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No capítulo 1, quando foram listados os objetivos deste estudo, o primeiro deles esclarecia a intenção de indicar uma tipologia que contemplasse as diferenças entre uma reportagem gerada a partir de investigação de um repórter e a produzida a partir de investigações de autoridades. Essa foi a tarefa principal perseguida no capítulo 2. Ali foram criadas, com base na bibliografia, duas categorias de reportagens que apresentem denúncias. A primeira tem como característica básica e essencial o trabalho de investigação ser feito pelo próprio jornalista. É a categoria das reportagens investigativas, que resultam no jornalismo investigativo. A segunda categoria é a das reportagens cuja base são informações de investigações oficiais, feitas por autoridades. Nessa categoria estão as reportagens sobre investigações, aquelas que mostram o resultado final ou parcial do trabalho de policiais, procuradores, promotores, auditores, fiscais e outros profissionais que trabalham em investigações oficiais. É a categoria que neste estudo recebeu a denominação de

jornalismo sobre investigações. No decorrer do capítulo 2, se demonstrou que as duas categorias são importantes, mas não devem ser confundidas. As revelações de uma reportagem sobre investigações, por mais relevantes que sejam, não podem ser enquadradas em jornalismo investigativo, já que este pressupõe a investigação de jornalistas. Para reforçar essa classificação e distinção, o capítulo 2 também resgatou episódios da história do jornalismo investigativo no mundo e no Brasil, mostrando seus ápices, características, problemas e contribuições.

O segundo objetivo proposto no estudo foi demostrar o avanço das funções e da atuação do Ministério Público no Brasil. Isso era fundamental, já que procuradores e promotores aparecem de forma relevante no fenômeno do jornalismo sobre investigações, ao qual se dedica a pesquisa. Assim, ainda no segundo capítulo, foi demonstrado como o Ministério Público brasileiro foi criado com inspiração na instituição equivalente na França – que, por sua vez, tem origens que remontam à Antigüidade. De forma especial o estudo se deteve em apresentar as alterações que ocorreram no Ministério Público a partir da promulgação da Constituição de 1988, a atual, que deu a promotores e procuradores autonomia, independência e poderes de fiscalização sem precedentes. Por causa da regulamentação do texto constitucional e da necessária ampliação da estrutura do Ministério Público, essas mudanças só puderam ser colocadas em prática de forma ampla em meados da década de 1990. Fazendo uma ponte direta com o jornalismo, o capítulo 2 mostrou ainda como, a partir das mudanças, procuradores e promotores se tornaram uma espécie de super-fonte para repórteres. Isso ocorre porque as informações que saem do Ministério Público têm pré- requisitos considerados essenciais para boas fontes – como credibilidade e produtividade – e porque promotores e procuradores, de certa forma, agem dentro de um campo de ação amplo, tal qual jornalistas, e ao mesmo tempo têm instrumentos poderosos de investigação, tal qual policiais.

O terceiro objetivo apresentado para o estudo foi quantificar dentro do

corpus da pesquisa o total de reportagens investigativas e de reportagens

sobre investigações. Assim, levando em conta a categorização feita no capítulo 2 e com a metodologia detalhada no capítulo 3, o quarto capítulo da tese se dedicou a apresentar a análise dos dados de reportagens das revistas Época, IstoÉ e Veja publicadas nos anos de 1989, 1994, 1998 e 2002. Na análise foi possível concluir que – como mostram os gráficos da seção 4.5.1 - em 1989 e 1994 as reportagens investigativas representaram uma parcela de 75% de todas as matérias jornalísticas com denúncias que integraram o corpus estudado. A fatia de 25% restante era de reportagens sobre investigações. Em 1998, as reportagens investigativas passaram a representar 45% das reportagens com denúncias, ficando as reportagens sobre investigações com a parcela de 55%. Em 2002, a inversão aumentou ainda mais. De todas as reportagens com denúncias analisadas, 34% eram investigativas e 66% eram sobre investigações.

Essa avaliação proporcional, em percentuais, é reforçada com a análise dos números absolutos. Em 1989, em média, cada revista publicou três reportagens investigativas no período analisado. A média subiu para 4,5 reportagens investigativas, por revista, em 1994. Em 1998, cada revista publicou 1,3 reportagem investigativa, e, em 2002, a média foi de 4,3 reportagens investigativas em cada uma das três publicações. Isso mostra uma estabilidade, entre 1989 e 2002, no número médio de reportagens investigativas nas maiores revistas semanais de informação do país. Não existe também nenhuma tendência constante de aumento ou diminuição. O número sobe de 1989 para 1994, depois cai em 1998, e volta a subir em 2002.

Não é o que ocorreu com as reportagens sobre investigações. Nessa categoria, houve uma crescimento constante. Cada revista publicou, em média, uma reportagem sobre investigações em 1989. Depois a média subiu

para 1,5 reportagem em 1994; 2,5 reportagens em 1998 e, finalmente, 8,3 reportagens por revista em 2002. Como o número de reportagens com denúncias nas revistas estudadas – levadas em conta tanto as investigaivas quanto as sobre investigações - cresceu muito entre os dois extremos do período analisado – foram 8 em 1989 e 38 em 2002 -, fica claro que o acréscimo se deu no jornalismo sobre investigações, e não no jornalismo investigativo.

