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Finalizada a exposição acerca da influência da mídia nas decisões do Tribunal do Júri, mostra-se enriquecedor realizar um breve estudo de caso, a fim de observar na prática a influência que a mídia sensacionalista pode exercer sobre a decisão do Conselho de Sentença. Consoante explorado no capítulo anterior, a mídia sensacionalista elege um crime, especialmente um crime de competência do Tribunal do Júri, e o explora exaustivamente e repetitivamente, transmitindo as informações de forma exagerada, emotiva, dramática, espetaculosa, superficial, parcial e, muitas vezes, destorcida da verdade. Tudo com a finalidade de prender a atenção do público, gerando audiência e lucro.

A atuação sensacionalista da mídia causa aos suspeitos, aos indiciados, aos acusados e aos demais envolvidos efeitos desastrosos e, comumente, fere direitos fundamentais previstos constitucionalmente como o direito à presunção de inocência e os direitos da personalidade (honra, imagem, intimidade e vida privada).

Diante do exposto, no capítulo final, pretende-se analisar a influência da mídia no caso Isabella Nardoni, pois trata-se de um dos casos brasileiros mais emblemáticos, que teve intensa repercussão nacional nos meios de comunicação. Além disso, o caso provavelmente teve decisões judiciais influenciadas pela intensa cobertura midiática e pela opinião pública formada que clamava por justiça.

Embora as estatísticas apontem para o fato de que a cada dia, no Brasil, duas crianças são mortas por familiares, a morte da menina Isabella Nardoni ganhou destaque especial na mídia nacional, que acompanhava passo a passo as investigações e mantinha a população brasileira constantemente atualizada.89

Em 29 de março de 2008, Isabella de Oliveira Nardoni, de 5 anos de idade, foi agredida, esganada e jogada inconsciente da janela do sexto andar,do Edifício London, situado na Rua Santa Leocádia, nº 138, no distrito da Vila Guilherme, na Zona Norte de São Paulo. A menina foi encontrada ainda viva e foi socorrida ao hospital, mas faleceu logo depois.

Os pais de Isabella, Ana Carolina Cunha de Oliveira e Alexandre Alves Nardoni, eram separados, tendo o crime acontecido no apartamento do pai da menina, onde também moravam a madrasta Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá e os dois irmãos paternos dela. Há notícias de que o relacionamento entre o casal era caracterizado por discussões frequentes e

89 DAGNEZE, Cinara Sabadin. ARALDI JÚNIOR, João Irineu. Caso Isabella Nardoni: a indústria midiática e os

limites do pré-julgamento (uma análise jurídico-linguística). Revista Justiça do Direito, Passo Fundo, v. 24, n. 1, p. 118-131, 2010, p. 120.

acaloradas, em razão principalmente do forte ciúme nutrido pela madrasta em relação à mãe biológica da menina.

O pai e a madrasta afirmaram às autoridades e as demais pessoas que acompanharam o incidente que a menina foi jogada pela janela por um invasor, que não foi visto por ninguém. Entretanto, logo, eles foram apontados pela polícia e pelo Ministério Público como os principais suspeitos de terem matado Isabella.

Frisa-se que, apesar de serem apontados como suspeitos do crime, somente poderiam ser considerados e tratados como culpados após decisão judicial transitada em julgado, conforme previsto na Constituição Federal de 1988.

Ocorre que, desde o momento em que foram considerados como os principais suspeitos, os veículos de comunicação em massa (emissoras de televisão e de rádio, jornais, revistas, internet, entre outros) passaram a dar ampla cobertura ao caso, bem como a considerar e tratar o casal como culpado pela morte da menina, fazendo um julgamento antecipado e ferindo o direito constitucional à presunção de inocência, que está diretamente ligado a outros princípios constitucionais, como do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da imparcialidade do juiz, assim como os direitos constitucionais da personalidade.

