• Nenhum resultado encontrado

O câncer de mama é a neoplasia maligna mais temida pelas mulheres, devido à sua alta freqüência e, sobretudo, pelos efeitos psicológicos de seu tratamento, que

afetam a percepção de sexualidade e a própria imagem corporal1 (INCA 2006).

É uma causa importante de morbidade e mortalidade entre as mulheres e, nos últimos anos, sua incidência tem aumentado progressivamente no Brasil

2,100(MORAES, 1997; BUDEL, 2001), comparável ao que é observado na população

mundial101 (FUNDAÇÃO ONCOCENTRO, 2004).

No Brasil, este aumento na incidência ocorre apesar dos esforços no sentido de aumentar o número de diagnósticos realizados precocemente, e da melhoria da acurácia dos métodos diagnósticos, com uma tendência de redução do tamanho do

tumor por ocasião do diagnóstico 102 (PAZ et al., 2001).

A mulher, quando recebe o diagnóstico de câncer, já terá sua qualidade de vida comprometida devido, principalmente, ao medo da morte. Se o tratamento proposto for uma mastectomia, o estigma será a perda, a extirpação de um órgão relacionado à sua

sexualidade e imagem corporal18 (MAGUIRE et al., 1978).

O tratamento cirúrgico do câncer de mama vem sendo descrito há séculos. No final do século XIX, Halsted estabeleceu a mastecomia radical como método primário

de tratamento do câncer de mama, que prevaleceu pelos 70 anos subseqüentes7

DISCUSSÃO

51

A mastectomia à Halsted, com suas grandes ressecções cutâneas e retirada dos músculos peitoral maior e menor trouxe a cura a muitas pacientes, mas também causou grandes mutilações. Isto levou à busca por outros métodos, que lentamente desafiaram a supremacia dos princípios de Halsted, graças aos avanços na radioterapia,

hormonioterapia, quimioterapia e ao desenvolvimento dos exames

anatomopatológicos103 (CARRAMASCHI, PINOTTI, RAMOS, 2002).

A partir dos anos 80, o tratamento cirúrgico conservador do câncer de mama passou a ser largamente adotado em escala mundial. Esta mudança fundamental foi embasada em estudos prospectivos aleatórios, que mostraram que os índices de

sobrevida eram semelhantes8, 9(VERONESI et al., 1986; FISHER et al., 2002).

O diagnóstico precoce e a melhor compreensão do comportamento biológico dos tumores proporcionam abordagens cirúrgicas cada vez mais conservadoras e menos mutiladoras. A cirurgia conservadora, a biópsia do linfonodo sentinela, selecionando os casos em que é necessária a linfadenectomia axilar, e a radioterapia

intra-operatória são avanços que contribuem para uma melhor qualidade de vida104

(LUINI et al., 2005).

No entanto, diagnóstico tardio, doença multicêntrica, tumor grande em relação ao tamanho das mamas e preferência da própria paciente são fatores que ainda

determinam a indicação da mastectomia15 (BRANDBERG et al., 1999).

Uma vez estabelecida a efetividade de ambos os tipos de tratamento cirúrgico do câncer de mama (radical ou conservador), a avaliação de seus efeitos na qualidade

de vida da paciente torna-se cada vez mais importante na opção por um deles 48,75

(PUSIC et al., 1999;KEBERT, DE HAES, VAN DE VELDE, 1991;).

A busca pelo significado do termo qualidade de vida (QV) parece ser tão antiga quanto a civilização. Segundo a visão aristotélica, a vida com qualidade referia-se aos

sentimentos relacionados à felicidade, realização e plenitude105(BAYLEY, 1988).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) , em 1948, definiu Saúde como “estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente ausência de

DISCUSSÃO

52

doença ou enfermidade” 46, 70 (KLASSEN, JENKINSON, FITZPATRICK et al., 1996;

BARROS, 2000).

O conceito mais aceito é o de que “Qualidade de vida é a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e

preocupações”106(WHOQOL Group, 1994). Inclui seis domínios: saúde física, estado

psicológico, níveis de independência, relacionamento social, características ambientais

e padrão espiritual107(HAG et al., 1991).

O termo “qualidade de vida”, inicialmente utilizado como parâmetro para avaliar satisfação com aquisição de bens materiais, passou a ser usado nas áreas de

saúde e educação29 (FERRAZ, 1998), e atualmente representa um parâmetro

importante de avaliação do tratamento de pacientes com câncer91 (ARNDT, 2004).

Surgiram então inúmeros instrumentos para avaliação da qualidade de vida, chamados questionários que apareceram na literatura a partir da década de 70, e desde então têm mostrado um desenvolvimento considerável.

Quando um instrumento inclui grande parte das dimensões da qualidade de

vida, é denominado de genérico; quando se concentra em um aspecto particular

(capacidade funcional, auto-estima, por exemplo) é denominado de específico.