Também se levando em conta o conjunto de reportagens com denúncias, os dados demonstram que no último ano analisado, 2002, apenas um terço de todas essas matérias jornalísticas foram fruto da investigação de repórteres. Dois terços delas se limitaram a relatar investigações de autoridades. Nesse segundo grupo, fica claro pelos textos das reportagens analisadas que de forma geral não há sequer um trabalho de apuração complementar do jornalista, que possa agregar elementos importantes à investigação oficial. As reportagens basicamente se limitam a retratar declarações de autoridades e provas colhidas na investigação oficial, com o trabalho do jornalista se restringindo à elaboração do texto e entrevistas com acusados.

Não há nenhum problema em se noticiar investigações oficiais. Em alguns casos, isso é fundamental até para que a autoridade responsável pela investigação receba o apoio necessário para seguir seu trabalho. No entanto, a predominância excessiva do jornalismo sobre investigações no conjunto de matérias com denúncias é preocupante. Como referem Kovach e Rosenstiel (2003) em análise citada na seção 2.1, reportagens com base em investigações que não são feitas pelos próprios jornalistas implicam um risco grave. Como o repórter tem acesso só à parcela da investigação que lhe é liberada, ele se expõe ao perigo de ser usado pela fonte que está passando as informações da investigação oficial. É diferente da situação em que é o próprio jornalista quem investiga. Nesse caso, o repórter tem maior

capacidade de analisar contradições, incongruências e equívocos que aparecem na investigação. Os números levantados neste estudo mostram então que, em 2002, os jornalistas das três grandes revistas analisadas não tiveram controle sobre as investigações que embasaram dois terços de todas as reportagens com denúncias que publicaram.

O capítulo 4 também apresentou algumas causas, apontadas por jornalistas entrevistados, para o avanço no volume de reportagens que têm como base investigações de autoridades. Eles apontaram fatores como a melhoria do aparato de fiscalização no país, a redemocratização, o medo de empresas jornalísticas de serem rés em processos indenizatórios – caso façam suas próprias investigações –, a redução das equipes nas redações e a acomodação de jornalistas.

Os dois objetivos seguintes do estudo eram verificar qual a origem das reportagens sobre investigações e saber se, nessa origem, havia predominância do Ministério Público. Isso foi feito também no capítulo 4. A pesquisa revelou que dentro do grupo das reportagens sobre investigações não há sequer uma pluralidade de fontes, com investigadores do Ministério Público e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário tendo uma participação relativamente equilibrada. Quase metade de todas as reportagens sobre investigações publicadas nos quatro anos de eleições presidenciais saíram do Ministério Público, apesar de o trabalho da instituição só ter aparecido efetivamente nos dois últimos anos analisados, 1998 e 2002.

Os dados demonstraram, de forma clara, que o aumento no número de reportagens sobre investigações se deve ao grande volume de matérias jornalísticas feitas com base em informações do Ministério Público. Em 1998, primeiro ano em que o trabalho de procuradores e promotores aparece na origem de reportagens com denúncias nas revistas analisadas, saíram de

investigações do Ministério Público as informações de 40% dessas matérias jornalísticas. Em 2002, quando há o boom no jornalismo sobre investigações, procuradores e promotores foram as fontes principais de 56% das matérias que apresentaram resultados de investigações oficiais. Se for levada em conta também a fonte secundária de cada reportagem, não só a principal, o Ministério Público aparece na origem de praticamente dois terços de todas as reportagens sobre investigações publicadas pelas três revistas no primeiro semestre de 2002. No conjunto de reportagens com denúncias – tanto sobre investigações quanto investigativas -, procuradores e promotores foram fontes em 2002 de 37% de todas as matérias jornalísticas. Isso sendo considerada apenas a fonte principal. Quando a fonte secundária entra na análise, a parcela de reportagens com informações de procuradores ou promotores sobe para 42%. Ou seja, saiu do Ministério Público quase metade de todas as denúncias publicadas pelas três maiores revistas informativas do país.

Com isso, é possível responder de forma afirmativa a pergunta que norteou este estudo: sim, a agenda da imprensa brasileira se tornou dependente da agenda do Ministério Público.

O Ministério Público é uma instituição cuja independência e autonomia são fruto do avanço da democracia. Ainda assim, a agenda da imprensa não pode ser dependente da agenda de procuradores e promotores. Ocorrendo isso, grande parte dos temas de reportagens deixam de ser fruto da iniciativa de jornalistas e do poder de pressão e influência de uma pluralidade de fontes para serem definidos de forma prioritária por uma única instituição. Pelo que mostram os dados coletados e analisados neste estudo, a imprensa transferiu para integrantes do Ministério Público seu poder de agendamento da opinião de leitores e também as chances de influenciar, de forma positiva, em decisões políticas de autoridades. Não se trata de achar que jornalistas podem investigar de forma melhor ou pior que