Nesse sentido, confirmam Cinara Sabadin Dagneze e João Irineu Araldi Júnior: No entanto, os órgãos midiáticos anteciparam o julgamento e expuseram o casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá a uma condenação antecipada, não pela Justiça – o que se efetivaria dois anos após o crime –, mas pela sociedade brasileira, que os condenou imediatamente, não lhes oportunizando nem mesmo o benefício da dúvida.90

A polícia e o Ministério Público “ofereceram” os suspeitos e a mídia “agarrou com unhas e dentes”, sem responsabilidade e sem preocupação com os direitos constitucionais assegurados aos mesmos, tendo em vista que a cobertura do caso ocorreu de forma desenfreada, invasiva, abusiva, sensacionalista e parcial, com a finalidade de obter lucro e não de bem informar a sociedade.

Segundo Fábio Martins de Andrade:

Em pesquisa simples na qual se digitou o nome “Nardoni” no sítio de pesquisa do Google, obteve-se em 06.12.2008 nada menos que 622.000 resultados, dentre os quais – registre-se – constam vídeos familiares, policiais, postagens em blogs, opiniões de especialistas, de leigos, e, principalmente, notícias. Tratando-se de um crime ocorrido

90 DAGNEZE, Cinara Sabadin. ARALDI JÚNIOR, João Irineu. Caso Isabella Nardoni: a indústria midiática e os

limites do pré-julgamento (uma análise jurídico-linguística). Revista Justiça do Direito, Passo Fundo, v. 24, n. 1, p. 118-131, 2010, p. 119.

em 29.03.2008, todos os resultados encontrados depois de oito meses são surpreendentes.91

Em artigo no qual faz uma análise do caso de Isabella Nardoni, Luiz Flávio Gomes assevera:

Não existe "produto" midiático mais rentável que a dramatização da dor humana gerada por uma eliminação perversa e devidamente explorada, de forma a catalisar a aflição das pessoas e suas iras. Isso ganha uma rápida solidariedade popular, todos passando a fazer um discurso único: mais leis, mais prisões, mais castigos para os sádicos que destroem a vida de inocentes e indefesos. O "clima midiático", muitas vezes, interfere nos julgamentos. Apesar da existência de várias garantias (vinculadas com a independência interna e externa dos juízes), é certo (como afirmam os sociólogos) que nenhuma decisão judicial é totalmente "objetiva" e "independente".92

Com efeito, o caso foi exaustivamente e abusivamente explorado pela mídia, tendo uma cobertura impactante e cheia de momentos sensacionalistas que sensibilizaram e chocaram a população brasileira.

Os veículos de comunicação em massa transmitiram rapidamente as notícias sobre o caso, acompanharam passo a passo o inquérito policial e o processo criminal, expuseram completamente a vida de todos os envolvidos, fizeram interpretações e emitiram opiniões parciais acerca de todos os acontecimentos, bem como criaram uma grande comoção e uma enorme pressão social em busca punir os culpados.

Como exemplo de tal atuação da mídia, destaca-se a atuação da revista Veja, revista de grande circulação nacional, que explorou bastante o caso Isabella Nardoni, fazendo uso de evidentes estratégias sensacionalistas e emissão de opiniões parciais, como capas, títulos apelativos, ilustrações, fotos, depoimentos, entre outros.

Tem-se que o caso Isabella Nardoni foi destacado como matéria principal na capa da revista mencionada por quatro vezes (Capa 1 - Edição nº 2055 - veiculada em 09 de abril de 2008, Capa 2 - Edição nº 2057 - veiculada em 23 de abril de 2008, Capa 3 - Edição nº 2088 - veiculada em 26 de novembro 2008 e Capa 4 - Edição nº 2158 - veiculada em 31 de março de 2010).

Assim, torna-se interessante a análise de ilustrações das edições da revista Veja que destacaram o caso Isabella Nardoni e podem comprovar a forma de atuação da mídia na cobertura do crime sob enfoque.

91 ANDRADE, Fábio Martins de. A influência dos órgãos da mídia no processo penal: o caso Nardoni. Revista

dos Tribunais, São Paulo, v. 98, n. 889, p. 480-505, nov. 2009.

92 GOMES, Luiz Flávio. Casal Nardoni: Inocente ou Culpado? Disponível em:

A edição nº 2055, veiculada no dia 09 de abril de 2008, tem o caso Isabella Nardoni como capa e tem matéria com o título “ O anjo e o monstro ”.