Os instrumentos genéricos têm sido usados em diversas publicações nos últimos 20 anos e possuem duas características fundamentais, que são: a possibilidade de comparar populações distintas e avaliar a população geral.

Os instrumentos para avaliação de qualidade de vida desenvolvidos inicialmente, apesar de compreensíveis e confiáveis, eram longos demais, e sua

aplicação levava de 30 a 45 minutos, em média35, 38,108 (BERGNER et al., 1981;

STEWART, HAYS, WARE, 1988; HUNT, McKENNA, McEWEN, 1981;).

Isto fez com que muitos pesquisadores passassem a utilizar instrumentos com item único, que apesar de rápidos e práticos, eram menos confiáveis e,

DISCUSSÃO

53

1981;). Tornava-se necessária a criação de uma escala multidimensional com número de itens, que não fosse tão longa, mas satisfizesse os padrões de aceitabilidade, confiabilidade e validade em uma população geral.

O questionário SF-36 é utilizado como indicador global de qualidade de vida, identificando alterações dos componentes físico e mental. É um dos questionários genéricos de avaliação de qualidade de vida mais utilizados em todo o mundo, aplicável em diversos tipos de patologias, porque é composto por questões gerais que avaliam a capacidade física, limitações por problemas físicos e emocionais, aspectos

sociais, dor, saúde mental, vitalidade e percepção de saúde geral28(WARE et al.,

1992).

O SF-36 foi desenvolvido a partir de observações do Medical Outcomes Study

(MOS), um estudo multicêntrico e aleatório de três centros nos EUA, com 22.462

pacientes 67,109 (TARLOV et al., 1989; McHORNEY et al., 1993); antes, o Nottingham

Health Profile (NPH) era o questionário genérico mais utilizado para medir a

percepção do estado de saúde, mas muito criticado por não detectar pequenas

alterações na qualidade de vida36 (KIND & CARR-HILL, 1987).

Foi padronizado para aplicação auto-administrável, aplicação por entrevistas ou por telefone. É um questionário simples, de fácil compreensão, relativamente curto, e habitualmente demanda um tempo de 5 a 10 minutos, o que garante a sua popularidade

em diversas áreas de pesquisa clínica28 (WARE et al., 1992).

Cada dimensão é analisada em separado, o que diminui a chance de não se

identificar os verdadeiros problemas relacionados à saúde do paciente28 (WARE et al.,

1992).

O questionário pode ser ainda, agrupado em dois componentes: o componente físico e o componente mental .Estes componentes reduzem o número de comparações estatísticas necessárias com os oito domínios, sem perda importante de informação

DISCUSSÃO

54

Essa avaliação genérica não é capaz de dizer ao profissional de saúde o que fazer, entretanto, é capaz de demonstrar se os pacientes conseguem executar determinadas atividades que normalmente fazem e como se sentem quando as estão

praticando33 (CICONELLI et al., 1999).

Avalia aspectos negativos e positivos da saúde (bem estar). Estudos anteriores

já o utilizaram em pacientes com câncer de mama 15, 57, 60, 87, 92, 95 (BRANDBERG et

al., 1999; GANZ et al., 2002; JANNI et al, 2001; BROECKEL et al., 2000;; CASSO,

BUIST, TAPLIN, 2004; CONDE et al., 2005). No entanto, poucos estudos avaliaram

somente pacientes submetidas à mastectomia15, 52 (BRANDBERG et al., 1999; VEIGA

et al., 2004) e nenhum estudo anterior comparou pacientes submetidas à mastectomia

com mulheres não portadoras de câncer de mama, utilizando o SF-36.

Como as pacientes portadoras de câncer de mama representam o maior grupo de sobreviventes entre as pacientes tratadas por câncer, torna-se importante avaliar sua qualidade de vida, se é semelhante à das mulheres não portadoras de câncer de mama. Com isso será possível avaliar o sucesso da terapêutica aplicada, detectando a presença de seqüelas do tratamento e a necessidade de manter ou desenvolver novos tratamentos

81-a (DORVAL et al., 1998).

Além das variáveis médicas tradicionais, é importante avaliar o impacto da

doença e seu tratamento na qualidade de vida da paciente 110 (McLACHAN, DEVINS,

GOODWIN, 1998).

A perda da mama após a mastectomia tem implicações psicológicas e sexuais

importantes111 (JAMISON, WELLISCH, PASNAU, 1978).

Representa para a mulher, a perda de sua feminilidade, auto-estima, saúde, com

conseqüentes alterações psiquiátricas18 (MAGUIRE et al., 1978).

No entanto, a relação entre o tipo de cirurgia e a qualidade de vida é controversa, com resultados conflitantes, relacionada provavelmente a fatores como

DISCUSSÃO

55

Estudos anteriores demonstraram benefícios consistentes da conservação da

mama sobre a imagem corporal e conforto com a sexualidade 43, 75, 79, 112 (GANZ et al.,

1992; KIEBERT, DE HAES, VAN DE VELDE, 1991; MOYER, 1997; SCHAIN et

al., 1994), mas com maior medo de recorrência da doença, especialmente entre as

maisjovens7 3,79 (HAES & WELVAART, 1985; HÄRTL et al., 2003).

