas e efetivamente concretizadas, bem como outras alternativas devem ser pensadas e estudadas pelos operadores do Direito, a fim de solucionar o problema da influência negativa da mídia nos julgamentos do Tribunal do Júri, garantindo a imparcialidade das decisões do Conselho de Sentença e os direitos fundamentais do acusado, como o direito à presunção de inocência e os direitos da personalidade.

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