Imagem 1 – Capa da edição nº 2055 da revista Veja

Fonte: VEJA, São Paulo: Abril, ano 41, n. 14, abr. 2008. Imagem 2 – Matéria da edição nº 2055 da revista Veja

A edição nº 2056, veiculada no dia 16 de abril de 2008, apesar de não trazer o caso como capa, tem matéria de destaque com o título “Isabella continua a morrer”.

Imagem 3 – Matéria da edição nº 2056 da revista Veja

Fonte: VEJA, São Paulo: Abril, ano 41, n. 15, abr. 2008.

A edição nº 2057, veiculada no dia 23 de abril de 2008, tem a capa com a frase: “Para polícia não há mais dúvidas sobre a morte de Isabella: FORAM ELES” e a matéria de recheio sobre o caso com o título: “Frios e dissimulados”.

Imagem 4 - Capa da edição nº 2057 da revista Veja

Imagem 5 – Matéria da edição nº 2057 da revista Veja

Fonte: VEJA, São Paulo: Abril, ano 41, n. 16, abr. 2008.

A edição nº 2088, veicula em 26 de novembro de 2008, tem a capa com o título: “200 dias na cadeia: A (boa) vida dos acusados do caso Isabella”.

Imagem 6 – Capa da edição nº 2088 da revista Veja

A edição nº 2157, veiculada no dia 24 de março de 2010, tem matéria de recheio sobre o caso com o título: “Cara a cara com os jurados”, nos dias anteriores ao julgamento.

Imagem 7 – Matéria da edição nº 2157 da revista Veja

Fonte: VEJA, São Paulo: Abril, ano 43, n. 12, mar. 2010.

Por fim, a edição nº 2158, veiculada no dia 31 de março de 2010, após o julgamento, tem a capa com a foto de Isabella sorrindo e a frase: “CONDENADOS! Agora, Isabella pode descansar em paz”.

Imagem 8 – Capa da edição nº 2158 da revista Veja

Sobre as capas e matérias da Revista Veja acerca do caso, Cinara Sabadin Dagneze e João Irineu Araldi Júnior concluem:

Dessa forma, quando enuncia “o mal”, “foram eles” ou “condenados!”, combinando tais sequências discursivas com uma série de elementos gráficos que reforçam a construção de um efeito de sentido negativo, de culpa, Veja constrói a naturalização dos sentidos, ditando um sentido (único) dominante e silenciando outros, homogeneizando sentidos na direção que interessa para a empresa jornalística. Em outras palavras, Veja condena antecipadamente Alexandre e Anna Carolina, imprimindo em suas páginas, durante todo o tempo, seu juízo de valor, mantendo-se muito afastada da imparcialidade esperada pelo jornalismo, bem como de seu (pretenso) caráter científico.93

De fato, constata-se uma atuação parcial e sensacionalista da mídia, bem como demonstra-se que houve um julgamento antecipado feito pela mídia, que condenou o casal Nardoni pela morte de Isabella Nardoni antes mesmo de um julgamento feito pela Justiça, sem observar os direitos fundamentais constitucionalmente garantidos a eles.

Em meio a atuação midiática, após toda investigação policial, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá foram denunciados pelo promotor de justiça Francisco Taddei Cembranelli, sendo, após toda instrução processual, pronunciados pelo juiz Maurício Fossen pela prática dos crimes de homicídio triplamente qualificado e de fraude processual.

Em 22 de março de 2010, após quase dois anos da morte de Isabella, foi dado início ao julgamento do casal no 2º Tribunal do Júri do Fórum de Santana/São Paulo, presidido pelo juiz Maurício Fossen. O promotor de justiça Francisco Taddei Cembranelli conduziu a acuação, enquanto o advogado Roberto Podval conduziu a defesa.

Em 27 de março de 2010, após cinco dias de trabalhos no 2º Tribunal do Júri do Fórum de Santana/São Paulo, os jurados que formaram o Conselho de Sentença decidiram que o casal é culpado dos crimes de homicídio triplamente qualificado de Isabella Nardoni e de fraude processual.