Algumas pacientes preferem o tratamento radical, devido ao medo de

recorrência da doença113 (FALLOWFIELD, BAUM, MAGUIRE, 1986) e por não

necessitar de radioterapia e um período maior de tratamento114 (WILSON, HART,

DAWES, 1988). Já outras preferem o tratamento conservador, por ser menos mutilante

do que a mastectomia 23, 86 (CURRAN et al., 1998, AL-GHAZAL, FALLOWFIELD,

BLAMEY, 2000), mantendo melhor as funções físicas e psicológicas. Entretanto, relatam maior medo de recorrência. A superioridade da cirurgia conservadora em termos de imagem corporal e satisfação com o tratamento é consenso em vários

estudos 23, 43, 79, 115 (CURRAN et al., 1998; GANZ et al., 1992; HÄRTL et al., 2003;

FALLOWFIELD, 1990), enquanto que a questão medo de recorrência permanece

controversa 75, 76 (KIEBERT, de HAES, VAN DE VELDE, 1991; SCHOVER, 1994).

Estudos comparando pacientes com câncer de mama em estágio inicial submetidas a tratamento cirúrgico radical ou conservador, não observaram diferenças significantes na qualidade de vida, mas salientaram que seus achados não justificam o

uso da mastectomia radical se não houver indicação médica para tal75 (KIEBERT,

HAES, VAN DE VELDE, 1991). Estes resultados sugerem que o diagnóstico do câncer é fator crítico que explica a morbidade psicológica após a ocorrência do câncer

de mama 81-a (DORVAL et al., 1998).

Resultados de estudos aleatórios demonstraram qualidade de vida global similar

nas pacientes submetidas à mastectomia e mulheres da população geral 43 (GANZ et al.

1992) desde que permaneçam livres da doença81-b (DORVAL et al., 1998).

No presente estudo a maioria das pacientes relatou manutenção da qualidade de vida após a mastectomia. Quando questionadas sobre a sua saúde em relação a um ano atrás, 26,7 % relataram estado de saúde muito melhor e 27,6% um pouco

DISCUSSÃO

56

melhor.Apenas 16,4% relataram estado de saúde muito ou pouco pior em relação a um ano atrás. Uma razão para esta observação pode ser o fato de pacientes com recorrência da doença e⁄ou metástases terem sido excluídas do estudo.

Outro parâmetro para avaliar a qualidade de vida global é o domínio “estado

geral de saúde” que reflete a percepção do indivíduo sobre sua saúde e suas

expectativas com relação a ela. Não foi observada diferença significante entre os escores do grupo estudo e controle.

Apesar da qualidade de vida global permanecer boa, estudos prévios encontraram resultados similares aos deste estudo, com impacto negativo da mastectomia nos aspectos físicos e emocionais da qualidade de vida avaliada pelo SF- 3615, 92, 116 (BRANDBERG et al., 1999; CASSO, BUIST, TAPLIN, 2004; GANZ et al., 2004).

Possíveis interações entre fatores psicológicos, médicos e sócio demográficos e a qualidade de vida das pacientes submetidas à mastectomia foram investigadas por

vários autores117 (BERNHARD et al., 1988).

No entanto, os resultados são controversos81-a, 118 (DORVAL et al., 1998;

HASSEY, FERRELL, LEIGH, 1996;) e permanece a dúvida se os sintomas, sobretudo os da esfera emocional são decorrentes do câncer de mama ou do seu tratamento e se o diagnóstico da doença, e não a perda da mama seja o fator crítico que explica a morbidade psicológica.

O prognóstico do câncer mamário é relativamente bom se diagnosticado em estadios iniciais. Estima-se que a sobrevida média geral para cinco anos nos países em

desenvolvimento seja de cerca de 56% (variando entre 49 e 51%) 1 (INCA, 2006). Em

uma das maiores casuísticas já publicadas, com seguimento de 20 anos, a sobrevida

para pacientes com tumores de até 2 cm foi de 43%10(VERONESI et al., 2002).

Nesta casuística o tempo decorrido da cirurgia variou entre um e 20 anos (média de 3,8 anos), com 27% das pacientes submetidas à mastectomia com sobrevida maior ou igual a cinco anos, confirmando a necessidade de avaliar a qualidade de vida

DISCUSSÃO

57

destas pacientes que representam o maior grupo de sobreviventes por câncer 116

(GANZ et al.,2004).

O desenho transversal deste estudo, embora não ideal para avaliação da qualidade de vida, por não fazer uma avaliação evolutiva, é adequado uma vez que a proposta do estudo foi traçar o perfil de uma população específica e compará-la com a população geral.

Documentos relacionados