Em razão disso, pelo juiz presidente, Alexandre Alves Nardoni foi condenado a pena de 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado, agravado ainda pelo fato do delito ter sido praticado por ele contra descendente, em regime fechado, bem como a pena de 08 (oito) meses de detenção, em regime semiaberto, e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo, pela prática do crime de fraude processual qualificada.

93 DAGNEZE, Cinara Sabadin. ARALDI JÚNIOR, João Irineu. Caso Isabella Nardoni: a indústria midiática e os

limites do pré-julgamento (uma análise jurídico-linguística). Revista Justiça do Direito, Passo Fundo, v. 24, n. 1, p. 118-131, 2010, p. 129-130.

Ana Carolina Trotta Peixoto Jatobá foi condenada a pena de 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, pela prática do crime de homicídio contra pessoa menor de 14 anos, triplamente qualificado em regime fechado, bem como a pena de 08 (oito) meses de detenção, em regime semiaberto, e 24 (vinte e quatro) dias-multa, em seu valor unitário mínimo, pela prática do crime de fraude processual qualificada.

Além disso, o juiz decidiu que o casal não poderia recorrer da sentença em liberdade.

O advogado Roberto Podval recorreu imediatamente da sentença. Entretanto, após dez dias do julgamento, o juiz Maurício Fossen negou o pedido de recurso para um novo júri e a anulação da condenação, entendendo que a mudança no Código de Processo Penal Brasileiro que se refere à extinção do chamado “protesto por novo júri” deveria ser aplicada a todos os casos, inclusive aos anteriores.

Obviamente, também houve ampla cobertura da mídia acerca do julgamento e da sentença condenatória. Milhares de pessoas se aglomeraram do lado de fora do Tribunal do Júri, clamando por justiça e demonstrando a forte pressão social criada pela atuação midiática. Do mesmo modo, milhares de repórteres da televisão, do rádio, do jornal e da revista disputavam um espaço e a atenção do público, bem como transmitiram cada detalhe do julgamento.

Diante de todo o exposto, conclui-se que a mídia influenciou negativamente no julgamento do caso Isabella Nardoni. Conclui-se também pelo claro desrespeito aos direitos e às garantias constitucionais de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pois eles – ainda que, de fato, sejam culpados – têm os direitos fundamentais à presunção de inocência, à preservação da imagem, da honra, da intimidade e da vida privada, os quais são previstos na Constituição Federal de 1988 e devem ser assegurados.

Acerca da atuação da mídia no caso Isabella Nardoni, Cinara Sabadin Dagneze e João Irineu Araldi Júnior também concluem:

No caso em tela, resta evidente que a mídia afrontou o princípio da liberdade de informação, uma vez que não se restringiu à finalidade básica de informar de forma correta e imparcial, impondo, dessa forma, uma condenação prévia ao casal Nardoni

e Jatobá e ferindo outra previsão constitucional, a da presunção de inocência.94

Ademais, conclui-se que a imparcialidade dos jurados foi claramente colocada em risco, pois os jurados incumbidos do julgamento, antes mesmo de formarem o Conselho de Sentença, desde o momento em que foram divulgadas as primeiras notícias sobre o caso pelos

94 DAGNEZE, Cinara Sabadin. ARALDI JÚNIOR, João Irineu. Caso Isabella Nardoni: a indústria midiática e os

limites do pré-julgamento (uma análise jurídico-linguística). Revista Justiça do Direito, Passo Fundo, v. 24, n. 1, p. 118-131, 2010, p. 127.

meios de comunicação, sofreram forte influência da mídia que explorou intensamente o caso e criou uma forte pressão social em busca da condenação dos acusados.

Apesar de ser difícil provar a influência da mídia sobre os jurados, pois os jurados não motivam suas decisões, mais difícil ainda é sustentar que os jurados julgaram o caso Isabella Nardoni que teve ampla repercussão midiática e grande comoção social com base exclusivamente nas provas obtidas no processo criminal. O julgamento antecipado feito pela mídia e a forte pressão social criada por ela produzem mais efeito sobre os jurados do que as provas trazidas pela acusação e pela defesa no processo criminal.

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